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sábado, 10 de dezembro de 2016


CARTA DE UM BRASILEIRO

                   Desde quando o ufanismo nos habita? A partir de que instante, teríamos sido invadidos pelo sentimento de superioridade a propósito de todas as demais nações, nos fazendo crer servos de um povo altivo, soberano e independente? Será que a partir do ventre de nossas mães carnais já não seríamos embebidos do discurso patético do amor à pátria, do sentimento de unidade enquanto povo e de sacrifício em nome do Estado? Pelo menos, de tenra idade já nos ensina o hino nacional que “um filho teu não foge à luta/ nem teme, quem te adora, a própria morte”. E em nome desse profano sentimento nacionalista tantos dos nossos irmãos brasileiros já praticaram asneiras ignóbeis, heroísmos patéticos e barbáries cruéis... e tantos outros já encontraram a prematura morte nas inúteis lutas pelo poder. Mas assim também se passa com todos os povos, de todas as nações, de todos os rincões do planeta, que desde imemorável tempo inutilizam suas vidas e sacrificam suas mortes na defesa desse etéreo ser sem face, cheiro ou cores que nos acostumamos a chamar por Estado.
                   Jamais se contabilizaram os índios assassinados pelos colonizadores, nem os escravos torturados até a morte e nem os operários vítimas da violência dos insalubres locais de labor, nem muito menos os trabalhadores acometidos da mortandade bélica das centenas de favelas país afora. Quando não foi o Estado que praticou essas mortes, as autorizou ou pelo menos se insensibilizou por sua cúmplice omissão. Os sobreviventes desse genocídio quase perpétuo e tolerado, quando não perpetrado pela “idolatrada” pátria brasileira, ainda são coagidos a declarar-lhe incondicional amor. Se não são cooptados pelos símbolos nacionais e líderes políticos, fraquejam diante do hino cantado na abertura das partidas da copa do mundo, afinal, a mídia ensina que cada qual de nós é “brasileiro, com muito orgulho e muito amor”!
                   Mas, e quantos de nós já parou para refletir a sério a respeito de quem de fato seria esse poderoso Estado? Ou de que propriamente se trata esse monstro? Os juristas repetem a incansável versão de que tudo é fruto de um grande e harmonioso acordo, por onde uns se permitiram ser dominados por outros em busca da paz e liberdade geral, acordo esse chamado de contrato social. Os dominantes são representantes do povo, pois este voluntariamente se fez representar pela minoritária elite econômica e política, que governa em nome da felicidade geral de todos.
                   Para os historiadores e sociólogos mais sagazes, contudo, há algo torpe e ideologizante em toda essa malbaratada história. Por isso a verdade é que tudo é fruto de incessantes guerras, onde a elite dominante é composta pelos sucessores dos vencedores originais e todos os demais são os perdedores da carnificina gênese social. Não existiu o ingênuo homem primitivo do contrato social, que estabeleceu uma unanimidade original, mas o bárbaro, que através da guerra, dominou, estuprou e saqueou os dominados, o que continua a fazer por intermédio dos tentáculos invisíveis do Estado. O Estado é o pacificador dessa guerra originária, que substitui as armas pela política, que igualmente serve para manter a mesma equação de forças original: a elite mandando, o povo sendo dominado. Tudo através das sutis artimanhas do direito.
                   A pessoa etérea, chamada de Estado, que somos ensinados a amar, respeitar e doar nossas próprias vidas em seu favor, é na verdade uma complexa teia de relações interpessoais, por meio da qual se mantém e reproduz o modelo de dominação da minoria pela maioria. Essa teia de relações é bem mais poderosa, por sinal, que o puro domínio das armas, pois acima de tudo compreende as facetas da ideologia, mecanismo capaz de convencer que é natural a exploração e necessário o sacrifício da maioria; coisas que a força jamais seria capaz, convenha-se. Não se pode negar a genialidade oriunda da vida social humana. A propósito, há estudos complexos na seara da história e da sociologia, que desmistifica em detalhes essa evidência, como é o exemplo da referencial obra de Norbert Elias, sequenciada por dezenas de outros geniais pensadores.
                   Apesar de chocante, compreender o Estado como um elemento de dominação ajuda a entender a intricada realidade nacional. Não se trata, esclareçamos, propriamente de um domínio de certas pessoas, mas o fruto necessário da intricada rede de inter-relações existente entre todos os habitantes da sociedade (no mundo globalizado, poderíamos dizer, de todo o planeta, quase). As relações de poder, a legitimidade da representação, a ideia de democracia e a necessidade de instituições que personalizem o Estado são tudo isso fruto dessa teia.
                   O fato é que, por esse prisma se consegue enfim apreender que o Congresso Nacional, o Presidente da República e seu staff, e mesmo os juízes da Suprema Corte nacional não são, nem poderão ser, nem se pretenderam de fato a ser jamais os representantes da populaça, humilhada e derrotada pelo poder que detém desde as mais remotas origens da história. Representam para a nação posições que de fato não defendem e ao cabo somente pretendem manter os privilégios que desde sempre foram titulares.
                   É preciso moralizar o país, mas não à custa do fim dos supersalários do judiciário, e jamais proibindo as relações incestuosas existentes entre políticos e empresários (as teias de relações entre a elite política e econômica). É preciso dar combate à crise econômica não, contudo, cortando privilégios dessas minorias, mas reformando o sistema de previdência social e proibindo o aumento de investimentos naquilo que é tão necessário ao desenvolvimento dos mais pobres, como a saúde e a educação. É imprescindível enfrentar a violência urbana crescente, mas não dando emprego, educação e dignidade às favelas, mas aumentando o rigor da lei penal, ampliando a superlotação dos presídios e isolando os bolsões de violência dos pitorescos bairros de elite nas grandes cidades do país.
                   Todas essas coisas (no sentido técnico, políticas públicas aplicadas à nossa realidade nacional) bem mais que a maldade da elite, que se vale desses pretextos para reforçar os laços históricos de dominação, são atos do próprio Estado, que claramente aduz suas preferências a respeito de quem deverá ser sacrificado nos momentos de crise. E a isso todos devemos aceder docilmente, afinal é desde de bem jovens que somos repetidamente ensinados sobre a importância da soberania, a inquestionabilidade a respeito da santidade do Estado e a necessidade do sacrifício individual em defesa do interesse de todos.
                   Bibliotecas inteiras já foram escritas com esses ensinamentos. Amemos, então, sem qualquer pudor, a nossa pátria “mãe gentil”.


