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quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

GUERRA E PAZ


                   Mais uma vez a humanidade assiste abismada a nova cena de horror terrorista, desta feita em Paris e porque não dizer no coração da Europa e da moderna civilização ocidental. É mais que simbólico o ataque de treze de novembro, porque a França é o marco, pela Revolução de 1789, de todo o estilo de vida, valores e até dos direitos amplamente reconhecidos pela grande maioria das nações. Não seríamos o que somos, não tivesse havido aquele específico momento da história contemporânea. Assim é que atacar a França é em última instância, atacar a cultura ocidental como um todo e o próprio ser humano enquanto indivíduo, o que talvez tenha sido a maior das conquistas da modernidade.
                   O temor é que esse específico episódio venha a ser o marco de tenebroso conflito generalizado, que alimente com ainda mais sangue inocente a já destacada fogueira da vingança e destruição humana. A França, neste desiderato, já declarou guerra e mesmo bombardeou o famigerado Estado Islâmico, assumido autor dos atentados terroristas. Será mesmo a guerra o caro preço para se alcançar a paz? Ou não seria a paz fruto do perdão, da tolerância e do reconhecimento efetivo do autogoverno dos povos? Afinal, somos ou não verdadeiros cristãos?
                   Sun Tzu, na obra A Arte da Guerra já ensinava que o general sábio jamais deverá deixar seu opositor sem alternativas, pois alguém sem alternativas se torna muito perigoso. Os estrategistas ocidentais, pelo cerco cerrado que fizeram as poderosas nações ao Estado Islâmico, cometeram exatamente esse erro, o que na verdade já vêm fazendo a décadas, pois simplesmente subjugam os povos do oriente, não lhes permitindo sob nenhum pretexto o pleno exercício do autogoverno. Até parece que a democracia serve apenas para o cristianizado ocidente, jamais para os seguidores de Alá. Os atentados terroristas de treze de novembro, assim como dezenas de outros encontram nessa espúria dominação sua razão mais remota. São, portanto, efeitos e não causa da violência.
                   Para combater o sangue, mais sangue. Para dar combate à violência, mais violência. Eis a tenebrosa fórmula repetida há séculos pelo ocidente e novamente posta em prática como resposta aos modernos ataques terroristas, que por sua vez serão novas causas de mais homicídios de inocentes, sejam na luminosa Paris, sejam mesmo na destruída Damasco, também berço de portentosa cultura.
                   As questões políticas e religiosas das nações árabes pertencem a elas. Não cabe ao ocidente julgá-las ou reconhecer-lhes a verdade ou a falácia de seus discursos. Em casos de calamidade, como o da moderna Síria, o dever da Europa é o de acolher os imigrantes, como muito mal vem fazendo, não o de bombardear suas terras.
                   Nós, do ocidente, vamos mal enquanto humanos. Qual o sentido de tanta cultura diante de tamanha devassidão ética?


Jorge Emicles

domingo, 11 de outubro de 2015

GRITO DE LIBERDADE – Em Homenagem a Robson de Andrade Miranda



                   As palavras quando são candentes, tendem à polêmica. Antes de tudo, portanto, é necessário aquecer o espírito na esperança de que, pelo fogo, se colha a consciência. A advocacia, quando vista sob o prisma da história, nos revela uma atividade candente por excelência, que se permite pôr em brasa a sociedade, meio pelo qual assaca as grandes conquistas da humanidade.
                   O fogo do artigo Casa de Ferreiro causou consternação no seio dos defensores de uma dada candidatura à OAB local, mas estranhamente trouxe o silêncio quanto à grande maioria das considerações tecidas. Nenhuma palavra, pasmem, mas nenhuma mesmo a respeito da ausência de democracia no processo de escolha dos representantes da advocacia. Será mesmo que ninguém se indigna com o fato de que o Presidente Nacional da instituição não é eleito pelo sufrágio direto? Todos, sem exceção, acham democrática a exclusão do processo daqueles que estejam inadimplentes com a tesouraria? Ninguém reclama do fato de as campanhas já se haverem iniciado antes mesmo do registro das chapas e será que não existirá cristão capaz de se revoltar contra a ausência de prestação de contas dos atos de campanha? Esses silêncios gritam e emouquecem as consciências de bem.
                   A advocacia, segundo as relevantes lições da história, sempre foi um instrumento de liberdade, não de repressão. Não deveria vir da pena de um causídico expressões como providências serão tomadas. Esse é achaque de autoritarismo, típico dos que defendem a democracia com reservas, até o ponto em que se emitem opiniões contrárias às suas. Chega de se pretender utilizar o Poder Judiciário enquanto instrumento de pressão contra o exercício da liberdade de opinião. O texto não ataca pessoalmente ninguém, mas porque incita à prestação de contas de atos de campanha antecipados é achacado com apelos autoritários desse jaez. Quem será que verdadeiramente está baixando o nível da campanha? O que cobra as contas ou o que se recusa a prestá-las? Desde Cícero, na antiga Roma, se conhece a técnica sofista de ao invés de rebater as críticas, se atacar o oponente. Não há nada de novo sob o sol, afinal de contas.
                   É engano achar que a jovem advocacia está valorizada com tapinhas nas costas e sorrisos alegres. O neófito no mercado da advocacia acaba descobrindo que as grandes causas são dirigidas aos grandes escritórios, que além de famosos profissionais possuem um leque de instrumentos que facilitam o sucesso de suas pretensões. É aos interesses desses grandes escritórios que atende a OAB, não aos pequenos e recém ingressos. À pequena advocacia, tanto nas capitais, quanto e principalmente no interior o que resta é se deparar com a sórdida morosidade da justiça e a luta cotidiana de ter de vencer uma pesada e superada máquina para atingir algum sucesso em suas demandas. Não é à toa que a grande massa dos jovens advogados sonha com os concursos públicos, mas não com o desenvolvimento da carreira advocatícia.
                   Estudar os meandros dos mecanismos da ideologia, entretanto, nos fazem compreender a aguerrida forma com que a vítima do processo de exploração defende o modelo que a ele mesmo massacra. Os chamados pelo filósofo argelino Althusser Aparelhos Ideológicos do Estado nada mais são que verdadeiras máquinas, estatais ou não, que incutem na consciência dos dominados as ideias da dominação, fazendo deles próprios reprodutores de sua ideologia dominante, os transmudando em seres dóceis, servis e absolutamente avessos a qualquer ideia que, minimamente que seja, possa desconstruir a visão de mundo que aprenderam e reproduzem.
                   É, em última instância, disso que tratamos em nossos artigos, não do número de amigos que possam ter fulano ou beltrano. Nossa discussão é no campo do público, não das relações privadas. Pois tratemos de compreender que a OAB é uma instituição de Direito Público, não a antessala da casa de ninguém. Lá não é espaço para receber amigos, mas sim advogados e advogadas prontos a defender as prerrogativas de sua profissão.
Jorge Emicles Pinheiro

sábado, 10 de outubro de 2015

CASA DE FERREIRO...



