CASA
DE FERREIRO...
A Ordem dos Advogados do Brasil – OAB – se notabilizou
na parte final da ditadura militar brasileira pela coragem de defender os
preceitos democráticos e pela denúncia aos sanguinários atos de tortura
praticados àqueles tempos no país. A Constituição Cidadão de 1988 homenageou
sua postura a legitimando como importante instituição na defesa do nosso Estado
Democrático de Direito, inclusive a arrolando enquanto uma das legitimadas ao
controle direto de constitucionalidade (e são bem poucas as instituições com
esse poder no vigente ordenamento jurídico). O Supremo Tribunal Federal
consolidou a OAB como uma instituição sui
generis, cujos objetivos vão muito além da simples defesa das prerrogativas
e do exercício do poder de polícia em face de uma classe profissional. Por tudo
isso, é lugar comum o discurso de que a instituição é uma das fiadoras da
democracia brasileira.
Nada mais natural, então, que se encarar a época
das eleições da instituição como um festivo momento de profícuos debates,
encetados no meio dos mais elevados valores da ética e confirmados pelas
práticas mais democráticas possíveis. Afinal, para defender-se a democracia e
se combater a ignóbil corrupção que assola o país, é preciso uma instituição
que possua os hábitos mais límpidos possíveis.
A realidade da instituição, contudo, é bem outra.
Primeiro, os advogados inadimplentes são sumariamente excluídos do direito ao
sufrágio, criando uma horda de excluídos da participação democrática, como se
porventura quem possuísse algum débito fiscal tivesse seu título cancelado pela
Justiça Eleitoral e, por essa razão, não pudesse votar regularmente nas
eleições. Essa determinação legal de pronto abre a perigosa brecha da comezinha
prática entre os candidatos de pagarem a anuidade dos inadimplentes num
específico método de vergonhosa compra de votos. Segundo, o voto na instituição
é vinculado, de maneira que votar em determinada chapa implica em eleger
dezenas de pessoas (em sua maioria desconhecidas) que ocuparão importantes
cargos tanto na Caixa de Assistência do Advogado como mesmo no Conselho Federal
da OAB, o que em si mesmo ilegitima completamente as atuações dos supostos
eleitos. Terceiro, os candidatos não prestam contas nem dos gastos realizados
em campanha nem das origens dos recursos arrecadados para tanto, ao mesmo tempo
em que fazem pulular eventos festivos de todas as ordens, de custos
elevadíssimos e de ética duvidosa. A moda do presente processo eleitoral é a
realização dos hapy hours com os
advogados eleitores, por onde os pretensos candidatos reúnem em bares o conjunto
de seus eleitores para, regados de comidas e bebidas, pagos não se sabe
exatamente por quem, pretensamente discutir os rumos da advocacia.
Segundo o Desembargador gaúcho Rogério Gesta Leal,
uma das mais valiosas autoridades no país nos estudos das chamadas patologias
corruptivas, tal se constitui no mínimo de uma prática desonesta, razão porque
é catalogada enquanto ato corruptivo, que desmerece e ilegitima todo o processo
eleitoral. A pergunta não quer calar: quem paga estas contas? A que título são
graciosamente reunidos para uma boca livre os advogados a pretexto de discutir
a sucessão da instituição? Em si mesmo, praticar atos deste jaez já não se
constitui propaganda antecipada (porque realizadas antes do registro das
candidaturas), patrocinada pelos próprios gestores da instituição? Que
legitimidade terão eles, acaso eleitos? E o que esperar de advogados que se
permitem ter parte em práticas corruptivas como estas?
Os cargos da diretoria da OAB não são remunerados.
O que justificaria, então, campanhas tão caras para prestar serviços
honoríficos, é dizer, não remunerados? Definitivamente, há algo de podre no reino da Dinamarca...
No mínimo, a ética e o bom nome da instituição restam
flagrantemente desmerecidos. Pior. Com o patrocínio dos seus próprios
dirigentes. Seja qual for o resultado das eleições, o processo como um todo já
se encontra profundamente comprometido. E que lisura terá então a OAB para
instituir Comissão Especial com o propósito de discutir e, quiçá, propor o impeachment da Presidente da República
por suposto crime de responsabilidade?
A democracia não é um simples discurso. É de ser
uma prática cotidiana. E é sobretudo pelo exemplo que se a pratica.
Jorge
Emicles Pinheiro
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