Jorge Emicles

quarta-feira, 2 de novembro de 2016

SOBRE A LUCIDEZ



                   José Saramago, do alto de sua perspicaz genialidade, entre sua extensa produção literária escreveu um romance chamado Ensaio sobre a Lucidez. Em poucas linhas, trata do caso de um país fictício onde os eleitores acorrem às urnas em cumprimento a seu dever cívico, porém conscientes do verdadeiro processo eleitoral (bem mais sórdido que o revelado na estética propaganda eleitoral ou nos candentes discursos dos palanques) resolve maciçamente votar em branco. A história conta o caos que se instalou nesse país pela quebra total do sistema de democracia representativa, a pedra de toque de toda estrutura ideológica do ocidente pós-segunda grande guerra. Ainda mais que a falácia do nosso sistema político, o escritor revela a maldade da elite política, senhora das rédeas do Estado e seu descompromisso com os reais interesses da população.
                   Vendo o resultado das eleições municipais de outubro de 2016 no Brasil, foi inevitável não retomar a memória das lições, e sobretudo, dos questionamentos que o escritor português trouxe à tona com seu romance. Num país onde é condição inevitável para a eleição a qualquer cargo o exercício do abuso do poder (seja o econômico, o político ou mesmo de outras espécies), não se pode alimentar a esperança de que a saída para as crises econômica, política, cultural e, quiçá, até mesmo de identidade, venha através da realização de eleições. A corrupção no Brasil tem início na própria estruturação partidária e se entranha nas nuances mais profunda do seu Estado, de maneira que nem a substituição total de todos os ocupantes de cargos eletivos será suficiente para dar combate a suas mazelas já conhecidas publicamente.
                   A mudança precisa ser mais profunda. Do próprio modelo de Estado. É preciso conceber um Estado menos hipócrita, que para muito além de simplesmente afirmar um inteligente e racional conjunto de valores e direitos, efetivamente os pratique e efetive. Mas, antes disso, é imprescindível que a sociedade se modifique profundamente, fazendo-se responsável pela afirmação, difusão e prática desses valores que sejam verdadeiramente construtivos, que ao final requalifiquem o conceito de dignidade humana. Tal propósito ainda não será possível, porém, se antes disso não se modificarem as famílias, fortalecendo reciprocamente os laços de amor, ternura e compreensão, criando o ambiente necessário ao desenvolvimento, desde a família, mas também na própria sociedade, de todas as potencialidades do homem. Mais que tudo isso, entretanto, é necessário que cada ser humano, a partir de sua própria consciência, seja capaz de compreender que a família, a sociedade e o próprio Estado são potências coletivas de sua própria individualidade e que, portanto, é exclusivamente a partir dele mesmo, a começar pelo seu pensamento, que todas as coisas se modificam e melhoram.
                   Não há soluções mágicas e cômodas. Não existem salvadores da pátrio. Existe a consciência da realidade; a lucidez, responsabilidade e o compromisso que encadeiam o fazer humano desde o pensamento até o resultado, necessariamente perpassando pelo incansável trabalho do tornar real o novo.
                   Ver que em vários rincões do país, a exemplo do que aconteceu no Rio de Janeiro, que a quantidade de não-votos (é dizer, as abstenções de eleitores às urnas, acrescida dos votos nulos e brancos) foi superior ao número de sufrágios do candidato eleito, de alguma forma paradoxal nos alimenta a esperança de que será possível sim, em algum dia de um futuro promissor, mas talvez ainda distante, se implementar a verdadeira mudança de que não apenas o Brasil, mas toda a humanidade estão a necessitar urgentemente.

Jorge Emicles

quarta-feira, 5 de outubro de 2016


E QUEM É O FISCAL DO FISCAL?

                   A atriz Mônica Iozzi foi recentemente condenada pela justiça a indenizar um juiz da suprema corte brasileira por questionar a lisura de uma decisão de sua lavra que concedeu habeas corpus a um estuprador condenado pela justiça em várias instâncias. Em outro caso também famoso, uma agente de trânsito igualmente foi judicialmente apenada por haver lavrado auto de infração contra um juiz de direito. No Paraná, não faz muito tempo, dezenas de magistrados processaram um veículo de imprensa por haver publicado o indecente valor da remuneração dos juízes estaduais. Além desses casos famosos pela repercussão que obtiveram na imprensa há centenas de outros menos notórios, nos quais não somente juízes, como autoridades de outros poderes, se valem do Judiciário como instrumento de pressão e punição pela divulgação de informações ou emissão de opiniões desfavoráveis, a pretexto de controlar os excessos dos meios de comunicação e resguardar a honra e intimidade contra ações supostamente descabidas da imprensa em geral.
                   Para além do abuso patente de certos casos, o que vem à tona é o perigoso volume de poder concedido aos juízes de direito. Porquanto o Brasil seja uma nação declaradamente democrática, os valores e práticas da democracia passam bem ao largo da praxis e dos valores realizados pelo Poder Judiciário, a começar pela fórmula de escolha dos seus juízes. Afinal, é simplesmente arbitrária a possibilidade de escolha de todos os juízes dos nossos tribunais de segunda instância ou instância especial pelo Presidente da República e Governadores de Estado. Independente do grau de compromissos espúrios que tenham ou não de assumir os magistrados para serem escolhidos pelos poderosos de plantão, a fórmula em si mesma de sua ascensão às cortes já é refratária das liberdades expressadas na declaração de direitos humanos. A fórmula de escolha em si mesma é um ato de improbidade, pois na melhor das ponderações, estamos diante de algo imoral.
                   A democracia muito menos é praticada nas instâncias inferiores da justiça, seja no comportamento arrogante, aristocrático e tantas vezes indiferente dos juízes; seja nas próprias vestimentas do foro, que fazem transparecer o simbolismo desse poder oligárquico e descompromissado com os valores da liberdade, igualdade e fraternidade, tão necessários à sociedade contemporânea; seja na burocracia e lerdeza de seus procedimentos jurisdicionais, que somente afastam o conteúdo de suas decisões da verdade e da justiça; mas também pela sínica convicção de serem indivíduos superiores em saberes e direitos em relação aos cidadãos comuns; o fato é que por detrás de cada uma destas práticas rotineiras se verifica o escárnio e assassínio da democracia e das liberdades em geral.
                   A sociedade brasileira não pode passar a limpo seus poderes nem a si própria sem também investigar a fundo os abusos praticados pelo Poder Judiciário, oxigenando as próximas gerações de juízes com pessoas empenhadas na efetivação dos valores democráticos e no dever de prestação de contas igualmente por suas autoridades. O judiciário também deverá estar sujeito a controle externo, por órgão que não possua juízes em sua composição e que tenha a necessária independência para controlar, expurgar e punir ações de vindicta de magistrados contra denúncias, críticas ou simples questionamentos levantados seja pela imprensa, seja mesmo pelo cidadão comum, supostamente detentor da soberania exercida pelos juízes de direito.
                   Afinal, pelo menos em teoria, Rousseau já dizia que o poder (dos juízes, até) emana do povo. Será mesmo?