                   A Ordem dos Advogados do Brasil – OAB – se notabilizou na parte final da ditadura militar brasileira pela coragem de defender os preceitos democráticos e pela denúncia aos sanguinários atos de tortura praticados àqueles tempos no país. A Constituição Cidadão de 1988 homenageou sua postura a legitimando como importante instituição na defesa do nosso Estado Democrático de Direito, inclusive a arrolando enquanto uma das legitimadas ao controle direto de constitucionalidade (e são bem poucas as instituições com esse poder no vigente ordenamento jurídico). O Supremo Tribunal Federal consolidou a OAB como uma instituição sui generis, cujos objetivos vão muito além da simples defesa das prerrogativas e do exercício do poder de polícia em face de uma classe profissional. Por tudo isso, é lugar comum o discurso de que a instituição é uma das fiadoras da democracia brasileira.
                   Nada mais natural, então, que se encarar a época das eleições da instituição como um festivo momento de profícuos debates, encetados no meio dos mais elevados valores da ética e confirmados pelas práticas mais democráticas possíveis. Afinal, para defender-se a democracia e se combater a ignóbil corrupção que assola o país, é preciso uma instituição que possua os hábitos mais límpidos possíveis.
                   A realidade da instituição, contudo, é bem outra. Primeiro, os advogados inadimplentes são sumariamente excluídos do direito ao sufrágio, criando uma horda de excluídos da participação democrática, como se porventura quem possuísse algum débito fiscal tivesse seu título cancelado pela Justiça Eleitoral e, por essa razão, não pudesse votar regularmente nas eleições. Essa determinação legal de pronto abre a perigosa brecha da comezinha prática entre os candidatos de pagarem a anuidade dos inadimplentes num específico método de vergonhosa compra de votos. Segundo, o voto na instituição é vinculado, de maneira que votar em determinada chapa implica em eleger dezenas de pessoas (em sua maioria desconhecidas) que ocuparão importantes cargos tanto na Caixa de Assistência do Advogado como mesmo no Conselho Federal da OAB, o que em si mesmo ilegitima completamente as atuações dos supostos eleitos. Terceiro, os candidatos não prestam contas nem dos gastos realizados em campanha nem das origens dos recursos arrecadados para tanto, ao mesmo tempo em que fazem pulular eventos festivos de todas as ordens, de custos elevadíssimos e de ética duvidosa. A moda do presente processo eleitoral é a realização dos hapy hours com os advogados eleitores, por onde os pretensos candidatos reúnem em bares o conjunto de seus eleitores para, regados de comidas e bebidas, pagos não se sabe exatamente por quem, pretensamente discutir os rumos da advocacia.
                   Segundo o Desembargador gaúcho Rogério Gesta Leal, uma das mais valiosas autoridades no país nos estudos das chamadas patologias corruptivas, tal se constitui no mínimo de uma prática desonesta, razão porque é catalogada enquanto ato corruptivo, que desmerece e ilegitima todo o processo eleitoral. A pergunta não quer calar: quem paga estas contas? A que título são graciosamente reunidos para uma boca livre os advogados a pretexto de discutir a sucessão da instituição? Em si mesmo, praticar atos deste jaez já não se constitui propaganda antecipada (porque realizadas antes do registro das candidaturas), patrocinada pelos próprios gestores da instituição? Que legitimidade terão eles, acaso eleitos? E o que esperar de advogados que se permitem ter parte em práticas corruptivas como estas?
                   Os cargos da diretoria da OAB não são remunerados. O que justificaria, então, campanhas tão caras para prestar serviços honoríficos, é dizer, não remunerados? Definitivamente, há algo de podre no reino da Dinamarca...
                   No mínimo, a ética e o bom nome da instituição restam flagrantemente desmerecidos. Pior. Com o patrocínio dos seus próprios dirigentes. Seja qual for o resultado das eleições, o processo como um todo já se encontra profundamente comprometido. E que lisura terá então a OAB para instituir Comissão Especial com o propósito de discutir e, quiçá, propor o impeachment da Presidente da República por suposto crime de responsabilidade?
                   A democracia não é um simples discurso. É de ser uma prática cotidiana. E é sobretudo pelo exemplo que se a pratica.

