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segunda-feira, 24 de dezembro de 2012


REFLEXÕES NATALINAS


                          É uma lástima observar a programação da mídia e perceber o quanto está distorcido o espírito natalino. As propagandas estimulam o consumismo desembestado, induzindo todo o povo de um país em crise a torrar seus recursos nos tradicionais presentes da época, como se fosse realmente da essência do natal a tal distribuição de regalos. A figura central de toda a festa acaba mesmo sendo a do papai Noel, aquele bom velhinho, em trajes siberianos e absolutamente impróprios aos trópicos e de uma tez cuja brancura também não combina com a mestiçagem do Brasil. De Jesus Cristo, que seria o grande homenageado do momento, pouco, quase nada se fala. Será que estamos sendo coerentes?
                          Verdade que os três reis magos, que teriam sido os primeiros visitantes do menino Jesus em sua manjedoura lhe trouxeram presentes. Daí até poderíamos ver algum sentido no costume moderno de trocá-los entre os queridos. A confraternização em si mesma também é algo muito positivo para a sociedade, que na verdade precisa de mais momentos delas ao longo do ano, já tão abarrotado de guerras, revoltas, massacres e outras tantas mais formas de violência. Logo, não é nada mau parar ao final do ano para nos dedicarmos mutuamente ao respeito e ao carinho. Agora também é verdade que a violência neste período arrefece da grande mídia, mas não some dos rincões de miséria que povoam nosso planeta; que um presente até consegue abrir o sorriso de um pobre menino miserável, mas não lhe mata a fome da próxima noite; nem os enfeites de natal tornam as pessoas mais cristãs e humanas e assim mais sensíveis ao desterro que tantos de nós grassa pela miséria, pelas moléstias e pela solidão.
                          De uma vez por todas é chegado o tempo de percebermos, nós as pobres e egocêntricas criaturas humanas, que Jesus não veio à terra, fazendo-se homem como cada um de nós somos, por mero capricho de Deus, que com isso se pretendesse afirmar como Soberano insubstituível do Universo. Na verdade, foram as necessidades humanas, carcomida que então se encontrava na sordidez de seus sentimentos egoísticos e miúdos, que criou a necessidade da vinda daquele que era o Ungido de Deus. Vendo a maneira arrogante e superficial com que a maioria de nós comemora o Natal, robustece a certeza de que tanto quanto há mais de dois mil anos atrás, continuamos precisando das mesmas lições trazidas e deixadas por Jesus, o Cristo.
Jorge Emicles Pinheiro Paes Barreto