Jorge Emicles

segunda-feira, 3 de outubro de 2016

LIÇÕES DO PODER
(do livro Conversas com a Morte)



                   De todos os lugares que conhecemos, sem dúvida sempre teremos um especial, que é o nosso lugar. Para o meu sempre retornei e nele pude viver ao longo do ciclo de que relato outras experiências fabulosas, ciclo este iniciado com o incongruente encontro que por tão marcante deve ser lembrado periodicamente, acima de tudo para que o próprio narrador desta história fantástica (que no caso seria eu mesmo) não se olvide da sua relevância para o enredo, posto que é o mote central de tudo sobre o que se diz. Dentre tantas experiências, que por certo merecerão serem relatadas também, das mais fascinantes sem dúvidas foi a que tive com o poder. Não reporto ao poder verdadeiro, daquele que poderia ser escrito com pê em maiúsculo, o poder de efetivamente transformar as coisas ou, principalmente, criá-las, uma vez que deste somente o Criador possui, e dele reservou-se não transmiti-lo a estas pobres e mesquinhas criaturas que somos nós, da raça humana. Este Poder verdadeiro o possuía em migalhas quando era mais detido nas coisas do misticismo, consequentemente afastado dos assuntos mundanos. Não que fosse um patrimônio meu, mas uma qualidade própria a todos os seres humanos. O que em verdade houvera feito em ciclos anteriores fora me dedicar ao estudo das energias ocultas e inatas a todos os seres humanos, e é surpreendente os resultados a que se pode alcançar com elas; as qualidades que se poderá adquirir pela experimentação de certas técnicas; todas muito simples mas ao mesmo tempo inegavelmente eficazes. E pensar que tudo isso é mera fagulha do verdadeiro Poder Criador de todas as coisas que existem. Ainda assim, algo fantástico e impensável à maioria das pessoas.
                   Reitero, porém, que não é deste poder (único verdadeiro) que falo. É do poder mundano a que me refiro. Do poder dos tolos; da mais vergonhosa ilusão vivida pelo ser humano, que, porém, é vivenciado com intensidade tão extrema que se nos parece real. Dizem os expertos que tudo começou com a propriedade; que foi o sentimento bestial de se sentir dono de alguma coisa o que alimentou pela primitiva vez o desejo de tudo possuir e a todos mandar. Aí teríamos a origem de todas as guerras e de todas as desgraças vividas pela humanidade desde tempos imemoriáveis. Mas também aí teríamos o começo de todo o nosso progresso. Não fossem tantas guerras, tamanhas mau querências entre as pessoas e os povos; não tivesse havido tantas mortes vorazes durante a longa história de nossa existência enquanto raça e não existiria a internet, com seus recursos de conversações e sites pornográficos que tão bem alimenta as hordas de solitários que somos; não tivessem havido tantas catástrofes; tantas pragas não tivessem dizimado por dezenas de vezes populações inteiras e não teríamos o avanço científico que experimentamos hoje; não fossem os seres humanos tão mesquinhos, ensimesmados dentro de suas próprias solidões e quiçá não haveria poesia no mundo; enfim, não tivéssemos, nós ínfimos humanos, sido tão destrutivos quanto já provamos de que somos capazes e o mundo seria bem diferente do que é hoje, por certo sem tantos atrativos, talvez despido daquilo que reputamos as coisas mais belas. A questão é: por acaso não seria melhor este mundo alternativo? Jamais saberemos, eis a resposta.
                   O certo é que daquele erro primordial, que tantos preferem referir-se como um pecaminoso ato inaugural da condição humana, é de onde surgem todos os problemas de que nos mazelamos modernamente. E no centro deste pecado está a sede de domínio, o desejo insaciável de ser mais forte, melhor e manipulador que os seus iguais. É quase certo que tal anseio tenha nascido com o próprio homem, proveniente de sua natureza mais profunda. Assim como os felinos matam pelo instinto, os homens flagelam seus semelhantes em busca da dominação; dominação que com o correr natural da evolução vai se aperfeiçoando a tal ponto que não vale mais somente a dominação física do ir e vir, mas a dominação das vontades. O verdadeiro domínio hoje se processa sobre os desejos, não mais sobre as ações (é a isto, afinal de contas, em que se aperfeiçoam a minúcias os geniais propagandistas, chamados por marqueteiros, mas que talvez melhor se qualificassem como envenenadores mentais). Mesmo tão ínfimo diante do verdadeiro Poder do Criador, este que exercita o homem ainda assim é capaz de terríveis destruições. Povos e lugares já se aniquilaram às dezenas ante os mesquinhos interesses do poder; mas sobretudo, milhares, talvez milhões de sonhos tenham já sido destroçados em seu nome. Este poder é algo que em verdade nada pode, mas que na mesma medida tudo quer e tudo destrói. Como nada galga de verdadeiro, senão ilusoriamente se apresentar como vitória, é terrivelmente transitório.
                   Sua passagem deixa muito mais dores que alentos e até mesmo os pacifistas se quedam feridos quando ingenuamente decidem participar de suas loucas ações. Aristóteles, genial sábio da Grécia é tido como o fundador da política, enaltecendo sua busca maior que seria o bem comum. Não sabemos ao certo a quem pretendia enganar o sábio, se a si próprio ou a todo seu povo, posto que em verdade é o bem comum dos seus próximos (leia-se, aliados) que todo e qualquer governante almeja. Na pandemônica estrutura do poder não existe lugar para os nobres sentimentos de que devem se alimentar os sábios, como são o amor incondicional à raça humana, o sacrifício pessoal em benefício da coletividade e o irrestrito respeito aos direitos fundamentais de todo e qualquer ser humano (que seriam tão fundamentais quanto simplórios, porque se fala aqui de direitos elementares, como é o caso de permanecer vivo, ter sua dignidade humana respeitada enquanto tal somente, sem precisar adentrar-se àqueloutros ditos por mais complexos, como seriam os direitos sociais e as diversas nuances da liberdade). Todos estes respeitos, no entanto, são minimizados quando postos em conflitos com a política.
                   No sentido macro, das nações, não há respeito possível à vida do inimigo, posto que claramente a mais valiosa das vidas é a do aliado, a quem se liga neste nível de interações por laços supremos de nacionalidade ou outra liga ideológica qualquer; liberdades são possível apenas aos vencedores dos conflitos, por isto os mais fortes e, pior ainda, detentores da versão preponderante da história. No sentido micro, dos diversos níveis de organização social, as nuances de dominação se modificam, preservando, no entanto, a mesma essência objetiva e perversa. As classes mais fracas são dominadas e exploradas; quando existe conveniência econômica chegam à escravidão. Mesmo entre as elites se formam grupos antagônicos os quais diuturnamente se digladiam em busca daquilo que chega a ser mais valioso que o ouro: o tenebroso poder.
                   E assim, num suceder frenético de fatos, ações e traições os diversos personagens da história vão se alternando no poder, cada qual paulatinamente alicerçando forças, vencendo e destronando o inimigo por meio dos mais indevassáveis ardis, assumindo o seu lugar, para após ser traído e rebaixado ao esquecimento dos depostos, para novamente ver desgastado o poder de seu sucessor e assim incessantemente, geração após geração, por meio do que se chega ao propagado progresso das nações. Se apregoa a democracia como o mais perfeito dos sistemas, quando no entanto a sujeira das artimanhas políticas está tão presente quanto em qualquer outra forma de organização. Quiçá Platão, mestre de Aristóteles, não tivesse razão ao observar que o defeito da democracia estaria em sua irresistível atração à tirania? E vigoraria a tirania numa democracia forjada a partir da ignorância do cidadão, célula mater de todo o sistema, quem acabaria sucumbindo aos nuances da propaganda e falaciosos discursos ideológicos? O atento leitor que me responda, afinal não quero traduzir qualquer lição de política senão meramente relatar uma tal insólita conversa que tive com a morte. De minha parte, contudo, posso dizer da experiência que tive com este tal poder humano, sentindo seu gosto, aspirando seu cheiro, quase me iludindo diante da pretensa potencialidade para mudar o mundo. Principalmente aos puros de coração é que o poder se apresenta mais perigoso, porque tal pureza funciona como uma espécie de véu a encobrir de cores e felicitações a triste realidade que o cerca.
                   A primeira grande dificuldade que se vivencia ao alçar-se ao poder é de descobrir quem seriam seus verdadeiros amigos e quem meros bajuladores e interesseiros. As pessoas acorrem até você, com bajulações, mimos e propondo tantas comodidades e vantagens, que aos tolos parece que são imensamente amados. Não importa a circunstância, sempre haverá alguém a sacrificar supostamente algum interesse em prol do bem-estar do mandatário do momento. No staff que cercaneia o poder, todos são tratados com tal deferência que em verdade muito poucos não se considerariam verdadeiramente amados. Não é preciso dizer, mas digo para enfatizar a situação: é tudo a mais deslavada mentira, o mais podre fingimento. Ainda assim, a comodidade da situação é de tal monta que é extremamente difícil não sucumbir à coisa, porque naturalmente todas as pessoas buscam em algum grau, por diferentes formas, algum nível de reconhecimento, facilmente alcançado em tais situações. Nelas, não se têm mais problemas cotidianos onde não exista alguém disposto a solucioná-lo. As mais tolas tarefas possuem dezenas de candidatos a realizá-las. A solidão, problema para tantos, esvanece-se diante do poder, posto que sempre acompanhados encontram-se os poderosos. Diz-se até que flagrar-se sozinho é indício de fraqueza.