Jorge Emicles Pinheiro

terça-feira, 11 de agosto de 2015

A PEDAGOGA DESEDUCADA

                   Após o passamento do famoso boticário radicado na conhecida cidade de Matozinho (cuja localização geográfica é tema de dezenas de teses e debates acadêmicos e incertezas mais rumorosas ainda) tivemos acesso a importante acervo documental sobre a história daquele pitoresco lugar. Trata-se dos arquivos pessoais de José de F., querido proprietário da única farmácia existente naquela praça, mas cuja paixão verdadeira, se sabe, era pela história. Era um competente, letrado e organizado positivista, que mesmo apegado aos rigores das fontes documentais de sua escola exegética, copiosamente anotava as efemérides de Matozinho em dezenas de cadernos, todos de capa dura e vermelha e rigorosamente numerados e arquivados, onde positivava os fatos da pequena história da cidade, constituída dos acontecimentos comezinhos e cotidianos, muitos aparentemente irrelevantes, mas outros da mais vibrante importância histórica.
                   Devidamente copilados, classificados, fichados e catalogados todos os ditos caderninhos vermelhos, verificou se tratar de rica, rigorosa e vibrante fonte da história local, a competir mesmo, em nível de qualidade e verossimilhança das informações, com as já conhecidas crônicas de José Flávio Vieira, radicado em Crato, mas que teve longa e profícua estadia na cidadezinha, tempo em que recolheu suas conhecidas narrativas, publicadas e premiadas mundo afora. Se a notoriedade de Matozinho é devida a José Flávio, o exame amiudado da antropologia local é sem dúvidas obra de José de F.
                   Contam-se por centenas o número de narrativas de episódios interessantes da localidade, de onde, desde a letra miúda e organizada do farmacêutico, podemos tirar bem mais que passagens da história local, mas na verdade a própria essência da natureza humana. Segundo observamos de uma nota de fim de página esmerosamente escrita pela nossa citada fonte, a maldade e a bondade dos homens as encontramos em todos os rincões do mundo; seja nos grandes, seja nos pequenos lugares; seja para fora, seja para dentro do homem. Somos, dizia ele, bem mais parecidos todos em nossos defeitos e acertos do que jamais seremos capazes de confessar.
                   Seria necessário um volumoso tomo para narrar, interpretar e transmitir nossas impressões pessoais a respeito do precioso achado, cousa que pretendemos desenvolver nos anos vindouros, pois por zelo de nosso ofício preliminarmente a qualquer publicação realizaremos um minucioso e incansável trabalho de pesquisa e checagem das fontes, porque muitos dos episódios citados revelam ardis e práticas nem um pouco republicanas, a revelar a sordidez e o malogro dos sentimentos humanos.
                   Um dos episódios já checados e confirmados pelo testemunho de dois personagens de notório conhecimento da fofoca cotidiana do local, cujos depoimentos foram por nós gravados e devidamente arquivados para futuras consultas e comprovações da ciência, se trata da eleição para a diretoria da Escola de Segundo Grau Maior de Matozinho, processo conturbado, cheio de firulas e muzenzas, a competir somente com a própria eleição municipal, que naturalmente ganha em importância e desmantelo por envolver recursos orçamentários de maior porte.
                   Àquele ano apresentou-se como candidatura de oposição o nome da social socialista revolucionária anarquista Maria Zueira, famosa pedagoga local, mulher de fibra e vibrante discurso, que apregoava aos quatro cantos a necessidade de conscientizar a massa disforme do proletariado local, como único meio de elevar ao poder a intelectualidade capaz de fazer a transformação necessária às mudanças impostergáveis à evolução de toda a raça humana. Suas ideias, dizia, eram provenientes da mais legítima e corroborada fonte socialista existente, tiradas que eram diretamente do oracular livro inspirado de seu autor predileto, o engenheiro húngaro Rich Troit. Após longos, detalhados e abundantes discursos, todos muito bem elaborados e prenhados de belas e indecifráveis palavras, próprias dos esclarecedores métodos pedagógicos que praticava, ela a todos acalmava com a tradução direta e simples que resumia seu pomposo discurso: Votem em mim, que eu resolvo o problema de todos. Para garantir a fidelidade de seu vasto eleitorado, possuía um caderno de espiral, no qual grafava todos os favores concedidos e pedidos, pedidos ou somente imaginados, ao lado do nome do respectivo favorecido.
                   Para ela, a rigorosa aplicação do método de Descartes conduzia à inexorável certeza de que todos os problemas da Escola de Segundo Grau Maior de Matozinho poderiam ser facilmente resolvidos. Bastava determinar a realização das obras e ações indispensáveis. O alunado da escola fora acometido de um surto de gripe? Pois que fosse construído um hospital escolar, pronto a atender pelas vinte e quatro horas do dia todos os enfermos e seus familiares, munido de vacinas atualizadas e médicos do mais alto gabarito, prontamente importados da vizinha cidade. Os alunos queixavam-se da falta de professores? Então que fossem imediatamente contratados três por turma, a fim de garantir até as prováveis e possíveis licenças a serem gozadas, além, é claro, de assegurar os votos que lhe garantiriam a futura reeleição. Os equipamentos da escola estavam desatualizados? Pois que de pronto se fosse até a venda de Zé Pé Preto comprar tudo novo, brilhante e do melhor. O dinheiro para tantas aquisições? Disso, o livro de seu velho mestre não tratava, pois assuntos de finanças são coisas muito pequenas diante da genialidade de seu impecável mentor. Mas que todos ficassem certos que o método de Descartes não falhara jamais em toda a história da humanidade, dizia. Logo, isso seria problema de menor monta. Era só votar em Maria Zueira para que a felicidade do mundo inteiro recaísse sobre os ombros do eleitor.
                   Pela situação foi lançada a candidatura de Aparício Vieira, moço tímido, de bons modos e extremamente modesto no expressar-se, que ao invés do discurso profético de sua opositora preferia dizer com parcimônia e método que os problemas somente se resolveriam com disciplina e trabalho; que para cada gasto deveria haver uma receita correspondente e que, considerando os parcos recursos enviados mensalmente pelo erário do Município os avanços seriam graduais, mas desde que planejados, firmes.
                   Pela fofoca instalada no centro da campanha, coordenada pela conhecidíssima Siderina, a eleição seria barbada. A pedagoga Maria falava melhor, mais bonito e com mais raiva que o miudinho situacionista. Não tinha pra ninguém, dizia, pois eleição ganha quem mente melhor. Maria Zueira que mandasse logo engomar o vestido vermelho da posse. O auge de toda a munganga aconteceu na véspera do pleito, quando no centro do campinho de areia da escola se realizou o grande debate. Maria Zueira nunca gritou tanto, chamou tantos palavrões e jamais esteve tão certa da vitória quanto naquele dia. Calmo e contundente, Aparício apenas enfatizava que o futuro estava no planejamento e na responsabilidade de ações, mas a cada palavra que dizia recebia sonora vaia da claque plantada pela campanha oposicionista na beira do palco, com o específico propósito de desmoralizá-lo e não o deixar falar. Tática de campanha absolutamente legítima e reconhecida na obra de Rich Troit.
                   Os estratagemas da social socialista fizeram calar a plateia de ouvintes, que muda assistia a algazarra de seus militantes, gritando palavras de ordem e enfatizando que somente pelo inovador método pedagógico de sua líder poderiam revolucionar a educação de Matozinho. Mas esse silêncio da audiência custou caro à oposicionista.
                   No dia da votação, persistiu em todos os sítios de votação o mesmo sepulcral silêncio dos eleitores, à exceção dos militantes socialistas que seguiam na tática do barulho, do enfrentamento e da intimidação. Eleição se ganha no gripo; eleição é uma guerra e todo opositor deve ser visto como um inimigo, profetizava o propalado livro de cabeceira da Zueira.
                   O resultado é que, apurados os votos, Aparício ganhou de lavada, fazendo Maria Zueira dirigir-se à rádio da cidade, indignada, para fazer um discurso de denúncia, pois todos os eleitores ou foram comprados na calada da madrugada pelo seu opositor, tão acostumado que era a práticas deste jaez, ou mesmo hipnotizados, pois lhe causou especial estranheza o silêncio contumaz de todos eles durante todo o dia. José de F., entretanto, conclui que o grito intimida, mas o silêncio da cabina de votação liberta.


Jorge Emicles

quarta-feira, 5 de agosto de 2015


QUE SÓIS?

                   Oh homens, o que sois? Uma única unidade a povoar e dominar este minúsculo e quase insólito planeta, e por isso a Humanidade? Ou sois como uma ilha, reservada, desabitada tantas vezes de sentimentos, outras de propósitos, mas sempre solitários, na busca de si mesmo dentro do vizinho companheiro, outra ilha isolada, solitária e triste? Como disse Gilbram, a vida de cada um de nós é uma ilha separada de todas as outras ilhas e regiões. Não importa quantos são os navios que partem das costas dessa ilha para outros climas, e não importa quantas são as esquadras que tocam suas águas. Sempre seremos como ilhas solitárias a construir pelo metal de nossas riquezas ou pela vaidade de nossos egos pontes pressupostas que ilusoriamente nos ligam, identificam e nos afinam com os demais humanos.
                   Mas não adianta. Sempre seremos solitários como as ilhas.
              Tudo o que construímos são no fundo planos fracassados de superação dessa tenebrosa solidão. Seja quando acumulamos riquezas; quando conquistamos poder; quando nutrimos vaidade ou até quando plantamos o amor; não importa. Todos os instantes da nossa vida são batalhas sufocantes e perdidas contra e ao mesmo tempo de encontro à solidão.
                   Nem o amor, que é infinito, é capaz de livrar-nos desse terrível desterro.

