BRASIL,
NUNCA MAIS?
Uma das notícias que marcou a semana foi a de que
foram presos policiais militares acusados de envolvimento na prisão arbitrária,
tortura e morte do ajudante de pedreiro Amarildo. Segundo se relata na imprensa
nacional, o caso se deu por ordem do então comandante da Unidade de Polícia
Pacificadora (UPP) da Rocinha, local onde residia o ajudante de pedreiro.
Também conforme o relato noticioso, o móvel da ação seria a estratégia de
investigação utilizada pelos policiais de torturarem pessoas da comunidade que tivesse
algum tipo de ligação com o tráfico de drogas, objetivando obter informações
privilegiadas que levassem aos grandes criminosos cariocas. É dizer, trata-se
na espécie de fragoroso caso de tortura e morte de um inocente visando a
apuração de fatos criminosos, fazendo inevitável a pergunta: quem são os piores
bandidos, os traficantes ou os militares?
Nos anos setenta da década passada, vieram a tona
uma série de publicações, levadas a efeito em plena ditadura militar, capitaneadas
pelo livro “Brasil: Nuca Mais”, editado sob os auspícios da Conferência
Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB, através das quais se denunciavam
escabrosos casos de tortura outra vez patrocinada pelos militares brasileiros,
que ganhando relevante espaço na mídia internacional, serviu para alavancar
importantes pressões externas, as quais findaram com a queda progressiva da
ditadura militar brasileira, cujo marco final é a eleição indireta de Tancredo
Neves para a presidência. Daí em diante, passou-se a falsa notícia de que a
tortura havia acabado no Brasil, fato claramente desmentido pelo caso Amarildo.
A experiência da advocacia e mesmo pesquisas e até
a vivência empírica nos revela a verdade que não deve ficar calada por trás
deste caso: a tortura sempre existiu no Brasil, mesmo após a queda da ditadura
miliar. A diferença é que naqueles idos torturavam-se também pessoas da classe
média, o que serviu de motivo para a preocupação da CNBB e outras instituições
(como é o caso da OAB), que capitanearam a tarefa de denunciar os abusos.
Agora, encerrado o período de exceção, mesmo estando em vigor uma Constituição
Federal que afirma a tortura como crime hediondo e insuscetível de anistia,
graça ou indulto, ainda existe este abuso na realidade policial. A tortura
persiste sendo uma regular técnica de investigação, tal qual faziam na Idade
Média. A diferença é que atualmente somente os pobres e favelados são vítimas
de suas práticas, por isto o incômodo silêncio dos bispos e advogados. O que
não é verdade é que a tortura tenha algum dia deixado de ser praticada neste
país.
O caso do ajudante de pedreiro Amarildo, ao
contrário do que possam fazer dizer na mídia, não é um caso isolado e atípico,
mas uma prática da polícia carioca e de outros estados, do Ceará inclusive.
Seus responsáveis também não são apenas os policiais que foram ou vierem a ser
presos, mas o próprio Estado, o qual mesmo que pela omissão, tolera quando não
incentiva tais práticas investigativas, pois o que de fato lhes importa é as
estatísticas que apresentarão ao eleitor nas próximas eleições, não o número de
cadáveres que estejam soterrados sob elas. As torturas que se praticam hoje são
tão criminosas e desumanas quanto as do tempo da ditadura militar, com a única
diferença de que suas vítimas hoje não possuem suficiente importância social
para terem seus casos denunciados pela mídia.
Jorge Emicles Pinheiro Paes Barreto
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