                   É mesmo no ror de pessoas que lhe cercam que nascem as maiores ilusões. A mais indelével e perigosa de todas é a perda do senso de realidade. Todos revelam uma verdade bem mais amena do que de fato o é, atenuando as críticas, dizendo-as injustas e fruto da inveja e da cobiça, meros joguetes para desarticular a propalada sabedoria palaciana. Tudo que o governante faz é bom, sábio e apropriado aos interesses do bem comum, mesmo que se relativize ao extremo o sentido possível desse tal bem comum. Todos sempre estarão satisfeitos, até quando a evidência do contrário seja mais que ululante. A quem se encontre fora do palácio, como seria o caso deste nosso incauto, porém ainda amigo leitor, haverá de parecer exagero do narrador. Porém, se em algum momento lhe foi possível testemunhar algo como o que aqui se descreve, averiguará que se trata de uma verdade, tão universal quanto a lei da causa e do efeito, a evolução das espécies e tantas outras evidências para as quais tanto teve de se desgastar a ciência para a elas encontrar.
                   Talvez até seja mais fácil enganar um déspota desprevenido que uma ingênua criança. Ao primeiro, as mentiras pulularão como doces recheios da realidade; a incompreensão das massas a seus superiores engenhos será fruto ou da ignorância do povo ou ignomínia dos inimigos, jamais de seus próprios defeitos; a toda reação negativa a qualquer arranque desmedido de excesso, compreenderá enquanto injustiça, a mais deslavada e indigna injustiça da qual tanto são vítimas os geniais governantes (como afinal todos se nominam); lhes parecerá sempre que existe um celeste complô Divino a assentar-lhes no poder, de maneira que ao déspota o exercício do poder é direito natural, tanto quanto o é a união carnal, a constituição das famílias e a vida do homem em sociedade; na mesma medida, é fruto do sacrilégio qualquer ataque à estabilidade do poder. A isto os déspotas creem com a mais sincera honestidade, com a mesma convicção com que sempre acreditam em Deus, na justiça de suas palavras e ações e no glorioso futuro com que presentearão seus amados súditos. Se há fome, qualquer tipo de miséria ou o mínimo que seja de descontentamento, é tudo fruto da intriga insana da oposição, que ao custo da infelicidade do povo lhe pretende apear do poder.
                   Se é verdade que os poderosos, por princípio, fecundam o meio que governam de vítimas, das mais variadas espécies, levados pelos mais intricados motivos, também é verdadeiro afirmar que a primeira de todas as vítimas que fazem são eles próprios. Principiam, pois, por enganar a si mesmos, a despeito dos motivos que possuem para galgar à influência; das razões para adotar certas e determinadas ações; da imprescindibilidade do uso da força para retaliar específicos fatos; que é altruísmo aquilo que aos olhos de todos se revela ganância; que não se corrompe, mas sim financia ações estratégicas de logística fundamental; que não se pratica o nepotismo, mas a gratidão (que ao final das contas deverá ser lida enquanto sentido superior de nobreza); que chama de amizade o que são espúrios interesses. Tudo isso faz soporado pela mais incontestável convicção, de maneira que até o mais esclarecido dos déspotas; até aquele plenamente cônscio dos movimentos das forças sociais, bem como da interação que estas têm com suas específicas ações governistas, ainda este crerá piamente nas razões superiores de suas ações; no desprendimento de seus interesses pessoas em vista das necessidades das massas a quem em verdade serve, não governa.
                   A este tempo, enganados por si mesmos tanto quanto pelos que imediatamente lhes cercam, tanto fogem da realidade fática do cotidiano que deixaram de participar, quanto são por exatamente isto, capazes de ludibriar o mais cauto dos interlocutores, que não crerá inverossímil tão gloriosa aura, imbuída da pura verdade e da grandeza de propósitos. É por estes vieses, querido leitor, que se fazem e aperfeiçoam as nuances do poder. Essencialmente este processo se repete desde os primórdios mais antigos desta arte, desde, por exemplo, os tempos do inescrupuloso Caio Júlio César, maior dentre todos os grandes políticos romanos em todos os tempos, que tanto comprava as massas com favores eleitoreiros quanto mandava surrar seus adversários quando galgavam estes os amores do povo, até a revolucionária campanha presidencial de Barack Obama, que pelas sutilezas da mídia, com um manso discurso alcançou nada menos que a Presidência dos Estados Unidos. Não, caríssimo, não nos fazemos entender mau. Exatamente o que queremos dizer é o que foi dito: não há diferença essencial (senão de forma) entre a maneira de Obama e César fazerem política, como em verdade não existe diferença essencial em qualquer outro estilo de fazer política, porque no final das contas, em comum todos desejam o poder e em comum todos seriam capazes das mais insólitas atrocidades para alcançá-lo. O tempo e a civilização colocam a questão em termos mais diplomáticos, mas que em verdade são tão, talvez quiçá em certos casos até mais, ferozes hoje do que foram no pretérito.
                   Nada disso, no entanto, serve para desvanecer a evidência de o quanto mau a política e os políticos são capazes de fazer. Se mau a si mesmo fazem, e é certa esta evidência, muito mais ainda fazem a seus governados. Somos céticos suficiente para não crer ser possível a algum governante realizar o bem geral, senão a seus próximos ou a suas castas, e o fazem por mero método de conservar a si mesmos no poder. Nada fazem por altruísmo, porque os que foram liberais nas concessões não duraram no poder (a maioria por certo sequer o alcançou). Fazer o mal; ser temido; odiado às vezes. Tudo é parte da nefasta engrenagem do poder. As ideias de Maquiavel persistem tão válidas hoje quanto foram para a unificação italiana. A boa face do moço não é capaz de mascarar a sordidez das lições que trouxe a tona com seu tratado sobre política (e talvez até não fosse ele mesmo maquiavélico, senão observador pretensamente imparcial dos fatos da política). O mais importante; aquilo revelado pela experiência empírica; que poderá, portanto, ser validamente narrado por observador contemporâneo aos fatos; mais que isso, que deles participou ativamente; vezes como testemunha próxima; vezes como interlocutor mesmo destes fatos, é que quando se detém o poder, na medida da proporção em que este poder lhe foi afeto, tem-se nas mãos o futuro, a vida, às vezes a morte, ao menos o porvir de plenitude ou não das pessoas que dependam imediatamente de seu detentor. Mesmo aos bem-intencionados isto é desterrador (pesando evidentemente o quanto é escasso de bem intencionados os detentores do poder, posto que o processo de ascensão a ele – por que viés que seja, incluindo o democrático – por regra alija as boas almas de seu domínio).
                   O grau de influência sobre o futuro dos outros, já se disse, é proporcional a quantidade de poder. Há na verdade uma grande divisão do poder mundano, onde os homens por engenhos geopolíticos dividem a influência que podem ter sobre as comunidades e as pessoas. Em nível mundial, se dividem as nações; dentro destas os Estados, Departamentos ou como tenha sido concebida a tal engenharia. O fato é que, diferente do Poder Verdadeiro, o dos homens está disperso entre muitos, possuindo cada detentor parcela maior ou menor dele, sendo proporcional a influência ao quinhão de cada qual. O poder que pessoalmente detive foi bem ínfimo. Pouca influência exercia sobre os meus iguais. Assim mesmo pude sentir seu olfato, engolir um tanto do seu bafo. Se quisesse, teria com certa facilidade me iludido com seus encantos. É muito fácil, afinal de contas se permitir dominar pelo suntuoso canto que exala. Graças à formação que tive (aquela dos livros que reneguei; do misticismo que abandonei) pude viver uma experiência diferente com ele, nem tanto nefasta quanto ocorre com a maioria das pessoas. Consciente de suas ilusões, sobretudo de suas limitações enquanto poder verdadeiro, consegui passar a largo de suas tentações. Posso dizer com convicção, até mesmo com um pouco de orgulho, que sobrevivi incólume ao poder dos homens. Fui tido como um tolo, por não me permitir corromper, nem pelas pequenas nem muito menos pelas grandes tentações. Logo, não enriqueci nem me permiti aproveitar de nenhuma de suas facilidades. Verdade é que jamais fui elogiado por este espírito superior. Busquei fazer o bem. Essencialmente isso. Em minhas ações procurava sempre a que fosse capaz de beneficiar o maior número possível de pessoas. Conscientemente tentei jamais prejudicar a quem quer que fosse. Ainda assim, no entanto, fui vítima dele. A ilusão consiste em pensar que utilizando sabiamente a parcela de poder de que dispõe é possível fazer o verdadeiro bem, servir de maneira justa e desinteressada. Não, amigo leitor. Nem aos bons é possível imunizar contra os tenebrosos venenos palacianos. Ainda aos justos se renega a ingratidão.