Jorge Emicles Pinheiro Paes Barreto

sábado, 1 de agosto de 2015


A TI BUSCO, AINDA

                   A lua cheia, inteira e vibrante que vi brotar do escuro misterioso do espaço sideral só é bela, plena e luminosa quando, para muito além da luz branca e serena que irradia também alumia a escuridão da tristeza e o negrume da desolação que alimenta o espírito e os medos de tantos e tantos.
                   O sol somente é radiante, quando para além da fotossíntese de que é causa, igualmente se torna o alimento do porvir eterno da esperança; do recomeço e da certeza de que ainda maior que as vezes em que erramos, serão as oportunidades de acerto e a fé na correção.
                   Não adianta a dureza da vida a ronhosamente ensinar da traição; fundamentando a desolação; dando pretexto à solidão. Não convencem, simplesmente não convencem as coleções de dramas que tantos sacrifícios e dores impõem ao coração do homem. As lições dos fracassos e a dor do abandono apensas não amainam o espírito de ninguém; não dignificam o sofrimento nem conformam pelos fracassos. As derrotas tão somente alimentam a esperança da vitória; pois se justificam exclusivamente enquanto o necessário preço do sucesso final.
                   Se morrermos antes do júbilo derradeiro, então é porque a morte não foi de fato e daqui ou de alhures seguiremos alimentando a mesma teimosa, irracional e irresistível esperança. Por mais que sejas impossível, ainda mais te desejamos, pois viver sem esta vontade é morrer de verdade.
                   Pois não adiantam os anos de tanta vida. Não servem os desterros. Não alimentam as lágrimas nem reconfortam as demais conquistas. Não desistiremos de ti jamais, pois abrir mão dessa vontade é tornar sem sentido tudo o mais à volta. De que valerão tantas cicatrizes? para que servirão este tanto de desprazeres que suportamos ao longo da vida inteira, mesmo antes e depois dela, se a vontade de tua conquista se transmudar no fracasso ou no impossível? Enquanto a fé permitir que a vida flua no meio das tênues batidas dos nossos corações e na indelével vibração dos nossos pensamentos estiveres a alimentar este suave e desapressado desejo de ti, tudo fará sentido e tudo terá valido a pena.
                   Mesmo que nossa vontade seja tão imensa e mesmo que por isso sucumbamos na tua busca, cada segundo e cada sacrifício dedicado à tal procura terá sempre sido o melhor fazer dentre todas as coisas possíveis e impossíveis da existência.
                   Por que nome te chamamos? Podes ser sabedoria; felicidade, paz de espírito; iluminação. Podes ainda ser a esperança contumaz, tantas vezes ingênua, que somente encontramos na fé. Podes sem dúvidas ser o amor, o mais sublime, pujante e perfeito de todos os sentimentos.
                   E podes estar sintetizada, com todas essas qualidades reunidas em uma só e mesma criatura, nos doces, caridosos e sensíveis braços de uma mulher qualquer, passante anônima e desimportante de uma rua estreita e mal ladrilhada, em um canto esquecido do mundo, do qual nunca se falou e para onde jamais desejamos ter ido...


Jorge Emicles Pinheiro Paes Barreto

sábado, 11 de julho de 2015


A DUALIDADE QUE ME HABITA – POESIA EM PROSA



                   De dentro de mim mesmo, o mundo enevoado que me habita (talvez o mundo enevoado que sou eu mesmo habitando o etéreo límpido e claro da existência); mas sempre, de dentro de mim mesmo um infinito de sentimentos que às vezes sufocam, outras extravasam e pululam, pretendendo se fazer ver diante da infinidade cósmica.
                   Olhando de mim para o mundo, sou uma individualidade, um ser completo, eterno, que busca a perfeição do mundo pela compreensão da indissolubilidade do éter. Já eu visto do mundo, no meio de tantos bilhões de galáxias; escondido num pueril e desimportante canto olvidado do Universo, sou bem menor que o esquecimento. Sem mim, o mundo não perde uma centelha que seja de sua infinidade e perfeição; continua sendo ele mesmo, tal qual sempre foi, completo e inesgotável. Já eu sem o universo nenhuma coisa sou; transmudado que estarei em nada imiscuído dentro de um nada mais infinito ainda. Nada multiplicado à potência infinita...
                   Quando estou alegre, ensimesmado de minha própria importância em face das coisas dos homens; me pretendendo genial, capaz de contribuir positivamente na obstinada construção de um futuro humano digno e promissor, é porque estou olhando de dentro para fora. Já quando estou triste, realisticamente me compreendendo desimportante, achando ínfimo e sem sentido as ideias que possam me habitar, as criações com que possa legar à ciosa raça dos homens, é porque estou olhando do infinito cósmico para a microscópica dimensão de meu irrelevante ser.
                   E quem sou, afinal? As duas coisas, diria. E nessa resposta não existe qualquer tentativa de dissimular a verdade; de se emprestar qualquer importância suplementar à flagrante desimportância que tenho eu e todos nós diante das grandezas infinitas de que somos milimétricos e quase desprezíveis fragmentos. Na verdade, é porque somos uma dualidade por sua própria natureza. Enquanto espécie, somos macho e fêmea. Enquanto seres, somos matéria e espirito. Enquanto humanos, somos bons e maus. Enquanto potestade, somos criadores e criaturas. Somos a potência do que está no alto ao mesmo tempo que a delicadeza do que está em baixo. Somos a tristeza da pequenez de nosso ser ao mesmo tempo que a alegria da consciência da imensidão da obra cósmica.
                   Em sendo duais, a harmonia da nossa existência se encontra na consciência do necessário equilíbrio das duas partes que nos habita, pois é nesse equilíbrio onde, alijados do ego, poderemos encontrar a verdadeira essência de nós mesmos...

