O
QUE QUEREMOS NA POLÍTICA É O NOVO, MAS O NOVO DE VERDADE
De escândalo em escândalo, cada vez ficamos mais
abismados com o nível das relações incestuosas entre os poderosos e os donos do
capital tanto no Brasil quanto alhures. O futebol é um poço de corrupção, afirmam
os inquisidores da FIFA, cujas artimanhas vão muito além dos já conhecidos
esquemas de combinação de resultados entre times; o Instituto Lula recebeu
doações milionárias de certa empreiteira envolvida no escândalo da Lava Jato;
nada demais, porque o Instituto de Fernando Henrique também foi beneficiado por
doações da mesma empresa. E aí parece que o jogo acaba empatado, pois a nova
ética que tentam nos empurrar goela abaixo é a de que todo mundo rouba igual, sendo as diferenças simples questão de oportunidade.
O cidadão comum não desvia milhões dos cofres públicos porque não pode, mas
tendo oportunidade suborna sem escrúpulos o guarda de trânsito que flagrou seu
carro irregular; o policial civil não dá mole a traficante, porque nele vê a escória
e os piores males à nossa sociedade, mas ao mesmo tempo é servil com o pequeno
contraventor eleitor de seu amigo político; o Prefeito da pequena cidade
nordestina milagrosamente não pratica atos de corrupção, mas se cala diante da
exigência do Deputado que lhe liberou a verba para a construção da grande obra
de sua administração para dirigir a licitação para uma empresa escolhida, pois
do contrário a verba será destina a outro Município; o Maluf rouba, mas faz.
Ao mesmo tempo em que o senso comum se indigna com
a grande corrupção em escala cada vez maior, se cria uma certa tolerância aos
pecadilhos cometidos cotidianamente por nós outros, sem escrúpulos, arrepios ou
dores de consciência. E é aí onde encontramos tanto a raiz quanto a
consequência da falta de prática de ética por cada qual de nós. Tanto faz
analisar o problema do macro para o micro ou vice-versa, pois a conclusão acaba
sendo a mesma. Hobbes, o inglês que foi um dos grandes teóricos do Estado, cria
o Leviatã, que vem a ser o monstro
sob o qual os seres humanos depositaram parte de sua liberdade em troca de
segurança. O monstro a que nos referimos é o próprio Estado e seu dever é
garantir a todos os seus súditos, que somos nós os cidadãos, segurança tanto
física quanto jurídica, em troca do que abrimos mão de parte das nossas
liberdades e ainda pagamos impostos, na esperança de que nos retornem em
serviços relevantes à nossa existência. A corrupção, no entanto, não permite
que a realidade se alinhe à bela teoria. Não temos segurança nenhuma, seja porque
a polícia não protege e tantas vezes nos oprime, seja porque os juízes não
tutelam de fato as liberdades, seja porque as autoridades públicas não prestam
serviços minimamente de qualidade. O orçamento da saúde é milionário;
aumentando a cada ano, mas ainda assim quem não pagar um plano de saúde privado
não terá acesso regular à saúde; o fomento visando o desenvolvimento social das
camadas mais miseráveis da população se impõe como política de justiça social,
mas o bolsa família acabou virando a última trincheira para a manutenção no
poder dos que exploram a pobreza como arma política, seja entre os coronéis do
passado, seja entre os progressistas do presente.
De outro lado, desde crianças somos rigorosamente
treinados a fazermos parte de um mundo cada vez mais competitivo, onde o colega
ao lado é o adversário que perigosamente poderá nos tomar a vaga no emprego, a
promoção na empresa ou mesmo a simpatia no grupo social. O próximo não é o
irmão a quem devemos acalentar na necessidade e buscar auxílio na precisão, mas
tantas vezes se transforma no adversário e até no inimigo. Esta forma de ver o
mundo a que somos instigados tanto pela escola quanto pela mídia nos ensina que
é certo querer vantagem em tudo; ser o vencedor é ser o melhor, porque
vergonhoso é perder. O consabido jeitinho brasileiro e a lei de Gérson, que
relegam a ética face ao resultado traduzem de maneira emblemática as
consequências dessa distorção do dever pedagógico tanto da mídia quanto da
educação. Sob esse ângulo, a mentira e a corrupção, desde que praticados em
escala razoável é algo tolerável, porque tanto é uma contingência para a
sobrevivência quanto aparentemente não faz mal a ninguém.
Mas já dizia Hermes Trimegistro, na famosa Tábua
de Esmeralda: como é em cima é como é
embaixo e como é embaixo é como é em cima. Logo, o mesmo modelo reconhecido
tacitamente pela moral comum é necessariamente repetido pela prática dos
poderosos. E é assim que se justificam os mal feitos da República: Lula
precisou pagar o mensalão, porque do contrário não governaria (afirma
expressamente o livro do ex-Presidente do Uruguai, José Mujica); foi necessário
permitir que se montasse um esquema de corrupção em várias empresas estatais
(não somente na Petrobrás) porque novamente não teria a maioria necessária à
governança; tudo bem, porque os tucanos, quando foram governo se valeram das
mesmas práticas, inclusive comprando a emenda da reeleição; os políticos, mesmo
os bem intencionados, que não compram voto ou praticam outra forma de abuso de
poder jamais se elegerão; o pequeno Prefeito que não ceder à máfia das
licitações que se espraiou por todo o país não consegue realizar obras; o
parlamentar da situação que não tiver um razoável número de empregos públicos
para distribuir entre seus correligionários não se reelege; e assim por diante
pelos séculos dos séculos, como se essas práticas fossem uma necessidade e não
uma espúria deturpação.
É nisso que precisamos dar basta. A questão não é
somente guarnecer as trincheiras do combate à corrupção, mas igualmente dar
cabo às falhas reincidentes de nosso caráter coletivo; de como nos vemos e a
que práticas nos permitimos enquanto povo, nação e humanos; em uma palavra, é
preciso definir de maneira clara e transparente qual é o nosso conceito de
ética e até que ponto seremos capazes de tolerar como normais práticas viciosas
e vergonhosa que nos acompanham desde os primeiros anos do chamado
descobrimento do Brasil.
E o caminho para essa mudança necessariamente
encontraremos na educação e somente nela.
Jorge
Emicles Pinheiro Paes Barreto
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