                   É entre os pretensos amigos que se observam os mais violentos movimentos de retaliação ao que a eles parece o mau uso do poder (voltado ao bem-estar de outros e não o seu próprio ou do staff a que serve). Imaginar que os adversários, quem sempre se opuseram a suas convicções se embaterão contra suas ações, caçarão seus defeitos e os exibirão publicamente como troféus é mais que natural. Contudo foram estes quem menos trabalho me deram. Deles, verifiquei até certo grau de compreensão e boa medida de amistosidade nas cobranças. Os verdadeiros inimigos foram aqueles que diuturnamente me abraçavam, me pediam conselhos tal qual me aconselhavam. Deles, recebi os mais duros golpes, até porque jamais esperados. Foram deles, amigo leitor, as articulações mais vis, as mentiras mais escabrosas e os golpes mais nefastos de que recebi. Bem claro, pois, os motivos da advertência que lancei linhas acima: os poderosos são vítimas primeiro deles mesmos, ofuscados que se quedam pelos venenos das falsas demonstrações de amizade e fidelidade que os que o cercam lhe dedicam. É tudo fruto de ardil venenoso para lhe alijar do poder. Os amigos que pensava ter antes do poder, mas principalmente os que pretendi construir durante sua fruição revelaram-se quase todos meus maiores algozes e traidores. E tudo por um naco desta terrível coisa alguma que ao mesmo tempo tudo aparenta que é o poder mundano. Deles não sinto a falta, porque se mostraram menores que os via. Na verdade, foram meros aproveitadores das boas coisas que lhes poderia proporcionar, enquanto pude. Lhes renego com minha indiferença, pois o desapego prático que demonstrei ao apear-me (a mim próprio, sem esperar que me desferissem o fatal golpe) do poder é suficiente para que eu saiba ser muito melhor que todos eles juntos, por mais defeitos que possua (e veja o leitor quantos até aqui já não confessei).