Jorge Emicles Pinheiro Paes Barreto

quinta-feira, 2 de julho de 2015


O PREÇO DA INGRATIDÃO

                   No presente ano, a URCA – Universidade Regional do Cariri – comemora vinte e nove anos de sua fundação, ocorrida no longínquo junho de 1986, ao encampar os cursos da Faculdade de Filosofia de Crato (patrimônio da Fundação Padre Ibiapina) e os cursos de Direito e Economia da UECE. Àqueles idos, caminhar pelos corredores da neófita universidade trazia um ar um tanto desolador de se estar visitando um escolão e não propriamente uma universidade. Ao longo dos anos seguintes, entretanto, a URCA cresceu em todos os sentidos. Qualificou-se como instituição, expandindo largamente seu espaço de atuação, possuindo hoje campi em diversos Municípios e várias Unidades Descentralizadas. Seu professorado é cada vez mais profissionalizado, tendo em seu quadro um reconhecido número de mestres e doutores. Apesar da carência de professores efetivos em alguns de seus departamentos, seu corpo docente na atualidade é imensamente melhor qualificado que ao tempo de sua fundação. O número, a qualidade e o reconhecimento de seus diversos cursos de graduação e pós-graduação somente cresceu ao termo dos anos.
                   Desde a gestão de Plácido Cidade Nuvens, a URCA fez uma corajosa, mas importante opção ideológica, qual seja a de praticar o princípio de que é uma universidade pública e gratuita, não possuindo por isso nenhum curso de graduação pago, ao reverso de outras coirmãs. Por mais que se pretenda criticar ou denegrir a Universidade Regional do Cariri, nenhum detrator poderá negar a evidência de que a URCA é gigantescamente maior, melhor e mais qualificada hoje que foi no seu nascedouro. Na verdade, a Universidade paga o preço do seu crescimento, pois as charmosas instalações de sua sede legadas pela administração de Violeta Arraes restaram apertadas para o tamanho que galgou a instituição. Mesmo o espaço ganho pela ocupação e construções do que hoje se constitui no chamado campus Pimenta II é insuficiente para abarcar o tamanho da URCA. Ela quer e precisa crescer, mas não tem para onde.
                   Porém, de todos os beneficiados pelos serviços prestados pela URCA, não se poderá duvidar que o maior deles é o Município de Crato. Foi árdua a luta de seus idealizadores para sediar a universidade na princesa do Cariri, pois logicamente os benefícios trazidos não somente à economia como ao desenvolvimento sócio e cultural são evidentes e trouxeram o interesse e articulações de outros agentes públicos, defensores da tese de que a futura universidade tivesse sede na vizinha Juazeiro do Norte. Qualquer estudo sério revelará a inegável importância da Universidade à sobrevivência do Crato como uma urbe viva, atuante e culturalmente vibrante. Sem a URCA, o Crato somente afirmaria sua vocação moderna de, ao invés da capital da cultura, ser uma simples e desimportante cidade dormitório, sem qualquer relevância seja política, cultural ou econômica. Aquela Crato descrita por Darci Ribeiro, em O Povo Brasileiro – centro da atividade política e econômica da região e um polo de desenvolvimento nacional – , de a muito não existe mais.
                   No entanto, a mesma miopia histórica do pseudossangue azulado que corre nas veias da soberba elite cratense que lhes fez perder toda a importância que a terra de Bárbara de Alencar um dia já possuiu, também é permeada de ingratidão. Mesmo cientes da sufocante situação física em que a sua universidade se encontra (a sua melhor provedora e única e derradeira fonte de importância que a história lhe legou) o Crato francamente tolhe o crescimento da URCA. Em nome da ciosa tradição de uma festa que durante uma semana por ano lota o parque Pedro Felício e enche a cidade de visitantes, mas também de lembranças de um tempo que não volta mais, a Universidade Regional finda espremida em limitado e insuficiente espaço físico, necessitando e ao mesmo tempo sendo impedida de expandir-se.
                   A URCA precisa crescer. Para o bem do desenvolvimento de toda a região do Cariri, a URCA não pode mais se limitar ao confinamento físico que lhe impuseram. E em face da ausência de importância que injustificadamente lhe dá o Crato, talvez o melhor caminho para o atendimento dessa impostergável necessidade seja atravessar os quilômetros da Avenida Padre Cícero até a vizinha Juazeiro. A história dirá.

Jorge Emicles Pinheiro Paes Barreto

Professor da URCA

sábado, 13 de junho de 2015

O QUE QUEREMOS NA POLÍTICA É O NOVO, MAS O NOVO DE VERDADE



                   De escândalo em escândalo, cada vez ficamos mais abismados com o nível das relações incestuosas entre os poderosos e os donos do capital tanto no Brasil quanto alhures. O futebol é um poço de corrupção, afirmam os inquisidores da FIFA, cujas artimanhas vão muito além dos já conhecidos esquemas de combinação de resultados entre times; o Instituto Lula recebeu doações milionárias de certa empreiteira envolvida no escândalo da Lava Jato; nada demais, porque o Instituto de Fernando Henrique também foi beneficiado por doações da mesma empresa. E aí parece que o jogo acaba empatado, pois a nova ética que tentam nos empurrar goela abaixo é a de que todo mundo rouba igual, sendo as diferenças simples questão de oportunidade. O cidadão comum não desvia milhões dos cofres públicos porque não pode, mas tendo oportunidade suborna sem escrúpulos o guarda de trânsito que flagrou seu carro irregular; o policial civil não dá mole a traficante, porque nele vê a escória e os piores males à nossa sociedade, mas ao mesmo tempo é servil com o pequeno contraventor eleitor de seu amigo político; o Prefeito da pequena cidade nordestina milagrosamente não pratica atos de corrupção, mas se cala diante da exigência do Deputado que lhe liberou a verba para a construção da grande obra de sua administração para dirigir a licitação para uma empresa escolhida, pois do contrário a verba será destina a outro Município; o Maluf rouba, mas faz.
                   Ao mesmo tempo em que o senso comum se indigna com a grande corrupção em escala cada vez maior, se cria uma certa tolerância aos pecadilhos cometidos cotidianamente por nós outros, sem escrúpulos, arrepios ou dores de consciência. E é aí onde encontramos tanto a raiz quanto a consequência da falta de prática de ética por cada qual de nós. Tanto faz analisar o problema do macro para o micro ou vice-versa, pois a conclusão acaba sendo a mesma. Hobbes, o inglês que foi um dos grandes teóricos do Estado, cria o Leviatã, que vem a ser o monstro sob o qual os seres humanos depositaram parte de sua liberdade em troca de segurança. O monstro a que nos referimos é o próprio Estado e seu dever é garantir a todos os seus súditos, que somos nós os cidadãos, segurança tanto física quanto jurídica, em troca do que abrimos mão de parte das nossas liberdades e ainda pagamos impostos, na esperança de que nos retornem em serviços relevantes à nossa existência. A corrupção, no entanto, não permite que a realidade se alinhe à bela teoria. Não temos segurança nenhuma, seja porque a polícia não protege e tantas vezes nos oprime, seja porque os juízes não tutelam de fato as liberdades, seja porque as autoridades públicas não prestam serviços minimamente de qualidade. O orçamento da saúde é milionário; aumentando a cada ano, mas ainda assim quem não pagar um plano de saúde privado não terá acesso regular à saúde; o fomento visando o desenvolvimento social das camadas mais miseráveis da população se impõe como política de justiça social, mas o bolsa família acabou virando a última trincheira para a manutenção no poder dos que exploram a pobreza como arma política, seja entre os coronéis do passado, seja entre os progressistas do presente.
                   De outro lado, desde crianças somos rigorosamente treinados a fazermos parte de um mundo cada vez mais competitivo, onde o colega ao lado é o adversário que perigosamente poderá nos tomar a vaga no emprego, a promoção na empresa ou mesmo a simpatia no grupo social. O próximo não é o irmão a quem devemos acalentar na necessidade e buscar auxílio na precisão, mas tantas vezes se transforma no adversário e até no inimigo. Esta forma de ver o mundo a que somos instigados tanto pela escola quanto pela mídia nos ensina que é certo querer vantagem em tudo; ser o vencedor é ser o melhor, porque vergonhoso é perder. O consabido jeitinho brasileiro e a lei de Gérson, que relegam a ética face ao resultado traduzem de maneira emblemática as consequências dessa distorção do dever pedagógico tanto da mídia quanto da educação. Sob esse ângulo, a mentira e a corrupção, desde que praticados em escala razoável é algo tolerável, porque tanto é uma contingência para a sobrevivência quanto aparentemente não faz mal a ninguém.
                   Mas já dizia Hermes Trimegistro, na famosa Tábua de Esmeralda: como é em cima é como é embaixo e como é embaixo é como é em cima. Logo, o mesmo modelo reconhecido tacitamente pela moral comum é necessariamente repetido pela prática dos poderosos. E é assim que se justificam os mal feitos da República: Lula precisou pagar o mensalão, porque do contrário não governaria (afirma expressamente o livro do ex-Presidente do Uruguai, José Mujica); foi necessário permitir que se montasse um esquema de corrupção em várias empresas estatais (não somente na Petrobrás) porque novamente não teria a maioria necessária à governança; tudo bem, porque os tucanos, quando foram governo se valeram das mesmas práticas, inclusive comprando a emenda da reeleição; os políticos, mesmo os bem intencionados, que não compram voto ou praticam outra forma de abuso de poder jamais se elegerão; o pequeno Prefeito que não ceder à máfia das licitações que se espraiou por todo o país não consegue realizar obras; o parlamentar da situação que não tiver um razoável número de empregos públicos para distribuir entre seus correligionários não se reelege; e assim por diante pelos séculos dos séculos, como se essas práticas fossem uma necessidade e não uma espúria deturpação.
                   É nisso que precisamos dar basta. A questão não é somente guarnecer as trincheiras do combate à corrupção, mas igualmente dar cabo às falhas reincidentes de nosso caráter coletivo; de como nos vemos e a que práticas nos permitimos enquanto povo, nação e humanos; em uma palavra, é preciso definir de maneira clara e transparente qual é o nosso conceito de ética e até que ponto seremos capazes de tolerar como normais práticas viciosas e vergonhosa que nos acompanham desde os primeiros anos do chamado descobrimento do Brasil.
                   E o caminho para essa mudança necessariamente encontraremos na educação e somente nela.


