Páginas

quarta-feira, 5 de outubro de 2016


E QUEM É O FISCAL DO FISCAL?

                   A atriz Mônica Iozzi foi recentemente condenada pela justiça a indenizar um juiz da suprema corte brasileira por questionar a lisura de uma decisão de sua lavra que concedeu habeas corpus a um estuprador condenado pela justiça em várias instâncias. Em outro caso também famoso, uma agente de trânsito igualmente foi judicialmente apenada por haver lavrado auto de infração contra um juiz de direito. No Paraná, não faz muito tempo, dezenas de magistrados processaram um veículo de imprensa por haver publicado o indecente valor da remuneração dos juízes estaduais. Além desses casos famosos pela repercussão que obtiveram na imprensa há centenas de outros menos notórios, nos quais não somente juízes, como autoridades de outros poderes, se valem do Judiciário como instrumento de pressão e punição pela divulgação de informações ou emissão de opiniões desfavoráveis, a pretexto de controlar os excessos dos meios de comunicação e resguardar a honra e intimidade contra ações supostamente descabidas da imprensa em geral.
                   Para além do abuso patente de certos casos, o que vem à tona é o perigoso volume de poder concedido aos juízes de direito. Porquanto o Brasil seja uma nação declaradamente democrática, os valores e práticas da democracia passam bem ao largo da praxis e dos valores realizados pelo Poder Judiciário, a começar pela fórmula de escolha dos seus juízes. Afinal, é simplesmente arbitrária a possibilidade de escolha de todos os juízes dos nossos tribunais de segunda instância ou instância especial pelo Presidente da República e Governadores de Estado. Independente do grau de compromissos espúrios que tenham ou não de assumir os magistrados para serem escolhidos pelos poderosos de plantão, a fórmula em si mesma de sua ascensão às cortes já é refratária das liberdades expressadas na declaração de direitos humanos. A fórmula de escolha em si mesma é um ato de improbidade, pois na melhor das ponderações, estamos diante de algo imoral.
                   A democracia muito menos é praticada nas instâncias inferiores da justiça, seja no comportamento arrogante, aristocrático e tantas vezes indiferente dos juízes; seja nas próprias vestimentas do foro, que fazem transparecer o simbolismo desse poder oligárquico e descompromissado com os valores da liberdade, igualdade e fraternidade, tão necessários à sociedade contemporânea; seja na burocracia e lerdeza de seus procedimentos jurisdicionais, que somente afastam o conteúdo de suas decisões da verdade e da justiça; mas também pela sínica convicção de serem indivíduos superiores em saberes e direitos em relação aos cidadãos comuns; o fato é que por detrás de cada uma destas práticas rotineiras se verifica o escárnio e assassínio da democracia e das liberdades em geral.
                   A sociedade brasileira não pode passar a limpo seus poderes nem a si própria sem também investigar a fundo os abusos praticados pelo Poder Judiciário, oxigenando as próximas gerações de juízes com pessoas empenhadas na efetivação dos valores democráticos e no dever de prestação de contas igualmente por suas autoridades. O judiciário também deverá estar sujeito a controle externo, por órgão que não possua juízes em sua composição e que tenha a necessária independência para controlar, expurgar e punir ações de vindicta de magistrados contra denúncias, críticas ou simples questionamentos levantados seja pela imprensa, seja mesmo pelo cidadão comum, supostamente detentor da soberania exercida pelos juízes de direito.
                   Afinal, pelo menos em teoria, Rousseau já dizia que o poder (dos juízes, até) emana do povo. Será mesmo?

Jorge Emicles

Nenhum comentário:

Postar um comentário