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sábado, 13 de junho de 2015

O QUE QUEREMOS NA POLÍTICA É O NOVO, MAS O NOVO DE VERDADE



                   De escândalo em escândalo, cada vez ficamos mais abismados com o nível das relações incestuosas entre os poderosos e os donos do capital tanto no Brasil quanto alhures. O futebol é um poço de corrupção, afirmam os inquisidores da FIFA, cujas artimanhas vão muito além dos já conhecidos esquemas de combinação de resultados entre times; o Instituto Lula recebeu doações milionárias de certa empreiteira envolvida no escândalo da Lava Jato; nada demais, porque o Instituto de Fernando Henrique também foi beneficiado por doações da mesma empresa. E aí parece que o jogo acaba empatado, pois a nova ética que tentam nos empurrar goela abaixo é a de que todo mundo rouba igual, sendo as diferenças simples questão de oportunidade. O cidadão comum não desvia milhões dos cofres públicos porque não pode, mas tendo oportunidade suborna sem escrúpulos o guarda de trânsito que flagrou seu carro irregular; o policial civil não dá mole a traficante, porque nele vê a escória e os piores males à nossa sociedade, mas ao mesmo tempo é servil com o pequeno contraventor eleitor de seu amigo político; o Prefeito da pequena cidade nordestina milagrosamente não pratica atos de corrupção, mas se cala diante da exigência do Deputado que lhe liberou a verba para a construção da grande obra de sua administração para dirigir a licitação para uma empresa escolhida, pois do contrário a verba será destina a outro Município; o Maluf rouba, mas faz.
                   Ao mesmo tempo em que o senso comum se indigna com a grande corrupção em escala cada vez maior, se cria uma certa tolerância aos pecadilhos cometidos cotidianamente por nós outros, sem escrúpulos, arrepios ou dores de consciência. E é aí onde encontramos tanto a raiz quanto a consequência da falta de prática de ética por cada qual de nós. Tanto faz analisar o problema do macro para o micro ou vice-versa, pois a conclusão acaba sendo a mesma. Hobbes, o inglês que foi um dos grandes teóricos do Estado, cria o Leviatã, que vem a ser o monstro sob o qual os seres humanos depositaram parte de sua liberdade em troca de segurança. O monstro a que nos referimos é o próprio Estado e seu dever é garantir a todos os seus súditos, que somos nós os cidadãos, segurança tanto física quanto jurídica, em troca do que abrimos mão de parte das nossas liberdades e ainda pagamos impostos, na esperança de que nos retornem em serviços relevantes à nossa existência. A corrupção, no entanto, não permite que a realidade se alinhe à bela teoria. Não temos segurança nenhuma, seja porque a polícia não protege e tantas vezes nos oprime, seja porque os juízes não tutelam de fato as liberdades, seja porque as autoridades públicas não prestam serviços minimamente de qualidade. O orçamento da saúde é milionário; aumentando a cada ano, mas ainda assim quem não pagar um plano de saúde privado não terá acesso regular à saúde; o fomento visando o desenvolvimento social das camadas mais miseráveis da população se impõe como política de justiça social, mas o bolsa família acabou virando a última trincheira para a manutenção no poder dos que exploram a pobreza como arma política, seja entre os coronéis do passado, seja entre os progressistas do presente.
                   De outro lado, desde crianças somos rigorosamente treinados a fazermos parte de um mundo cada vez mais competitivo, onde o colega ao lado é o adversário que perigosamente poderá nos tomar a vaga no emprego, a promoção na empresa ou mesmo a simpatia no grupo social. O próximo não é o irmão a quem devemos acalentar na necessidade e buscar auxílio na precisão, mas tantas vezes se transforma no adversário e até no inimigo. Esta forma de ver o mundo a que somos instigados tanto pela escola quanto pela mídia nos ensina que é certo querer vantagem em tudo; ser o vencedor é ser o melhor, porque vergonhoso é perder. O consabido jeitinho brasileiro e a lei de Gérson, que relegam a ética face ao resultado traduzem de maneira emblemática as consequências dessa distorção do dever pedagógico tanto da mídia quanto da educação. Sob esse ângulo, a mentira e a corrupção, desde que praticados em escala razoável é algo tolerável, porque tanto é uma contingência para a sobrevivência quanto aparentemente não faz mal a ninguém.
                   Mas já dizia Hermes Trimegistro, na famosa Tábua de Esmeralda: como é em cima é como é embaixo e como é embaixo é como é em cima. Logo, o mesmo modelo reconhecido tacitamente pela moral comum é necessariamente repetido pela prática dos poderosos. E é assim que se justificam os mal feitos da República: Lula precisou pagar o mensalão, porque do contrário não governaria (afirma expressamente o livro do ex-Presidente do Uruguai, José Mujica); foi necessário permitir que se montasse um esquema de corrupção em várias empresas estatais (não somente na Petrobrás) porque novamente não teria a maioria necessária à governança; tudo bem, porque os tucanos, quando foram governo se valeram das mesmas práticas, inclusive comprando a emenda da reeleição; os políticos, mesmo os bem intencionados, que não compram voto ou praticam outra forma de abuso de poder jamais se elegerão; o pequeno Prefeito que não ceder à máfia das licitações que se espraiou por todo o país não consegue realizar obras; o parlamentar da situação que não tiver um razoável número de empregos públicos para distribuir entre seus correligionários não se reelege; e assim por diante pelos séculos dos séculos, como se essas práticas fossem uma necessidade e não uma espúria deturpação.
                   É nisso que precisamos dar basta. A questão não é somente guarnecer as trincheiras do combate à corrupção, mas igualmente dar cabo às falhas reincidentes de nosso caráter coletivo; de como nos vemos e a que práticas nos permitimos enquanto povo, nação e humanos; em uma palavra, é preciso definir de maneira clara e transparente qual é o nosso conceito de ética e até que ponto seremos capazes de tolerar como normais práticas viciosas e vergonhosa que nos acompanham desde os primeiros anos do chamado descobrimento do Brasil.
                   E o caminho para essa mudança necessariamente encontraremos na educação e somente nela.