Jorge Emicles Pinheiro Paes Barreto

sexta-feira, 5 de junho de 2015


MACHUPICCHU
                  
                   Todos os dias, junto com os primeiros raios de sol, milhares de turistas curiosos e ávidos por descortinar diante de si um tempo que não mais existe; um povo que foi cruelmente devastado pela ignomínia do poder e do ouro, adentram ao portal que acessa à cidade da velha montanha, mundialmente conhecida por Machupicchu, que na língua Quéchua significa exatamente a velha montanha, que protege e testemunha o cotidiano da esquecida cidade Inka já a tantos séculos. O nome mesmo daquele lugar; a palavra pronunciada pelos Inkas para designá-la restou perdida junto com centenas de outros mistérios daquele povo, permanecendo irrevelados para cada uma das milhares de pessoas que diariamente, como em uma romaria perpétua, adentram àquele sagrado lugar.
                   Para chegar aos portões de Machupicchu não é uma tarefa fácil, propícia aos obesos turistas que visitam outros lugares famosos do mundo. Ou se arrisca a embrenhar-se na velha trilha Inka, subindo e descendo montanhas por quatro longos e extenuantes dias, ou se colhe um trem em Ollantaytambo e guiado pelas rodas de ferro do comboio de vagões adentra-se em floresta cerrada, beirando o caudaloso rio sagrado dos Inkas, o Urubamba. Não há como se chegar de carro ou outro meio de transporte. Porém, ao termo da extravagante aventura o trem enfim desembarca a todos no singelo povoado de Machupicchu, criado exclusivamente para recepcionar os milhares de turistas que buscam conhecer as velhas ruínas da cidade perdida. Daí se toma um micro-ônibus que subirá uma íngreme montanha até que enfim estacione diante da entrada da cidade perdida. Poucos passos adiante se encontrará as primeiras ruínas. Ruínas porque se trata de uma cidade abandonada misteriosamente em data desconhecida, que remonta por certo a alguns séculos, talvez mais próximo, talvez mais remoto aos últimos reis Inkas. Mas sem dúvidas uma construção genial, de ímpar resistência, que sobreviveu a séculos de abandono, tomada já por densa floresta e irretocável a tantos terremotos que já abalaram toda aquela região. Tudo, sem falar na inexplicável arquitetura, composta por blocos gigantescos de pedras trazidas de dezenas de quilômetros de distância cujas técnicas de locomoção são até hoje desconhecidas. Com a tecnologia avançada do século XXI ainda não é possível repetir o bravio feito daquele povo.
                   O que mais impressiona, contudo, é o enorme número de visitantes que a cada dia faz a temível travessia entre Cusco, antigo centro do mundo Inka até Machupicchu, por um dos meios possíveis. Tão mágico quanto admirar a arquitetura única daquele lugar, vasculhando as dezenas de mistérios, alguns perdidos outros escondidos ao longo da cidade, é mirar o formigueiro humano que devassa suas entranhas, formado por estrangeiros dos mais longínquos rincões planeta adentro. A cada dia podem adentrar à cidade no máximo duas mil e quinhentas pessoas, sendo que duas mil viajam por trem e as demais quinhentas a pé, pela citada trilha Inka, que na época do império era o exclusivo meio de acesso à misteriosa cidade. Naquele lugar mágico, parece, em todos os dias se falam todas as línguas conhecidas pela humanidade, fazendo dali o verdadeiro centro energético de todo o planeta.
                   Mas o que buscam tantos forasteiros, de tantas culturas e costumes diferentes? Que teriam em comum um gigante negro africano, um desalinhado e parrudo americano, uma frágil e dócil coreana e um outro antipático alemão, senão o mesmo olhar sereno, fascinado e cheio de incompreensões diante da deslumbrante vista panorâmica de Machupicchu, do alto da Casa do Vigilante? Que passaria em seus espíritos senão sentimentos da mais pura e sublime inspiração ao ver a montanha gigante e velha, que pela própria arte da natureza desenha a face de um sábio índio, pintada logo abaixo pela genialidade do homem, que desenhou os contornos da cidade como a um condor, em pleno voo. A genialidade de Deus poderia ser aperfeiçoada pela maestria de sua criatura? O homem, assim, no seio dessa harmonia perfeita com a natureza se torna tão divino quanto seu próprio Criador? Diante daquela maestria, que por tão bela e perfeita não merece adjetivos, como então duvidar que há um Deus criador e que o fruto maior dessa criação, o homem caído, não possui em seu âmago a potência de sua Divindade criadora?
                   Diante da vista panorâmica de Machupicchu, do alto da Casa do Vigilante, onde nos tempos dos reis Inkas era a única chegada àquela misteriosa cidade, desconhecida mesmo de muitos dos antigos quéchuas, em qualquer língua que seja; fundado em quaisquer das muitas culturas humanas; inspirados em todos os conceitos de divindade; somente esta poderá ser a conclusão a que qualquer ser desta espécie, a nossa; a humana, poderá chegar com honestidade.
                   E depois dessa mirada, é praticamente irresistível não seguir a trilha Inka até a Porta do Sol, que anuncia com precisão absoluta os solstícios de inverno e verão. A caminhada é íngreme, que pelo esforço exigido de densa subida em ambiente de ar rarefeito convida o caminhante a refletir sobre sua pequenez individual diante da magnanimidade da natureza, mas ao mesmo tempo o conscientiza que ele, o pequeno caminhante que tropegamente arrisca acanhados passos nos sagrados degraus do caminho, é potencialmente tão grande e perfeito quanto a própria natureza, desde quando consiga se fazer parte dela. Não se domina a natureza; se integra a ela, deixando de existir enquanto indivíduo e passando a ser uma porção de consciência no todo da criação. A cada passo menor ficamos diante de nós mesmos e mais altos nos tornamos diante de Deus.
                   Verdadeiros iniciados nos tornamos ao termo desse caminho, e no final da visita à cidade perdida, suas lembranças muito longe estarão de ter sido de um simples e despretensioso passeio de um domingo ensolarado. Ensolarada estará nossas vidas depois daquele iniciático solstício...


