ILUMINADO
Sentado diretamente na areia, à beira mar e diante
da acalantada visão do infinito oceano à sua frente pôs-se a pensar, em estado
contemplativo de profunda meditação. Primeiro corregeu o dia presente. Longo e
cansativo, preenchido pelos infortúnios da exaustiva jornada que travara. A
aurora o encontrou no frenesi na grande metrópole. O pino do sol o alcançou a
percorrer uma estrada que era quase inóspita. Já o ocaso o aguardava com a
calma repetitiva do bater das ondas e da malacia deserta daquele lugar.
Depois, ampliando o foco de sua observação, deitou
a atenção no conjunto de sua vida, o que o fez perceber que aquela sua
existência na matéria era sim comparável ao dia presente, que acabava de
apreciar. Logo depois da primeira infância, foi posto diante de uma série de
dificuldades, que ao mesmo tempo em que aparentavam se ampliar o iam
impregnando da força e da coragem necessárias ao enfrentamento das vicissitudes
terrenas. Foram tantas as tenacidades que ao tempo em que seus pelos se iam
prateando já se reconhecia como um homem experiente, vivido o suficiente para
não temer os pequenos e inevitáveis obstáculos que a vida apresenta. E essa
constatação era a fonte da paz interior e da paciência com que alimentava seus
dias presentes. As dificuldades não eram tão diferentes das do passado, mas a
forma com a qual as enfrentava, sim. E essa simples mudança de postura por si
mesma tornava a tudo mais plácido e fácil.
Ver as coisas pelo prisma da paz interior redimensionava
o tamanho das dificuldades. A possibilidade de observar a dura jornada dos
outros irmãos que com ele enfrentam a mesma dor de viver, mais tantas vezes de
forma bem mais solitária e dorida, o fez compreender o quanto mesmo o seu
sofrimento é fruto do medo, da pequenez de caráter e da pena de si mesmo. As
dificuldades do próximo em geral são bem maiores que as nossas, mas o nosso
amor próprio, nome inapropriado pelo qual chamamos pelo egoísmo que nos
alimenta, não nos permite compreender isso. E no final, era essa a maior
conclusão, todo sofrimento tem uma razão de ser, de alguma maneira ensina,
engrandece e dignifica o espírito. É, pois, um legítimo meio que conduz à
iluminação.
Lembrou-se de tantas histórias de iluminados que
já leu ou ouviu relatos. Hermes, Confúcio, Buda, Salomão e mais tantos outros.
Espíritos de luz que habitaram a matéria com o superior propósito de ensinar,
pelo exemplo, o caminho de volta, que deverá ser trilhado por cada qual dessa
raça dos humanos, no trilho do retorno às suas próprias origens. É a isso o
que, em geral, chamam de o caminho da iluminação. E, segundo o glorioso exemplo
desses iluminados, a jornada impõe uma série de sacrifícios, ínfimos perto do
objetivo final, mais ainda assim sofrimentos que se exige sejam enfrentados com
dignidade e coragem. João Batista pagou o preço de suas pregações, firmadas na
verdade da honradez e da fidelidade com sua própria cabeça. Sócrates foi
condenado à morte por haver sido sábio. E o próprio Jesus, o Cristo, foi assassinado
pela sua pregação de amor. Todos são exemplo de que para se alcançar a
iluminação é necessário um preço. Mas não se trata do preço da dor, mas o da
sabedoria, que em tantas vezes somente nos vem pelo sofrimento, entretanto.
A história de todos os iluminados de que se
recordava àquela serena meditação, eram de centenários seres. De que iluminados
teria notícias no último século ou na última década? Será que estaria involuindo
a humanidade, incapaz agora de gerar espíritos de luz, prontos à integração
definitiva com o infinito Cósmico? Será que estes seres haveriam mesmo
abandonado a humanidade, por sua incapacidade absoluta de compreender a
superioridade dessas verdades? Será que fracassamos enquanto espíritos em evolução?
Será o preço a pagar pela incapacidade de compreender a verdade, o objetivo
inevitável de cada qual dessa espécie? Será mesmo que paramos, enquanto indivíduos
e enquanto coletividade de evoluir?
Esta dúvida o inquietou, fazendo desarmonizar-se a
paz interior que sentiu no início de tudo, pois o povoou um sentimento
intranquilo de fracasso. Se o resultado final não fosse alcançado jamais, então
aí sim teria sido em vão; um sem sentido absoluto todas as dores e infortúnios
que tanto ele quanto todos os demais da sua espécie haviam enfrentado durante
já tantas e quase infinitas gerações. De nada, absolutamente nada, teria valido
o exemplo e até o sacrifício dos iluminados de que se recordava. Mas, afinal,
onde estariam os iluminados do presente?
Foi nesse ponto que a paz interior se
reapresentou, fazendo-o olhar para si mesmo. Após tantas vicissitudes e
pelejas, ele era sim não somente um vencedor, mas igualmente um exemplo,
fazendo ver a todos em sua volta a real possibilidade de vencer as dificuldades
a partir do desejo; a prova inconteste do poder da vontade, afinal de contas,
quantas não foram já as ocasiões em que alimentado simplesmente pela fé, pelo
desejo e apegado exclusivamente na vontade realizou o que pareceria o
impossível ao sentir dos incrédulos. Quantas não foram as vezes que transformou
o fracasso em uma nova oportunidade e esta na vitória, sempre desejada, mas
ainda mais incerta. Ele realizou, sim, a mais real e profunda das alquimias,
transmudando o chumbo da ignorância, da maldade e da incredulidade no ouro da
sabedoria e no exemplo da prática, fazendo ver que o conhecimento somente é
válido e útil quando praticado pelo seu detentor; e com esse exemplo alertando
a todos dos perigos da apostasia e do ridículo do conhecimento de gabinete,
absolutamente desapegado do exemplo.
E tudo isso, ele fez em silêncio e com extrema
humildade.
E como ele, quantos outros não chegaram ao mesmo
grau de consciência e com igual destemor, mesma humildade e sempre em silêncio,
não praticam a sabedoria, servindo igualmente de exemplo, mas sem qualquer ato
de promoção pessoal?
A verdade, foi essa sua conclusão, é que o mundo
está repleto de iluminados, prenhe de pessoas evoluídas e sábias. Mas esses
fatos não se os publicam na internet.
Jorge
Emicles
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