sábado, 9 de julho de 2016

VIAGEM INSÓLITA - CONTO




                    Sentado ali na antessala daquela famosa feiticeira, passou em revista as razões e aparentes coincidências que o levaram até o lugar. Inicialmente movido pela curiosidade, aos poucos se permitiu envolver pelos achados e revelações trazidos pela mulher esbelta, bela e firme, vestida sempre com roupas longas e folgadas, que mesmo assim permitiam antever a beleza do corpo escondido por detrás delas. Ao mesmo tempo que era misteriosa, ela também se apresentava firme e sábia, mostrando-se conhecedora de verdades não reveladas inteiramente aos seus sempre atentos ouvintes.
                   Ele tremia profundamente sempre que ela lhe mirava nos olhos e especialmente naquele dia estava ansioso, pois guardava a promessa da derradeira visita, de que seria premiado com revelação inopinada. Tal pretensão, acaso vinda de uma farsante qualquer em definitivo não lhe abalaria os nervos, pois se tratava de homem feito e experimentado nas armadilhas da vida. Mas aquela mulher além de misteriosa era verdadeiramente temerosa. A seu respeito já ouvira boatos que era capaz de matar, ressuscitar e outra vez dar cabo de qualquer vivente, por mais guarnecido que fosse pelo mundo da espiritualidade. Além das coisas que a ouvira dizer e se realizar, igualmente temia pelas que já a vira fazer.
                   O ambiente era sóbrio. Não parecia ser o que realmente era. Aparentava uma espécie de consultório, o que afinal de contas acabava quase sendo, porque ali acorriam pessoas desesperadas, buscando diversas espécies de cura. Só que não pela alopatia, mas pela espiritualidade.
                   Chegou sua vez de ser atendido. Foi levado a um ambiente estranho, uma sala que não havia frequentado das outras vezes. Lá o ambiente era em penumbra e havia uma cadeira estofada, bem confortável e quase nada mais. A mulher entra e pede para que ele se sente na poltrona. Ela permanece de pé. Pronuncia algumas palavras em língua desconhecida, solicita que ele busque relaxar e lhe apresenta um copo com um líquido viscoso, cor de ferrugem. Diz que é para beber, porque ele ganhou o merecimento de ter com a espiritualidade pessoalmente, pois havia algo por demais importante que poderia somente a ele mesmo ser revelado. Obediente, ingeriu o líquido. Ela informa que sairá da sala e que ele permanecesse quieto, de olhos fechados. Logo começaria sua iniciação. Era importante que ficasse calmo.
                   Assim ele fez.
               Dali a poucos minutos começou a ouvir alguns zunidos. Inicialmente leves, depois bem estridentes. Teve a sensação insólita de que voava, alçando às alturas, dirigindo-se para bem distante de onde estivera até a pouco. Era algo profundamente real o que sentia, completamente diferente de um sonho, absolutamente oposto a qualquer alucinação. Parou em algum lugar desconhecido, que intuitivamente sabia não ser terreno. De repente, viu-se cercado por dezenas de formas, inicialmente humanoides que na medida em que ia se concentrando nelas ganhavam contornos e faces propriamente humanos. Com relação a uma delas em especial assustou-se, pois sabia de quem se tratava, bem como que ela não estava entre os vivos. Sentiu a palpitação acelerada de seu coração. Tentou retornar à realidade, mais eis que a realidade verdadeira, constatou, era aquela que testemunhava naquele momento. Ilusão era a sua vida na matéria, suas vastas propriedades, seu rico capital, sua formação intelectual, o respeito que aparentava ter das pessoas, mas que na verdade eram simples disfarces da ganância e da inveja. Realidade era o que ouviria daqueles seres naquele momento.
                   No mundo que adentrara não haviam palavras. Todos se comunicavam pelas sutis vibrações do pensamento. Na sua consciência, porém, eram palavras materializadas, que aparentemente reverberavam pelo vento que igualmente inexistia, o que lhe parecia chegar aos ouvidos. Os ouvidos físicos, porém, também estavam moucos, tal qual os olhos físicos cegos e o tato insensível. Ainda assim ouviu, viu e sentiu cada uma das palavras que lhe disseram aqueles seres fantasmagóricos, que não possuíam pés, os gestos que lhe fizeram e os sentimentos que lhes transmitiram.
                   Sem rodeios lhe afirmaram que havia ganhado o merecimento de saber a forma, os motivos e o momento da sua passagem da vida irreal que vivia na matéria para a vida real que seguiria vivendo na espiritualidade. Para tanto, contudo, deveria acertar sem delongas uma série de dívidas que contraíra na vida terrena, distribuindo o perdão aos inimigos, reparando os tantos mal feitos realizados contra seus semelhantes e praticando a caridade com discrição e em silêncio. Que o fizesse logo, pois a hora do acerto de contas estava já bem próxima.
                   O temor, com tão inopinada revelação, lhe dominou o espírito. Estava pronto para a partida, imaginava, pois sabia da sua inevitabilidade. Mas estava pronto para uma partida futura, distante, tão longínqua que a memória não seria capaz de alcançar. Diante dessa certeza, contudo, permitiu-se refletir sobre os seus praticados na matéria, descobrindo com isso o quanto em verdade estava despreparado para esse momento, que afinal é o único certo que todo ser vivente tem. Partir sem ter vivido um amor despregado de interesses carnais ou materiais; sem haver acalantado por toda uma noite um filho doente; sem ter sido despretensiosamente útil a algum espírito sofredor; sem haver dado um abraço em honra a uma verdadeira amizade? Toda a sua riqueza se tornava absolutamente desprezível, se revelando numa humilhante miséria, diante do tanto de coisas que deveria ter feito e não fez, porque a ganância do capital, a necessidade do lucro incessante, o egoísmo do amor próprio e a vaidade das honrarias jamais lhe permitiram. E se era irreparável aquela situação, a conclusão era de que tudo o que fizera fora inútil.
                   Dor maior que aquela não poderia haver. De que afinal teriam valido os tantos sacrifícios e as tantas lutas travadas em prol da construção do portentoso castelo no qual fizera repousar sua existência terrena, se dali a bem pouco tudo ruiria numa silenciosa e fria tarde de inverno, onde mesmo a despeito do desespero interior de seu ser, se recusando a partir, ainda assim o fato se daria porque não há recursos nem sofísticos nem tecnológicos contra a indelével e firme ação das leis da natureza. De logo compreendia que não haveria meios de reparar certos erros nem de construir determinados objetivos desejados, mas irresponsavelmente olvidados para futuro distante e incerto o qual, agora sabia, não aconteceria jamais. A dor que sentia consistia não propriamente nas coisas que não fizera, mas na compreensão de que jamais as poderia fazer adiante; que lhe fora conferida uma oportunidade única, para sempre perdida.
                   Aquele ser espiritual a quem reconhecera, aproximou-se então dele e, em pensamento lhe revelou que também ele, quando estivera próximo da passagem fora contemplado com o mesmo merecimento de saber com breve antecedência do fato inevitável. Esse era um merecimento mais comum que se imaginava, e que também se pusera a refletir sobre seus feitos. Descobriu diante de suas conquistas vividas na matéria que fora humilde, abrira mão do honor e da riqueza por uma vida em paz; que sua vida fora em silêncio, longe das homenagens; embora pudesse ter sido famoso preferira o anonimato; embora pudesse ter contrariado, com razão, muitos poderosos optou pela paz de espírito; e apesar de poder ter se apresentado como um sábio diante dos homens, optou pela verdadeira sabedoria da humildade, pois é a única que assim o é de fato. E disse-lhe aquele espírito que vivia meio triste, aperreado com a ignorância dos homens, incomodado com sua falta de capacidade de reconhecer o verdadeiro sábio e o líder de verdade até a revelação que teve, pois somente a partir dela, desde quando se pode ter a constatação do que verdadeiramente é útil, daquilo que de fato existe diante da eternidade, alijado da futilidade e protegido da ignóbil vaidade é que se compreende a infinitude e perfeição do amor sutil, silencioso e harmônico. De tudo o que construímos na matéria, as únicas coisas que podemos transportar para o mundo de verdade é o amor que plantamos, o conhecimento que colhemos e os sentimentos que regamos. Tudo o mais é ilusão grosseira da matéria.
                   Aquelas palavras lhe chocaram tão profundamente que foi arrebatado do lugar em que estava e transportado incontinente à sala em que havia sido deixado pela feiticeira. É como se tivesse sofrido uma queda desde altura imensa. E de fato o foi. Atordoado se levantou meio zonzo e um tanto desequilibrado partiu sem justificar-se a ninguém. Jamais retornou a ter com a feiticeira.
                   Ele não morreu em breve tempo, conforme lhe advertiram os espíritos. Viveu mais outros longos e promissores anos. Enriqueceu ainda muito mais do que já era. Mas desde aquele dia passou a viver cada instante de sua vida com intensidade profunda e responsável, tal qual fosse o último dela. Passou a amar as pessoas como se jamais houvesse de ter a oportunidade de fazê-lo com relação a mais ninguém. Ajudava ao próximo como se nenhuma outra oportunidade lhe fosse permitida no futuro. Respeitava os outros e revelava sua verdade com tanta mansidão, como se imaginando que aquela fosse a última oportunidade de se demonstrar humilde, sereno e sábio.
                   Foi feliz, como jamais até então houvera sido.