Jorge Emicles Pinheiro Paes Barreto

domingo, 10 de maio de 2015










CARTA EXTRAVIADA




                            Uma conversa tão adiada quanto esta; de tantos assuntos pendentes e de tantos fatos desconhecidos mutuamente, certamente deveria se iniciar por amenidades. Como estaria o tempo aí onde te encontras? Pelo que imagino do sol refletido em teu aberto sorriso, não duvido tenha estado firme e límpido por todos estes anos. Aqui a coisas foram mais enevoadas, cheias de alternâncias. Às vezes boas, outras nem tanto. Até lamento dizer, mas os momentos difíceis foram maioria. Bem... mas falemos primeiro das amenidades. Se tivesses a curiosidade de reaver nosso país, acharia tudo por aqui mudado; as coisas mais modernas, as pessoas melhor vestidas; as cidades mais apinhadas de gente. Mas seria pura ilusão. Na verdade tudo continua exatamente igual. O ano somente começa depois do carnaval, que continua sendo exatamente como sempre foi: cheio de pessoas vazias, exultantes de transbordante alegria de nada; céticos crentes de que deve festejar enquanto razão suficiente de viver, em embriagante esquecimento de todas as coisas e de todos os valores que realmente pesam. Ah, também pulei meus carnavais, e embora não me arrependa deles, também não lhes nutro saudade. Também todos os anos há a mesma comoção no futebol. Os mesmo times se engalfinham em campo, os mesmos idiotas se matam nas arquibancadas. A diferença é que agora acho que eles se matam de verdade. A violência urbana continua crescendo. Os personagens da política são outros, bem diferentes dos que conhecestes, mas os discursos mentirosos continuam os de sempre. Claro, temos uma mulher na presidência, que ante tua tez feminista me parecerá ser motivo de orgulho pessoal a ti. Parabéns, então, pois alguém do teu cioso gênero chegou ao poder por aqui. Por aí terá havido algo semelhante? Participastes neste movimento? Pergunto até como meio de me perquirir de que te ocupas por aí. Se deixastes todos os que amas aqui, então haverás de ter tempo para atividades extraordinárias, uma ocupação habitual que te serviria não somente de sustento, mas sobretudo de amparo emocional. Ou terias encontrado algum amor por aí? Afinal já fazem tantos anos. Claro, claro! Voltemos às amenidades, pois compreendo que os assuntos que realmente nos movem à corresponder-nos deverão ficar para pouco depois. Sei que é mais fácil assim.
                            Certo dia fui ao cinema. Sozinho, como é do meu costume. O enredo do filme não me lembro bem, mas sei que falava sobre o amor, este tema que tem de estar presente em todas as formas de criação humana, em todos os momentos das nossas vidas, em todos os nossos níveis de relação. Esse amor, enfim, que é o combustível que move o mundo conhecido e desconhecido. Pois foi diante desse sublime sentimento que me lembrei repentinamente de ti. Senti saudades, claro. Porém, ainda mais que isso, senti uma necessidade quase física de ter a ti ao meu lado; de segurar tua mão; por minha cabeça sob o teu ombro; de dizer que desde que partiste, ninguém mais pus em teu lugar. Não que a vida não me tenha oferecido outras companhias, porque de fato reneguei muitas oportunidades, mas por fiel e zeloso amor, persisti sozinho, alimentando a inarredável certeza de que haveríamos ainda de nos avistar um dia. Por todos os dias da minha vida alimentei esta certeza e assim será até o fim. Mas especialmente neste dia em que fui ao cinema, a necessidade de ti foi maior que a de todos os outros dias. Foi algo tão forte, que tive vontade de chorar; espernear; gritar em plena sessão quanta falta sentia de ti; tive o desejo de praguejar a Deus, por permitir tamanho sofrimento. Porém, como sempre, reservei-me ao silêncio, discretamente limpei as lágrimas, respirei fundo por várias vezes e ao final da exibição ninguém foi capaz de perceber absolutamente nada. Saiba, contudo, que não sou dado a estas exteriorizações. Busco reservar o sofrimento e a angústia dentro do meu silêncio. É ao mesmo tempo uma forma de tentar sofrer menos e também reservar este sentimento (para mim tão sublime) exclusivo teu. Perceba, logo, quão especial foi aquele dia no cinema. Na época do acontecimento estavam se passando coisas pavorosas em minha vida, nem sei se devo dizê-las. Mas, já que toquei no assunto, é porque quero revelá-las. Farei-o aos pouco, no entanto se a conveniência se apresentar. Estava solitário na época. Extremamente solitário, como penso jamais haver estado antes. Solitário, porém não sozinho, veja quanto paradoxal se apresenta a vida tantas vezes. Haviam até alguns do teu tempo, a quem sei, também dedicastes teu amor. Mesmo eles, no entanto, não me serviram de amparo. Sim. Eu os denuncio a todos, e conforme corra a inspiração da pena, quiçá até não lhes conte os pecados. Mas é sobre mim que quero falar. Da minha extrema solidão. Solidão tão abismática aquela, que de todas as pessoas do mundo, somente tu poderias me salvar dela. Depois de sair do cinema, iniciei passeio pelos corredores do shopping me pondo a imaginar que estavas ao meu lado. De que lojas gostarias? Que produtos te chamariam atenção? Que conversas entabularias? Será que gostarias da novela da moda? Ah, tinha que te fazer correr ao meu lado as prateleiras daquela grande livraria, disso não abriria mão, afinal ali encontrarias títulos imperdíveis! Mas então pus-me a perguntar se tu realmente gostarias de ler... não saberia a resposta... como não saberia qual tua cor preferida... qual teu estilo de roupa... qual ator de cinema a ti pareceria o mais belo... teu prato preferido... que bijouterias te apeteceriam mais... enfim, pus-me a questionar quão pouco te conhecia, e passados já tão longos anos, quanto menos te conheço no presente. Antes de tudo assim é para uma desconhecida que escrevo, assim como era uma desconhecida aquela personagem imaginária que corria as lojas comigo àquele dia. Ainda assim, não posso duvidar do amor que nutro. Que estranha essa sensação. Simplesmente inexplicável! Mas é assim o que sinto.
