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sexta-feira, 5 de junho de 2015


MACHUPICCHU
                  
                   Todos os dias, junto com os primeiros raios de sol, milhares de turistas curiosos e ávidos por descortinar diante de si um tempo que não mais existe; um povo que foi cruelmente devastado pela ignomínia do poder e do ouro, adentram ao portal que acessa à cidade da velha montanha, mundialmente conhecida por Machupicchu, que na língua Quéchua significa exatamente a velha montanha, que protege e testemunha o cotidiano da esquecida cidade Inka já a tantos séculos. O nome mesmo daquele lugar; a palavra pronunciada pelos Inkas para designá-la restou perdida junto com centenas de outros mistérios daquele povo, permanecendo irrevelados para cada uma das milhares de pessoas que diariamente, como em uma romaria perpétua, adentram àquele sagrado lugar.
                   Para chegar aos portões de Machupicchu não é uma tarefa fácil, propícia aos obesos turistas que visitam outros lugares famosos do mundo. Ou se arrisca a embrenhar-se na velha trilha Inka, subindo e descendo montanhas por quatro longos e extenuantes dias, ou se colhe um trem em Ollantaytambo e guiado pelas rodas de ferro do comboio de vagões adentra-se em floresta cerrada, beirando o caudaloso rio sagrado dos Inkas, o Urubamba. Não há como se chegar de carro ou outro meio de transporte. Porém, ao termo da extravagante aventura o trem enfim desembarca a todos no singelo povoado de Machupicchu, criado exclusivamente para recepcionar os milhares de turistas que buscam conhecer as velhas ruínas da cidade perdida. Daí se toma um micro-ônibus que subirá uma íngreme montanha até que enfim estacione diante da entrada da cidade perdida. Poucos passos adiante se encontrará as primeiras ruínas. Ruínas porque se trata de uma cidade abandonada misteriosamente em data desconhecida, que remonta por certo a alguns séculos, talvez mais próximo, talvez mais remoto aos últimos reis Inkas. Mas sem dúvidas uma construção genial, de ímpar resistência, que sobreviveu a séculos de abandono, tomada já por densa floresta e irretocável a tantos terremotos que já abalaram toda aquela região. Tudo, sem falar na inexplicável arquitetura, composta por blocos gigantescos de pedras trazidas de dezenas de quilômetros de distância cujas técnicas de locomoção são até hoje desconhecidas. Com a tecnologia avançada do século XXI ainda não é possível repetir o bravio feito daquele povo.
                   O que mais impressiona, contudo, é o enorme número de visitantes que a cada dia faz a temível travessia entre Cusco, antigo centro do mundo Inka até Machupicchu, por um dos meios possíveis. Tão mágico quanto admirar a arquitetura única daquele lugar, vasculhando as dezenas de mistérios, alguns perdidos outros escondidos ao longo da cidade, é mirar o formigueiro humano que devassa suas entranhas, formado por estrangeiros dos mais longínquos rincões planeta adentro. A cada dia podem adentrar à cidade no máximo duas mil e quinhentas pessoas, sendo que duas mil viajam por trem e as demais quinhentas a pé, pela citada trilha Inka, que na época do império era o exclusivo meio de acesso à misteriosa cidade. Naquele lugar mágico, parece, em todos os dias se falam todas as línguas conhecidas pela humanidade, fazendo dali o verdadeiro centro energético de todo o planeta.
                   Mas o que buscam tantos forasteiros, de tantas culturas e costumes diferentes? Que teriam em comum um gigante negro africano, um desalinhado e parrudo americano, uma frágil e dócil coreana e um outro antipático alemão, senão o mesmo olhar sereno, fascinado e cheio de incompreensões diante da deslumbrante vista panorâmica de Machupicchu, do alto da Casa do Vigilante? Que passaria em seus espíritos senão sentimentos da mais pura e sublime inspiração ao ver a montanha gigante e velha, que pela própria arte da natureza desenha a face de um sábio índio, pintada logo abaixo pela genialidade do homem, que desenhou os contornos da cidade como a um condor, em pleno voo. A genialidade de Deus poderia ser aperfeiçoada pela maestria de sua criatura? O homem, assim, no seio dessa harmonia perfeita com a natureza se torna tão divino quanto seu próprio Criador? Diante daquela maestria, que por tão bela e perfeita não merece adjetivos, como então duvidar que há um Deus criador e que o fruto maior dessa criação, o homem caído, não possui em seu âmago a potência de sua Divindade criadora?
                   Diante da vista panorâmica de Machupicchu, do alto da Casa do Vigilante, onde nos tempos dos reis Inkas era a única chegada àquela misteriosa cidade, desconhecida mesmo de muitos dos antigos quéchuas, em qualquer língua que seja; fundado em quaisquer das muitas culturas humanas; inspirados em todos os conceitos de divindade; somente esta poderá ser a conclusão a que qualquer ser desta espécie, a nossa; a humana, poderá chegar com honestidade.
                   E depois dessa mirada, é praticamente irresistível não seguir a trilha Inka até a Porta do Sol, que anuncia com precisão absoluta os solstícios de inverno e verão. A caminhada é íngreme, que pelo esforço exigido de densa subida em ambiente de ar rarefeito convida o caminhante a refletir sobre sua pequenez individual diante da magnanimidade da natureza, mas ao mesmo tempo o conscientiza que ele, o pequeno caminhante que tropegamente arrisca acanhados passos nos sagrados degraus do caminho, é potencialmente tão grande e perfeito quanto a própria natureza, desde quando consiga se fazer parte dela. Não se domina a natureza; se integra a ela, deixando de existir enquanto indivíduo e passando a ser uma porção de consciência no todo da criação. A cada passo menor ficamos diante de nós mesmos e mais altos nos tornamos diante de Deus.
                   Verdadeiros iniciados nos tornamos ao termo desse caminho, e no final da visita à cidade perdida, suas lembranças muito longe estarão de ter sido de um simples e despretensioso passeio de um domingo ensolarado. Ensolarada estará nossas vidas depois daquele iniciático solstício...


Jorge Emicles Pinheiro Paes Barreto

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