Jorge Emicles

domingo, 31 de janeiro de 2016

CADA QUAL DÁ O QUE TEM



                   Infeliz, é como poderíamos adjetivar a reunião ocorrida no último dia vinte e sete de janeiro de dois mil e dezesseis nas dependências do Campus São Miguel, da URCA, em Crato, capitaneada pelo comando de greve do Sindicato dos Docentes da URCA – SINDURCA. Na ocasião apresentaram uma visão arrogante e estreita da realidade, basicamente transmitindo a prepotente ideia de que todos os avanços alcançados pela instituição são devidos exclusivamente às sucessivas e extemporâneas paralisações que promovem a intervalos cada vez menores.
                   Ditatorial é o que poderíamos concluir a respeito de sua míope visão de mundo, através da qual são destratadas quaisquer visões antagônicas às suas próprias, pelo que negam valores essenciais ao mundo contemporâneo, como os princípios da democracia, da república e por eles o respeito às minorias. São democráticos nos discursos e nos momentos de conveniência, porém déspotas quando se trata de desrespeitar e esmagar qualquer opinião contrária, tal qual reincidentemente fazem em todas as assembleias gerais contra qualquer insano que tente se posicionar em contrafação a suas arrogantes orientações. Que o diga a injustificada recusa em promover uma nova assembleia geral, solicitada por mais de cem professores da instituição, para rediscutir os rumos da greve, inclusive a sensatez da adoção de outros meios menos radicais e prejudiciais de luta. Que o diga a não adesão à greve de figuras de aguerrida história, como conhecidos professores, militantes da legítima esquerda, que vislumbrando o oportunismo golpista do movimento paredista se recusam a dele participar. Que o diga o fortalecido movimento luta sim, greve não, que resiste à infeliz estratégia de uma greve suicida como método de enfrentamento das deficiências da URCA.
                   A verdade que não querem enxergar, no entanto, é que a tática da greve solapa ainda mais a importância geopolítica da URCA enquanto instrumento do desenvolvimento da região do Cariri. Pelas vias da interminável greve, que nas contas do sindicato já dura mais de dois anos, a Universidade se torna a cada dia mais raquítica e desimportante aos olhos da sociedade e do governo, tendo a cada giro que passa menor poder de mobilização, pelo que sensibiliza menos e menos tanto um quanto o outro. No mínimo, não pesaram bem os efeitos nefastos de uma greve na economia local; nem na vida dos acadêmicos, que ao final são as maiores vítimas desse nefasto movimento, obrigados que são a retardar em anos a sonhada alforria representada pela adiada colação de grau; nem muito menos demonstram qualquer compromisso com o desenvolvimento científico, porque sua greve obriga ao retardamento, interrupção ou suspensão de atividades ligadas não apenas ao ensino, como também à pesquisa e extensão universitárias.
                   Responsabilidade política e social. Talvez estejam em falta no comando do SINDURCA.
                   No final de contas, fecharam a malsinada reunião com a insólita e pusilânime afirmação de que todos os professores que não comungam com sua cartilha autoritária, recheada de valores fascistas, seriam canalhas numa demonstração não apenas de desrespeito aos colegas que legitimamente não pensam com eles, mas sobretudo de intolerância à diversidade de opiniões tão necessária ao florescimento da verdadeira e legítima academia.
                   Será mesmo canalha a liberdade de compreender que existem outros meios menos gravosos de enfrentamento das dificuldades da instituição, tanto para a comunidade acadêmica e à sociedade em geral? É atitude típica dos canalhas reconhecer que a Universidade possui distintas e tantas vezes antagônicas forças, todas, contudo, capazes de contribuir, como de fato o fazem, para o crescimento da Universidade? Será dos canalhas a ideia de que é condição sine qua para a existência da vida acadêmica que hajam, persistam e se respeitem as opiniões contraditórias, pois que é no seio dessa rica dialética em que se constroem todos os avanços da história? Seria pelo discurso desses canalhas que afirmariam e principalmente se praticariam os verdadeiros valores da democracia, pelos quais se repercute a voz, os interesses e o espaço também das minorias? É de canalhas o zelo pelos legítimos interesses dos estudantes, já tão massacrados e prejudicados por seguidas greves? É típico dos canalhas se indignar contra uma greve francamente ilegítima, aprovada por menos de dez por cento dos professores da instituição, e com cores inequivocamente políticas, de retaliação contra a derrota na eleição para reitor e de ignóbil rancor ao governo do Estado?
                   Ou canalha não seria a tentativa vil e pusilânime, típica dos apóstatas, de manipular toda uma categoria profissional na pretensão de torna-la massa de manobra contra seus ultrapassados objetivos revolucionários, de elevar ao poder uma pequena elite, eles mesmos os dirigentes partidários que comandam modernamente o SINDURCA, para instituir e comandar uma tirana ditadura, sem dúvidas inspirada no modelo da Coréia do Norte e da extinta União Soviética?
                   E para tanto, serão capazes de desossar qualquer canalha que se ponha em seu caminho.
                   A franca maioria dos professores da URCA, ofendidos que foram pelas covardes palavras do comando de greve, exigem respeito!

