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domingo, 11 de outubro de 2015

GRITO DE LIBERDADE – Em Homenagem a Robson de Andrade Miranda



                   As palavras quando são candentes, tendem à polêmica. Antes de tudo, portanto, é necessário aquecer o espírito na esperança de que, pelo fogo, se colha a consciência. A advocacia, quando vista sob o prisma da história, nos revela uma atividade candente por excelência, que se permite pôr em brasa a sociedade, meio pelo qual assaca as grandes conquistas da humanidade.
                   O fogo do artigo Casa de Ferreiro causou consternação no seio dos defensores de uma dada candidatura à OAB local, mas estranhamente trouxe o silêncio quanto à grande maioria das considerações tecidas. Nenhuma palavra, pasmem, mas nenhuma mesmo a respeito da ausência de democracia no processo de escolha dos representantes da advocacia. Será mesmo que ninguém se indigna com o fato de que o Presidente Nacional da instituição não é eleito pelo sufrágio direto? Todos, sem exceção, acham democrática a exclusão do processo daqueles que estejam inadimplentes com a tesouraria? Ninguém reclama do fato de as campanhas já se haverem iniciado antes mesmo do registro das chapas e será que não existirá cristão capaz de se revoltar contra a ausência de prestação de contas dos atos de campanha? Esses silêncios gritam e emouquecem as consciências de bem.
                   A advocacia, segundo as relevantes lições da história, sempre foi um instrumento de liberdade, não de repressão. Não deveria vir da pena de um causídico expressões como providências serão tomadas. Esse é achaque de autoritarismo, típico dos que defendem a democracia com reservas, até o ponto em que se emitem opiniões contrárias às suas. Chega de se pretender utilizar o Poder Judiciário enquanto instrumento de pressão contra o exercício da liberdade de opinião. O texto não ataca pessoalmente ninguém, mas porque incita à prestação de contas de atos de campanha antecipados é achacado com apelos autoritários desse jaez. Quem será que verdadeiramente está baixando o nível da campanha? O que cobra as contas ou o que se recusa a prestá-las? Desde Cícero, na antiga Roma, se conhece a técnica sofista de ao invés de rebater as críticas, se atacar o oponente. Não há nada de novo sob o sol, afinal de contas.
                   É engano achar que a jovem advocacia está valorizada com tapinhas nas costas e sorrisos alegres. O neófito no mercado da advocacia acaba descobrindo que as grandes causas são dirigidas aos grandes escritórios, que além de famosos profissionais possuem um leque de instrumentos que facilitam o sucesso de suas pretensões. É aos interesses desses grandes escritórios que atende a OAB, não aos pequenos e recém ingressos. À pequena advocacia, tanto nas capitais, quanto e principalmente no interior o que resta é se deparar com a sórdida morosidade da justiça e a luta cotidiana de ter de vencer uma pesada e superada máquina para atingir algum sucesso em suas demandas. Não é à toa que a grande massa dos jovens advogados sonha com os concursos públicos, mas não com o desenvolvimento da carreira advocatícia.
                   Estudar os meandros dos mecanismos da ideologia, entretanto, nos fazem compreender a aguerrida forma com que a vítima do processo de exploração defende o modelo que a ele mesmo massacra. Os chamados pelo filósofo argelino Althusser Aparelhos Ideológicos do Estado nada mais são que verdadeiras máquinas, estatais ou não, que incutem na consciência dos dominados as ideias da dominação, fazendo deles próprios reprodutores de sua ideologia dominante, os transmudando em seres dóceis, servis e absolutamente avessos a qualquer ideia que, minimamente que seja, possa desconstruir a visão de mundo que aprenderam e reproduzem.
                   É, em última instância, disso que tratamos em nossos artigos, não do número de amigos que possam ter fulano ou beltrano. Nossa discussão é no campo do público, não das relações privadas. Pois tratemos de compreender que a OAB é uma instituição de Direito Público, não a antessala da casa de ninguém. Lá não é espaço para receber amigos, mas sim advogados e advogadas prontos a defender as prerrogativas de sua profissão.
Jorge Emicles Pinheiro

sábado, 10 de outubro de 2015

CASA DE FERREIRO...



