Páginas

segunda-feira, 28 de outubro de 2013

A GAIOLA DAS HIENAS



                  A notícia do ano já explodiu nos quatro cantos da cidade: há corrupção na Câmara de Vereadores de Crato; cobra-se, por cabeça uma quantia já divulgada pelo voto do edil contra o ex-governante; o Presidente da Casa nada sabe a respeito; muito menos o atual mandante do executivo local. Há realmente algo de novo entre o céu e a terra? Pois a ladainha é a mesma que aconteceu em Brasília no ano de 2005, quando o Presidente da República, tez afrontada, cara de bom moço veio em cadeia nacional dizer a exata e mesma coisa: eu? Nada sei sobre a roubalheira que fazem em meu santo nome, sob os honestos fios de minha barba grisalha. E os cratenses, como os bons brasileiros haverão de reeleger os mesmos desalmados para novo mandato, como fizeram com o próprio Presidente de então e até com mensaleiros, afinal cabe a pergunta: onde estão José Genoíno e João Paulo Cunha, senão no pleno exercício de mandatos eletivos?
                   A história infelizmente nos convence de que o mensalão do Crato tem um fim certo, que é a manutenção no poder dos seus mentores. Com Samuel Araripe fora do páreo, quem terá envergadura política e financeira para fazer frente ao atual grupo de poder no Crato nas próximas eleições? Se não foram os mentores do ardil, é porque são ingênuos, honestos e éticos acima de todos os mesquinhos valores que alimentam a política aqui e alhures. Acreditemos, pois, na boa fé de nossos políticos, afinal de contas foram eleitos pela flâmula dos seus discursos, sem a menor que seja utilização do criminoso abuso de poder econômico, político e de mídia. Não gastaram mais dinheiro que seus adversários; não compraram votos; não se utilizaram de propaganda mais elaborada que seus pobres opositores... como então não acreditar na pura verdade que apresentam por detrás de seus olhos brilhantes de cândida honestidade, claramente melhorados pela maquiagem midiática de que se utilizam?
                   Como não acreditar que um vereador com quase trinta anos de repetidos mandatos, que até trinta e um de dezembro era o melhor amigo do ex-gestor, que por razões inexplicáveis (claro que não foi por empregos na Prefeitura!) tornou-se agora o melhor amigo do atual gestor? Como não acreditar que na reunião que aconteceu às vésperas da votação das contas do ex-Prefeito, na residência do atual, ninguém sequer tocou no assunto da próxima reunião da Casa dos Edis; que o atual Prefeito é pessoa desprendida dos doces sabores palacianos, a ponto de não preocupar-se com o principal opositor, pelo menos, nas duas próximas eleições? Claro que não trataram do assunto, pois pensar o contrário é fruto da mais absurda maldade da oposição! Claro que o Prefeito é neutro (sempre e eternamente, como cabe aos chefes do poder executivo, compreensivo que são na superior doutrina de Montesqueiu, quem ensinou da independência e harmonia suprema entre os poderes do Estado, e avesso supremo a tudo o que ensinou Maquiavel, em seus impertinentes conselhos ao Príncipe). Óbvio que o Presidente da Câmara não saiu por derradeiro da casa do Prefeito porque planejava os meandros dos engenhos regimentais às minúcias, avocando os fundamentos jurídicos necessários para indeferir pedido formulado pelo acusado de adiamento da sessão em homenagem ao sagrado e Constitucional direito do contraditório e da ampla defesa (claro que foi coincidência que o tal pedido de adiamento efetivamente tenha ocorrido, pois é maldade pensar que cidadão tão alvo e puro de propósitos pudesse sequer imaginar ação tão ardilosa). Esqueçamos de que o edil em questão é advogado, pois como ele mesmo afirmou, é cônscio dos deveres inerentes à sua atuação parlamentar que irá tomar a efeito todas as ações como Chefe do Poder Legislativo local. É a inveja de seus adversários que faz imaginar maldosamente que ele leve em conta o fato de ser o maior aliado do atual Prefeito, defensor maior na Câmara de seus interesses; que jamais tenha recebido ou trocado favores políticos com o mesmo, posto que em verdade se recusa veementemente a receber as benécies inerentes ao cargo conquistado com mais de três mil votos conscientes do superior eleitorado cratense. Que estas coisas aconteçam em Brasília, talvez; no Cratinho de Açúcar jamais!