Jorge Emicles

quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

ILUMINADO




                   Sentado diretamente na areia, à beira mar e diante da acalantada visão do infinito oceano à sua frente pôs-se a pensar, em estado contemplativo de profunda meditação. Primeiro corregeu o dia presente. Longo e cansativo, preenchido pelos infortúnios da exaustiva jornada que travara. A aurora o encontrou no frenesi na grande metrópole. O pino do sol o alcançou a percorrer uma estrada que era quase inóspita. Já o ocaso o aguardava com a calma repetitiva do bater das ondas e da malacia deserta daquele lugar.
                   Depois, ampliando o foco de sua observação, deitou a atenção no conjunto de sua vida, o que o fez perceber que aquela sua existência na matéria era sim comparável ao dia presente, que acabava de apreciar. Logo depois da primeira infância, foi posto diante de uma série de dificuldades, que ao mesmo tempo em que aparentavam se ampliar o iam impregnando da força e da coragem necessárias ao enfrentamento das vicissitudes terrenas. Foram tantas as tenacidades que ao tempo em que seus pelos se iam prateando já se reconhecia como um homem experiente, vivido o suficiente para não temer os pequenos e inevitáveis obstáculos que a vida apresenta. E essa constatação era a fonte da paz interior e da paciência com que alimentava seus dias presentes. As dificuldades não eram tão diferentes das do passado, mas a forma com a qual as enfrentava, sim. E essa simples mudança de postura por si mesma tornava a tudo mais plácido e fácil.
                   Ver as coisas pelo prisma da paz interior redimensionava o tamanho das dificuldades. A possibilidade de observar a dura jornada dos outros irmãos que com ele enfrentam a mesma dor de viver, mais tantas vezes de forma bem mais solitária e dorida, o fez compreender o quanto mesmo o seu sofrimento é fruto do medo, da pequenez de caráter e da pena de si mesmo. As dificuldades do próximo em geral são bem maiores que as nossas, mas o nosso amor próprio, nome inapropriado pelo qual chamamos pelo egoísmo que nos alimenta, não nos permite compreender isso. E no final, era essa a maior conclusão, todo sofrimento tem uma razão de ser, de alguma maneira ensina, engrandece e dignifica o espírito. É, pois, um legítimo meio que conduz à iluminação.
                   Lembrou-se de tantas histórias de iluminados que já leu ou ouviu relatos. Hermes, Confúcio, Buda, Salomão e mais tantos outros. Espíritos de luz que habitaram a matéria com o superior propósito de ensinar, pelo exemplo, o caminho de volta, que deverá ser trilhado por cada qual dessa raça dos humanos, no trilho do retorno às suas próprias origens. É a isso o que, em geral, chamam de o caminho da iluminação. E, segundo o glorioso exemplo desses iluminados, a jornada impõe uma série de sacrifícios, ínfimos perto do objetivo final, mais ainda assim sofrimentos que se exige sejam enfrentados com dignidade e coragem. João Batista pagou o preço de suas pregações, firmadas na verdade da honradez e da fidelidade com sua própria cabeça. Sócrates foi condenado à morte por haver sido sábio. E o próprio Jesus, o Cristo, foi assassinado pela sua pregação de amor. Todos são exemplo de que para se alcançar a iluminação é necessário um preço. Mas não se trata do preço da dor, mas o da sabedoria, que em tantas vezes somente nos vem pelo sofrimento, entretanto.
                   A história de todos os iluminados de que se recordava àquela serena meditação, eram de centenários seres. De que iluminados teria notícias no último século ou na última década? Será que estaria involuindo a humanidade, incapaz agora de gerar espíritos de luz, prontos à integração definitiva com o infinito Cósmico? Será que estes seres haveriam mesmo abandonado a humanidade, por sua incapacidade absoluta de compreender a superioridade dessas verdades? Será que fracassamos enquanto espíritos em evolução? Será o preço a pagar pela incapacidade de compreender a verdade, o objetivo inevitável de cada qual dessa espécie? Será mesmo que paramos, enquanto indivíduos e enquanto coletividade de evoluir?
                   Esta dúvida o inquietou, fazendo desarmonizar-se a paz interior que sentiu no início de tudo, pois o povoou um sentimento intranquilo de fracasso. Se o resultado final não fosse alcançado jamais, então aí sim teria sido em vão; um sem sentido absoluto todas as dores e infortúnios que tanto ele quanto todos os demais da sua espécie haviam enfrentado durante já tantas e quase infinitas gerações. De nada, absolutamente nada, teria valido o exemplo e até o sacrifício dos iluminados de que se recordava. Mas, afinal, onde estariam os iluminados do presente?
                   Foi nesse ponto que a paz interior se reapresentou, fazendo-o olhar para si mesmo. Após tantas vicissitudes e pelejas, ele era sim não somente um vencedor, mas igualmente um exemplo, fazendo ver a todos em sua volta a real possibilidade de vencer as dificuldades a partir do desejo; a prova inconteste do poder da vontade, afinal de contas, quantas não foram já as ocasiões em que alimentado simplesmente pela fé, pelo desejo e apegado exclusivamente na vontade realizou o que pareceria o impossível ao sentir dos incrédulos. Quantas não foram as vezes que transformou o fracasso em uma nova oportunidade e esta na vitória, sempre desejada, mas ainda mais incerta. Ele realizou, sim, a mais real e profunda das alquimias, transmudando o chumbo da ignorância, da maldade e da incredulidade no ouro da sabedoria e no exemplo da prática, fazendo ver que o conhecimento somente é válido e útil quando praticado pelo seu detentor; e com esse exemplo alertando a todos dos perigos da apostasia e do ridículo do conhecimento de gabinete, absolutamente desapegado do exemplo.
                   E tudo isso, ele fez em silêncio e com extrema humildade.
                   E como ele, quantos outros não chegaram ao mesmo grau de consciência e com igual destemor, mesma humildade e sempre em silêncio, não praticam a sabedoria, servindo igualmente de exemplo, mas sem qualquer ato de promoção pessoal?
                   A verdade, foi essa sua conclusão, é que o mundo está repleto de iluminados, prenhe de pessoas evoluídas e sábias. Mas esses fatos não se os publicam na internet.


Jorge Emicles

segunda-feira, 4 de janeiro de 2016

ENTÃO, É NATAL




                   O Natal inspira à alegria e à comemoração. Reunião das famílias, presentes e banquetes alimentam o desejo de fartura das pessoas e das empresas. As lojas ficam lotadas e a imagem de papai noel, aquele galante velhinho que presenteia as boas crianças e as crianças ricas todas, é recorrente. O mundo visto desde a perspectiva do Natal até parece belo; as pessoas até parecem caridosas e justas. Ver o mundo desde o ponto de vista do Natal alimenta mesmo a esperança de que tudo pode, enfim, vir a ser melhor.
                   É tão mágico o Natal que até a figura crística ressurge para lembrar da existência de um mundo espiritual, superior, justo e perfeito. Perdido tantas vezes em meio as imensas árvores e aos enormes bonecos do velho noel, aquele pobre menino, desde a nudez e simplicidade de sua manjedoura nos transmite profícua mensagem de fé, renovação e esperança. Inspirados na figura crística são notáveis e profundos os discursos construídos desde ela. Natal é a renovação da fé; a ressureição da esperança de um mundo melhor; o renascimento em nós mesmos da consciência de que precisamos ser pessoas melhores, para nós mesmos e para o mundo. São contundentes estes discursos. De sua veemência, não se pode duvidar a sua flagrante verdade, pois de fato os homens precisam ser tocados, para transformarem a si mesmos e por eles ao mundo inteiro.
                   O problema é o que vem depois destes discursos. Sempre. As cabeças abaixadas em resignadas orações de pronto se levantam, passando a mirar as deliciosas guloseimas, que por regra inundam as fartas mesas de Natal. A consciência serena que a pouco placidamente comia o pão da palavra e sorvia o vinho da sabedoria, inicia a tagarelar bobagens e a espraiar pensamentos de pequeno calão, fazendo desanuviar-se a vibrante energia que recheou as palavras de antes. O que era belo e divino humanizou-se em demasia. O Cristo no presépio, por tais motivos, agora é apenas um írrito bonequinho posto em uma cena quase ininteligível e totalmente incompreensível quando inserido no meio da algazarra lacônica formada pela bebedeira, comilança e pequenas ideias do ambiente. Quantos pecados não se cometem durante uma ceia de Natal, por já tantas gerações; por já tantos séculos? A começas pelo pecado da gula.
                   Ainda mais que dos belos discursos de Natal – que bem ou mal a humanidade já absorve como verdades necessárias e valiosas – precisamos mesmo é praticar estes valores. E por todos os dias do ano, não apenas em ocasiões específicas.

                   O Cristianismo não pode se cingir a orações e a rituais religiosos. O verdadeiro cristianismo está na afirmação de certos valores, cujo mais importante de todos é o amor ao próximo. Mas o cristianismo mesmo não é a afirmação, mas a prática desse sentimento. O cristianismo está na prática incondicional do amor, esse sentimento essencial, desde o qual defluem todos os outros. O fundamento soberano de toda a doutrina de Cristo.