                   A Ordem dos Advogados do Brasil – OAB – se notabilizou na parte final da ditadura militar brasileira pela coragem de defender os preceitos democráticos e pela denúncia aos sanguinários atos de tortura praticados àqueles tempos no país. A Constituição Cidadão de 1988 homenageou sua postura a legitimando como importante instituição na defesa do nosso Estado Democrático de Direito, inclusive a arrolando enquanto uma das legitimadas ao controle direto de constitucionalidade (e são bem poucas as instituições com esse poder no vigente ordenamento jurídico). O Supremo Tribunal Federal consolidou a OAB como uma instituição sui generis, cujos objetivos vão muito além da simples defesa das prerrogativas e do exercício do poder de polícia em face de uma classe profissional. Por tudo isso, é lugar comum o discurso de que a instituição é uma das fiadoras da democracia brasileira.
                   Nada mais natural, então, que se encarar a época das eleições da instituição como um festivo momento de profícuos debates, encetados no meio dos mais elevados valores da ética e confirmados pelas práticas mais democráticas possíveis. Afinal, para defender-se a democracia e se combater a ignóbil corrupção que assola o país, é preciso uma instituição que possua os hábitos mais límpidos possíveis.
                   A realidade da instituição, contudo, é bem outra. Primeiro, os advogados inadimplentes são sumariamente excluídos do direito ao sufrágio, criando uma horda de excluídos da participação democrática, como se porventura quem possuísse algum débito fiscal tivesse seu título cancelado pela Justiça Eleitoral e, por essa razão, não pudesse votar regularmente nas eleições. Essa determinação legal de pronto abre a perigosa brecha da comezinha prática entre os candidatos de pagarem a anuidade dos inadimplentes num específico método de vergonhosa compra de votos. Segundo, o voto na instituição é vinculado, de maneira que votar em determinada chapa implica em eleger dezenas de pessoas (em sua maioria desconhecidas) que ocuparão importantes cargos tanto na Caixa de Assistência do Advogado como mesmo no Conselho Federal da OAB, o que em si mesmo ilegitima completamente as atuações dos supostos eleitos. Terceiro, os candidatos não prestam contas nem dos gastos realizados em campanha nem das origens dos recursos arrecadados para tanto, ao mesmo tempo em que fazem pulular eventos festivos de todas as ordens, de custos elevadíssimos e de ética duvidosa. A moda do presente processo eleitoral é a realização dos hapy hours com os advogados eleitores, por onde os pretensos candidatos reúnem em bares o conjunto de seus eleitores para, regados de comidas e bebidas, pagos não se sabe exatamente por quem, pretensamente discutir os rumos da advocacia.
                   Segundo o Desembargador gaúcho Rogério Gesta Leal, uma das mais valiosas autoridades no país nos estudos das chamadas patologias corruptivas, tal se constitui no mínimo de uma prática desonesta, razão porque é catalogada enquanto ato corruptivo, que desmerece e ilegitima todo o processo eleitoral. A pergunta não quer calar: quem paga estas contas? A que título são graciosamente reunidos para uma boca livre os advogados a pretexto de discutir a sucessão da instituição? Em si mesmo, praticar atos deste jaez já não se constitui propaganda antecipada (porque realizadas antes do registro das candidaturas), patrocinada pelos próprios gestores da instituição? Que legitimidade terão eles, acaso eleitos? E o que esperar de advogados que se permitem ter parte em práticas corruptivas como estas?
                   Os cargos da diretoria da OAB não são remunerados. O que justificaria, então, campanhas tão caras para prestar serviços honoríficos, é dizer, não remunerados? Definitivamente, há algo de podre no reino da Dinamarca...
                   No mínimo, a ética e o bom nome da instituição restam flagrantemente desmerecidos. Pior. Com o patrocínio dos seus próprios dirigentes. Seja qual for o resultado das eleições, o processo como um todo já se encontra profundamente comprometido. E que lisura terá então a OAB para instituir Comissão Especial com o propósito de discutir e, quiçá, propor o impeachment da Presidente da República por suposto crime de responsabilidade?
                   A democracia não é um simples discurso. É de ser uma prática cotidiana. E é sobretudo pelo exemplo que se a pratica.

Jorge Emicles Pinheiro