                   Como duvidar do conteúdo da denúncia formulado contra o ex-Prefeito? É inconteste a ausência de atenção dos técnicos do Tribunal de Contas (que tamanha ingenuidade a deles, terem sugerido a aprovação das contas!), que distraidamente avaliaram com descuido os terríveis fatos afirmados anteriormente junto à Corte de Contas. É muito trabalho para eles! Pois graças ao bom Deus temos valiosos Vereadores, que sem cobrar qualquer quantia ao Prefeito, conscientemente vislumbraram as irregularidades praticadas pelo antigo gestor, confirmaram a gravidade de seu conteúdo, e com absoluta isenção cassaram-lhe os direitos políticos por longos oito anos. É mera coincidência (não maldemos, senhores leitores, pois a maldade é ardil do coisa ruim!) que os vereadores com superior consciência foram os da bancada governista e os energúmenos que não conseguiram enxergar a clara verdade por detrás das denúncias foram os da oposição. É outra ardilosa artimanha da oposição dizer que o conteúdo destas denúncias não foram sequer divulgados; as provas de suas ocorrências jamais chegaram ao conhecimento do público e que o ex-Prefeito não pôde defender-se de maneira apropriada. Causa repugnância pensar que no Crato existam pessoas desta extirpe, desta que duvida da serena e superior consciência de nossos Vereadores, cientes que são de todas as coisas; postos, como ao próprio Deus, acima do bem e do mal!
                   Pior é pensar que o Prefeito Municipal, empresário sério, cidadão honesto, seria capaz de desapegar-se de valiosa quantia para fazer parte em artimanha de tão ignóbil grandeza. Muito menos que estes valores nem precisariam sair de seu atento bolso mercantil, mas de fraudes em processos de licitação (não se pode imaginar que existam fraudes em licitações em Crato, pois todos os certames são fruto da mais isenta e justa escolha, consequência natural da aplicação dos sapientes princípios que norteiam as licitações país afora. Ora, como no Brasil não há fraudes em licitação, é induvidoso que por aqui estas inexistam!). Pelo amor aos santos, que não passe pela cabeça doentia do leitor que o Prefeito seja capaz de trocar funções temporárias e cargos em comissão por apoio político dos vereadores (nunca, nem em campanha prometeu qualquer emprego em troca de votos!); que tenha autorizado contratos fora dos estritos padrões legais, pois tal não há nem nunca houve no Crato de Frei Carlos Maria de Ferrara, seu incorruptível fundador! Muito menos que as elites locais tenham algo que ver com o processo de degredo desta nossa cidade, tão corrompida quanto o sítio histórico já demolido diante do torpe silêncio de nossas autoridades.
                   Louco, sim, é este pobre cronista, que ousa lançar pensamentos tão vis sobre questões tão sérias; esquecendo da sua pequenez diante do poder local, do sentido de vingança que alimenta as nossas elites; de tantos, como José Marrocos, que aqui foram torturados moralmente porque ousaram afirmar em desfavor dos de sangue nobre, detentores supremos das verdades, do poder e das tradições locais; eles mesmos que pela sua soberba, ao mesmo tempo em que vilipendiaram a honra dos verdadeiros heróis cratenses, hoje totalmente esquecidos da nossa população, os soterraram com os escombros produzidos pelas suas seguidas e irresponsáveis ações, no final matando a todos, eles próprios e a orgulhosa Vila Real do Crato. Pois que me perdoe esta gloriosa elite por estas palavras de fraqueza; pelo título impertinente; pelos questionamentos inapropriados. Pois o certo é que estas coisas até podem acontecer em Brasília. No Crato, da heroína Bárbara, do honesto Felício e do valente Tristão, não!
                   A gaiola das hienas, daquelas feras terríveis que parecem rir ao atacar e devorar suas vítimas não fica na Câmara Municipal de Crato, mas talvez na fictícia cidade de Matozinho, lugar comum a todos os interiores do nordeste.

