E
QUEM É O FISCAL DO FISCAL?
A atriz Mônica Iozzi foi recentemente condenada
pela justiça a indenizar um juiz da suprema corte brasileira por questionar a
lisura de uma decisão de sua lavra que concedeu habeas corpus a um estuprador
condenado pela justiça em várias instâncias. Em outro caso também famoso, uma
agente de trânsito igualmente foi judicialmente apenada por haver lavrado auto
de infração contra um juiz de direito. No Paraná, não faz muito tempo, dezenas
de magistrados processaram um veículo de imprensa por haver publicado o
indecente valor da remuneração dos juízes estaduais. Além desses casos famosos
pela repercussão que obtiveram na imprensa há centenas de outros menos
notórios, nos quais não somente juízes, como autoridades de outros poderes, se
valem do Judiciário como instrumento de pressão e punição pela divulgação de
informações ou emissão de opiniões desfavoráveis, a pretexto de controlar os
excessos dos meios de comunicação e resguardar a honra e intimidade contra
ações supostamente descabidas da imprensa em geral.
Para além do abuso patente de certos casos, o que
vem à tona é o perigoso volume de poder concedido aos juízes de direito.
Porquanto o Brasil seja uma nação declaradamente democrática, os valores e
práticas da democracia passam bem ao largo da praxis e dos valores realizados pelo
Poder Judiciário, a começar pela fórmula de escolha dos seus juízes. Afinal, é
simplesmente arbitrária a possibilidade de escolha de todos os juízes dos
nossos tribunais de segunda instância ou instância especial pelo Presidente da
República e Governadores de Estado. Independente do grau de compromissos
espúrios que tenham ou não de assumir os magistrados para serem escolhidos
pelos poderosos de plantão, a fórmula em si mesma de sua ascensão às cortes já
é refratária das liberdades expressadas na declaração de direitos humanos. A
fórmula de escolha em si mesma é um ato de improbidade, pois na melhor das
ponderações, estamos diante de algo imoral.
A democracia muito menos é praticada nas
instâncias inferiores da justiça, seja no comportamento arrogante, aristocrático
e tantas vezes indiferente dos juízes; seja nas próprias vestimentas do foro,
que fazem transparecer o simbolismo desse poder oligárquico e descompromissado
com os valores da liberdade, igualdade e fraternidade, tão necessários à
sociedade contemporânea; seja na burocracia e lerdeza de seus procedimentos
jurisdicionais, que somente afastam o conteúdo de suas decisões da verdade e da
justiça; mas também pela sínica convicção de serem indivíduos superiores em
saberes e direitos em relação aos cidadãos comuns; o fato é que por detrás de
cada uma destas práticas rotineiras se verifica o escárnio e assassínio da
democracia e das liberdades em geral.
A sociedade brasileira não pode passar a limpo
seus poderes nem a si própria sem também investigar a fundo os abusos
praticados pelo Poder Judiciário, oxigenando as próximas gerações de juízes com
pessoas empenhadas na efetivação dos valores democráticos e no dever de
prestação de contas igualmente por suas autoridades. O judiciário também deverá
estar sujeito a controle externo, por órgão que não possua juízes em sua
composição e que tenha a necessária independência para controlar, expurgar e
punir ações de vindicta de magistrados contra denúncias, críticas ou simples
questionamentos levantados seja pela imprensa, seja mesmo pelo cidadão comum,
supostamente detentor da soberania exercida pelos juízes de direito.
Afinal, pelo menos em teoria, Rousseau já dizia
que o poder (dos juízes, até) emana do povo. Será mesmo?
Jorge
Emicles
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