Jorge Emicles Pinheiro Paes Barreto

sexta-feira, 5 de junho de 2015


MACHUPICCHU
                  
                   Todos os dias, junto com os primeiros raios de sol, milhares de turistas curiosos e ávidos por descortinar diante de si um tempo que não mais existe; um povo que foi cruelmente devastado pela ignomínia do poder e do ouro, adentram ao portal que acessa à cidade da velha montanha, mundialmente conhecida por Machupicchu, que na língua Quéchua significa exatamente a velha montanha, que protege e testemunha o cotidiano da esquecida cidade Inka já a tantos séculos. O nome mesmo daquele lugar; a palavra pronunciada pelos Inkas para designá-la restou perdida junto com centenas de outros mistérios daquele povo, permanecendo irrevelados para cada uma das milhares de pessoas que diariamente, como em uma romaria perpétua, adentram àquele sagrado lugar.
                   Para chegar aos portões de Machupicchu não é uma tarefa fácil, propícia aos obesos turistas que visitam outros lugares famosos do mundo. Ou se arrisca a embrenhar-se na velha trilha Inka, subindo e descendo montanhas por quatro longos e extenuantes dias, ou se colhe um trem em Ollantaytambo e guiado pelas rodas de ferro do comboio de vagões adentra-se em floresta cerrada, beirando o caudaloso rio sagrado dos Inkas, o Urubamba. Não há como se chegar de carro ou outro meio de transporte. Porém, ao termo da extravagante aventura o trem enfim desembarca a todos no singelo povoado de Machupicchu, criado exclusivamente para recepcionar os milhares de turistas que buscam conhecer as velhas ruínas da cidade perdida. Daí se toma um micro-ônibus que subirá uma íngreme montanha até que enfim estacione diante da entrada da cidade perdida. Poucos passos adiante se encontrará as primeiras ruínas. Ruínas porque se trata de uma cidade abandonada misteriosamente em data desconhecida, que remonta por certo a alguns séculos, talvez mais próximo, talvez mais remoto aos últimos reis Inkas. Mas sem dúvidas uma construção genial, de ímpar resistência, que sobreviveu a séculos de abandono, tomada já por densa floresta e irretocável a tantos terremotos que já abalaram toda aquela região. Tudo, sem falar na inexplicável arquitetura, composta por blocos gigantescos de pedras trazidas de dezenas de quilômetros de distância cujas técnicas de locomoção são até hoje desconhecidas. Com a tecnologia avançada do século XXI ainda não é possível repetir o bravio feito daquele povo.
                   O que mais impressiona, contudo, é o enorme número de visitantes que a cada dia faz a temível travessia entre Cusco, antigo centro do mundo Inka até Machupicchu, por um dos meios possíveis. Tão mágico quanto admirar a arquitetura única daquele lugar, vasculhando as dezenas de mistérios, alguns perdidos outros escondidos ao longo da cidade, é mirar o formigueiro humano que devassa suas entranhas, formado por estrangeiros dos mais longínquos rincões planeta adentro. A cada dia podem adentrar à cidade no máximo duas mil e quinhentas pessoas, sendo que duas mil viajam por trem e as demais quinhentas a pé, pela citada trilha Inka, que na época do império era o exclusivo meio de acesso à misteriosa cidade. Naquele lugar mágico, parece, em todos os dias se falam todas as línguas conhecidas pela humanidade, fazendo dali o verdadeiro centro energético de todo o planeta.