Jorge Emicles Pinheiro Paes Barreto.

segunda-feira, 7 de outubro de 2013

BRASIL, NUNCA MAIS?


                   Uma das notícias que marcou a semana foi a de que foram presos policiais militares acusados de envolvimento na prisão arbitrária, tortura e morte do ajudante de pedreiro Amarildo. Segundo se relata na imprensa nacional, o caso se deu por ordem do então comandante da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) da Rocinha, local onde residia o ajudante de pedreiro. Também conforme o relato noticioso, o móvel da ação seria a estratégia de investigação utilizada pelos policiais de torturarem pessoas da comunidade que tivesse algum tipo de ligação com o tráfico de drogas, objetivando obter informações privilegiadas que levassem aos grandes criminosos cariocas. É dizer, trata-se na espécie de fragoroso caso de tortura e morte de um inocente visando a apuração de fatos criminosos, fazendo inevitável a pergunta: quem são os piores bandidos, os traficantes ou os militares?
                   Nos anos setenta da década passada, vieram a tona uma série de publicações, levadas a efeito em plena ditadura militar, capitaneadas pelo livro “Brasil: Nuca Mais”, editado sob os auspícios da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB, através das quais se denunciavam escabrosos casos de tortura outra vez patrocinada pelos militares brasileiros, que ganhando relevante espaço na mídia internacional, serviu para alavancar importantes pressões externas, as quais findaram com a queda progressiva da ditadura militar brasileira, cujo marco final é a eleição indireta de Tancredo Neves para a presidência. Daí em diante, passou-se a falsa notícia de que a tortura havia acabado no Brasil, fato claramente desmentido pelo caso Amarildo.
                   A experiência da advocacia e mesmo pesquisas e até a vivência empírica nos revela a verdade que não deve ficar calada por trás deste caso: a tortura sempre existiu no Brasil, mesmo após a queda da ditadura miliar. A diferença é que naqueles idos torturavam-se também pessoas da classe média, o que serviu de motivo para a preocupação da CNBB e outras instituições (como é o caso da OAB), que capitanearam a tarefa de denunciar os abusos. Agora, encerrado o período de exceção, mesmo estando em vigor uma Constituição Federal que afirma a tortura como crime hediondo e insuscetível de anistia, graça ou indulto, ainda existe este abuso na realidade policial. A tortura persiste sendo uma regular técnica de investigação, tal qual faziam na Idade Média. A diferença é que atualmente somente os pobres e favelados são vítimas de suas práticas, por isto o incômodo silêncio dos bispos e advogados. O que não é verdade é que a tortura tenha algum dia deixado de ser praticada neste país.

                   O caso do ajudante de pedreiro Amarildo, ao contrário do que possam fazer dizer na mídia, não é um caso isolado e atípico, mas uma prática da polícia carioca e de outros estados, do Ceará inclusive. Seus responsáveis também não são apenas os policiais que foram ou vierem a ser presos, mas o próprio Estado, o qual mesmo que pela omissão, tolera quando não incentiva tais práticas investigativas, pois o que de fato lhes importa é as estatísticas que apresentarão ao eleitor nas próximas eleições, não o número de cadáveres que estejam soterrados sob elas. As torturas que se praticam hoje são tão criminosas e desumanas quanto as do tempo da ditadura militar, com a única diferença de que suas vítimas hoje não possuem suficiente importância social para terem seus casos denunciados pela mídia.
Jorge Emicles Pinheiro Paes Barreto