                            Tudo bem... não fujamos ao enredo e voltemos às amenidades. Perdoe o carrego dos sentimentos. Não quero, afinal, que esta carta te pareça piegas. Seria como uma morte que esta impressão te alimentasse. Contudo, hás de perdoar-me por simplesmente não deletar o parágrafo pretérito. Mesmo que posto fora de lugar, no momento da nossa conversa onde supostamente estaríamos ainda estreitando a reaproximação, logo, onde não se comportariam exageros dos tipos mesmo que cometi, ainda assim ali as deixarei incólumes, porque me seria impossível redizê-las em parágrafos futuros. O que escapuliu foi espontâneo demais para poder ser repetido. Mas tudo bem... tentarei retomar as amenidades. Para isto, talvez fosse útil falar do cotidiano depois de tua partida. O país modificou-se bastante, já te disse. Mas eu e todos aqueles com quem convivias mudaram muito mais ainda. Fizeste mal em não ter mais dado notícias. Ainda assim, houve uma certa noite que sonhei contigo. Lembro-me perfeitamente de tuas palavras, teus gestos, teu sorriso e teu olhar. Foi algo tão marcante que não posso qualificá-lo de mero fenômeno onírico. Não. Aquilo foi a mais pura realidade. Algo muito distante de um simples sonho. Logo, presumo que também tenhas consciência desta passagem e que aquela tenha sido tua singela maneira de alimentar-me de esperanças. Por isto exatamente jamais desisti de ti. És rara demais para isto. Aqueles que deixastes inocentes cresceram, como não poderia ser diferente. Porém, cresceram mau, cheios de necessidades não supridas, dores irreveladas, humilhações não defendidas, escárnios engolidos a seco, e tantas mais provações. Não fosse meu incondicional amor, à vista de tantos sofrimentos, até acusar-te-ia de omissão, por silentemente haver permitido tamanho degredo de almas, até então tão bondosas. Mas sei de teus sentimentos e por isto perdoo incondicionalmente qualquer falta que tenhas praticado, tanto quanto pretendo que perdoes as minhas, que afinal não foram tão poucas. Independente de culpas, o fato é que tua partida os tornou frios, secos, insensíveis às dores dos próximos, incapazes de ajudar a outrem, senão por razões egoísticas. Tento perdoá-los. Juro. Ao mesmo tempo que diuturnamente luto bravamente para não me tornar igual a eles. Às vezes sinto que estou ganhando a batalha, sempre árdua, e concebo a possibilidade de a vontade suplantar o trauma; a vibração se sobrepor à fria realidade. Mas nem sempre é assim. O fato é que tua partida deixou feridas nada fáceis de cicatrizar. Pois que esta epístola nos sirva a todos de bálsamo, é o que desejo.
                            Me repreenderás novamente, sei, porque teimo em fugir das amenidades. É irresistível para mim não agir assim. Perdoe, mas mesmo tendo cuidadosamente traçado os caminhos da aproximação, alimentando os indispensáveis cuidados para não cair no sentimentalismo barato, nem muito menos pretendendo te levantar qualquer libelo, coisa que somente nos afastaria, teimo em adentrar de vez nas razões verdadeiras destas linhas. Não te magoes se assim faço. Como disse, é algo irresistível. Quantos bites de informações já não emprenhei neste documento digital, que por simples tradição ainda chamamos de carta, sem que tenha enfocado a essência desta correspondência? Então, penso, seja melhor abandonar o plano original e ir direto ao assunto. Espero que consintas. Falando em bites de informações, percebo que estas maquininhas engraçadas, cada vez menores e mais potentes simplesmente não existiam no tempo em que partiste. Se esta carta fosse escrita nas pretéritas condições, o seria a mão ou à máquina de datilografia. Se assim fosse, já haveria de ter rasgado bastante folhas de papel nesta difícil empreitada de abrir meu coração a quem hoje me é uma estranha. Naqueles idos até houve uma ocasião em que escrevi tal carta. Jamais a enviei a ti, como afinal de contas não sei bem se enviarei a presente. Antes de por timidez, porque temo severamente qual seria tua reação. Ponho-me a imaginar a ti, hoje já uma senhora, de ar grave, abrindo a epístola, pondo os óculos de leitura, lendo com ar grave o conteúdo da mesma. Neste ponto, tenho dúvidas sobre como colocar em funcionamento minha imaginação, se pondo-te a chorar, a sorrir ou a meditar serenamente. Se a opção for pelo choro, se esse choro seria compulsivo ou cândido. Opto pela candura, porque é a lembrança mais certa que tenho de ti: a da candura nas ações, mas sobretudo no olhar. Enxergo assim na tela mental da imaginação teus olhos voltados para o vazio, refletindo serenamente sobre tudo o que aqui te digo. Serena, como é essa lembrança que o tempo não apagou de ti. O resultado de tuas reflexões, prefiro não imaginar, deixando-os a teu prudente juízo. Rogo, contudo, que peses o sofrimento, a angústia e o tamanho do desespero que me legaste com tua partida, e logo sejas parcimoniosa, mas não injusta, ao sentenciar estes meus pobres e desgastados sentimentos, ainda plenamente humanos, contudo. A meu favor, revelo que mutei a dor da despedida em coragem para lutar contra esta desterrante vida de agruras e martírios. Com tal bravura venci muitas batalhas. Em teu honor, quis ser grande e em tua memória travei duelos quase suicidas. Antes de por qualquer outro motivo que te possam apontar, confesso aqui sem temor algum que o mote de tão desdenhosas ações foi a esperança de que algum dia regressastes e pessoalmente testemunhasses a vitória que teria sido capaz de construir a partir da ausência e da saudade. Queria que tivesses orgulho da minha capacidade, mas também provar que a grandeza se constrói da dor. Foi a ti, confesso, a quem dediquei todas as minhas vitórias. Das pequenas e irrisórias às grandiosas e inimagináveis. Sempre foram para teu pessoal deleite que lutei. Sem este mote, é certo que não haveria sequer lutado.
                            Mas houve também o desterro. Se muitas dificuldades foram vencidas, outras tantos, no entanto, não. E as derrotas foram ainda mais amargas pela tua ausência. A verdade é que se te fiz presente nos momentos felizes, te acusei a triste ausência nos amargores da existência. Se te cantei no sorriso, te chorei na dor. Se de ti lembrei na alegria, de ti não consegui me esquecer no sofrimento. Tal qual naquela tarde do cinema, em todas as vezes que enfrentei a solidão e o padecimento (e percebas que não foram poucas) foi em tua ausência real, que a todo custo quis transmutar em uma presença imaginária, que me apeguei como a única tábua de salvação da esperança. Agora mesmo, convalescente como estou, sozinho como os teus me deixaram, é ainda em ti que me apego não somente como companhia, mas sobretudo enquanto motivo para desejar viver. Porque se não sou grande ainda; se não fui capaz de te legar a homenagem da minha vitória, logo é porque preciso continuar vivendo até o dia em que a tua inspiração seja capaz de me legar esta suprema superação, pois que será a ti a quem dedicarei o opúsculo de minha pobre existência. No epitáfio de meu túmulo pretendo mandar gravar algo mais ou menos assim: Foi por um instante somente. Fugaz e descuidado. Mas foi porque, quando nasci, o bebê que eu era não poderia compreender que seria a primeira e talvez última vez que poderia mirar aqueles olhos verdes de cândido encanto, já mortos, mais ainda assim transbordantes de amor, com o qual se alimentou pelo resto da sua existência. Pois que é a ti, mãe, a quem dedico o pobre livro de minha vida.

                          Não sei bem a que endereço enviar-te esta carta. Onde te encontras, se existe, desconheço a direção. Pois então, na esperança de te encontrar, envio, como faziam os antigos marujos, a epístola guarnecida em uma garrafa que será lançada ao mar. Também postarei na internet e, quem sabe até, faça publicar em algum livro estas palavras de amor, saudades, mas também de esperança.