                   Mas o que buscam tantos forasteiros, de tantas culturas e costumes diferentes? Que teriam em comum um gigante negro africano, um desalinhado e parrudo americano, uma frágil e dócil coreana e um outro antipático alemão, senão o mesmo olhar sereno, fascinado e cheio de incompreensões diante da deslumbrante vista panorâmica de Machupicchu, do alto da Casa do Vigilante? Que passaria em seus espíritos senão sentimentos da mais pura e sublime inspiração ao ver a montanha gigante e velha, que pela própria arte da natureza desenha a face de um sábio índio, pintada logo abaixo pela genialidade do homem, que desenhou os contornos da cidade como a um condor, em pleno voo. A genialidade de Deus poderia ser aperfeiçoada pela maestria de sua criatura? O homem, assim, no seio dessa harmonia perfeita com a natureza se torna tão divino quanto seu próprio Criador? Diante daquela maestria, que por tão bela e perfeita não merece adjetivos, como então duvidar que há um Deus criador e que o fruto maior dessa criação, o homem caído, não possui em seu âmago a potência de sua Divindade criadora?
                   Diante da vista panorâmica de Machupicchu, do alto da Casa do Vigilante, onde nos tempos dos reis Inkas era a única chegada àquela misteriosa cidade, desconhecida mesmo de muitos dos antigos quéchuas, em qualquer língua que seja; fundado em quaisquer das muitas culturas humanas; inspirados em todos os conceitos de divindade; somente esta poderá ser a conclusão a que qualquer ser desta espécie, a nossa; a humana, poderá chegar com honestidade.
                   E depois dessa mirada, é praticamente irresistível não seguir a trilha Inka até a Porta do Sol, que anuncia com precisão absoluta os solstícios de inverno e verão. A caminhada é íngreme, que pelo esforço exigido de densa subida em ambiente de ar rarefeito convida o caminhante a refletir sobre sua pequenez individual diante da magnanimidade da natureza, mas ao mesmo tempo o conscientiza que ele, o pequeno caminhante que tropegamente arrisca acanhados passos nos sagrados degraus do caminho, é potencialmente tão grande e perfeito quanto a própria natureza, desde quando consiga se fazer parte dela. Não se domina a natureza; se integra a ela, deixando de existir enquanto indivíduo e passando a ser uma porção de consciência no todo da criação. A cada passo menor ficamos diante de nós mesmos e mais altos nos tornamos diante de Deus.
                   Verdadeiros iniciados nos tornamos ao termo desse caminho, e no final da visita à cidade perdida, suas lembranças muito longe estarão de ter sido de um simples e despretensioso passeio de um domingo ensolarado. Ensolarada estará nossas vidas depois daquele iniciático solstício...


Jorge Emicles Pinheiro Paes Barreto