quarta-feira, 19 de dezembro de 2012


DIVINAS CHAGAS

Mirar Tua face serena, mesmo diante de situação tão vexatória é acalentar a alma irrequieta, cansada do sofrimento. O Teu martírio é infinitamente superior ao meu e assim mesmo estás terno, consolado com a dor; assim mesmo disseste ao Pai que seja feita a Tua vontade, não a Minha. Quando tiveste medo, foste humano, tanto quanto eu e todos os que sofrem. Ainda assim foste grande, Maior que qualquer mortal possa ter sido. Diante de Teu padecimento, que poderia reclamar do meu? Dói a incisão cirúrgica feita mediante prévia aplicação de anestesia e em ambiente estéril de uma sala de cirurgia? Que dizer então de Tuas chagas, fruto da maldade de pregos enferrujados, alocados pela bruta força do martelo, por puro ódio do despotismo e da ignorância dos homens, a quem sempre e tanto amaste? Fui olvidado pelos que ajudei a ser grandes? Que dizer então de ti, negado três vezes pela Pedra de Tua Igreja? Que dizer, mais, de tanto amor dado por ti e transformado em fogo e sangue de inocentes? Dói minha solidão, meus momentos de tristeza e desolação? Mas que são eles diante dos quarenta dias de fome, sede e tentações que passaste no deserto? Pesam-me as provações trazidas pela vida? As traições, os mil sofrimentos? As infinitas inquietações, as injustiças sofridas, os martírios improváveis, as dores indizíveis, as experiências fracassadas, as palavras mau compreendidas, as promessas descumpridas e tantos, tantos e tantos infortúnios? Que dizer então do peso e humilhação simbolizados pela Tua cruz?
                        Teu Augusto sofrimento, Tua face de dor resignada, mas ainda assim dor, faz-me sentir humano, como Tu, que por Divina bondade também o foste. Tua Via de sacrifício faz-me crer que também eu posso superar a minha. Mas assim o é por mera licença de minha parte. Afinal, não somos iguais. Se foste casto em vida; desde sempre cônscio de Teu superior papel na encenação da vida, eu sempre fui tolo; um tolo míope diante da existência; às vezes me achando menos, às vezes mais diante da realidade das coisas, mas jamais o que realmente deveria ver e ser. Se Tu sempre foste santo; nunca imune, mas incessantemente atento e forte diante das infinitas tentações do pecado; corajoso no combate às armadilhas do inimigo, a quem o nome não se deve pronunciar, eu sempre fui fraco, por regra me entreguei às tentações; me refastelei com prazer diante das centenas de dádivas carnais; não me arrependi de nenhum deles, sequer fingi arrependimento e jamais os confessei a Teus padres; os pecados que a vida não oportunizou cometer, lamentei a chance não aparecida; mas todas as oportunidades que tive, as aproveitei com delicioso sabor. Se Tu foste de inabalável fé diante das mais insalubres situações, eu sempre fui cético. Se Tu sempre foste forte e inexpugnável, eu sempre fui fraco e inglório. Se Tu sempre foste sábio, perfeito compreensor da razão de todas as coisas, eu sempre fui ignorante, e quanto mais quis saber Teus mistérios, menos os compreendi. Se Tu, do alto do Teu sofrimento pediste ao Pai perdão pelos crimes humanos cometidos contra Tu mesmo, eu escarneei aos meus inimigos, impingindo-lhes sofrimentos o quanto pude e não fui capaz de perdoar nem a mim mesmo por minhas nefastas faltas. Assim mesmo, vendo Tua imagem na cruz, Tu permanece terno à minha bruta atitude, como se apesar de tudo estiveste disposto a estender-me as mãos, tal qual fizeste aos romanos e judeus de teu tempo, e pedir perdão pelos meus próprios pecados, afinal de contas sou tolo, não compreendo o que faço, por isso mesmo não gozo verdadeiramente do livre arbítrio.
                        Porém, mesmo vendo tamanha sabedoria e ternura empregados em Tua imagem, não sei se não estaria a praticar espúria idolatria ao te venerar. Não sei mesmo se não cairás enquanto Deus, tal qual sucedeu a tantos outros antes de Ti. Jupter, Deus supremo dos Romanos, que reinava ao teu tempo de vida encarnada virou uma esquecida lenda. Zeus, Deus dos gregos também. O mesmo sucedeu a Rá, Tot e Ozires do Egito. Será então que poderia vir a ser o mesmo Contigo? Será que daqui a outros dois mim anos, se acaso ainda existirmos enquanto espécie humana, ainda reinarás Tu enquanto Supremo Filho da Trindade Santa, ou terão os homens evoluído sua compreensão Divina, criando alguma nova religião ecumênica, na qual te postarão como mestre, sábio ou profeta, não importa, te rebaixando, no entanto da condição de Deus? E dali a outros dois mil anos não serias lembrado apenas como mestre da mesma envergadura de Maomé, Buda, Confúcio e tantos outros? E se assim caminharem as coisas até te tornares uma lenda referenciada em obras especializadas, como se dá hoje com centenas de deuses antigos, mortos já na memória cultural dos povos que as conceberam? Mas, quiçá, tudo isto não tenha a menor importância. Mesmo que te tornes lenda, tua face continuará serena e tua mensagem permanecerá sendo de paz, esperança, sabedoria, perdão, mas sobretudo amor incondicional aos homens; teu exemplo ainda assim, será o da resignação diante das provações, mas também, da esperança da chegada da vitória. É... mesmo que vires uma simples lenda, permanecerás sendo alentador contemplar tua bela e digna face, estuporada de fé e esperança, alimentando com força e determinação nosso próprio sofrimento.

            Per saecula saeculorum, amem! 

Jorge Emicles Pinheiro Paes Barreto

quinta-feira, 13 de dezembro de 2012


HÁ O JOIO E HÁ O TRIGO

É próprio dos fins de governo (muito mais ainda em se tratando do melancólico fim da atual administração do Crato, fragorosamente derrotada pelas urnas e patentemente desacreditada pela massa da população, já tão afligida depois de tantos e sofridos anos de desilusões) achar que não há legados do presente que precisem ser preservados no futuro. Não é pela injustiça, porém, que se corrigirá o padecimento pretérito. Se o atual governo fracassou no mais elementar que seja tratamento à saúde e a outros serviços básicos para com a população, há pelo menos um dado positivo que se pode apresentar como um grande patrimônio para a cidade, anunciando que afinal de contas é possível sim nutrir esperança em um futuro melhor. Trata-se do isolado exemplo do soerguimento da companhia de água e esgotos do Crato, a nossa SAAEC.
                        Quem tem memória recordará que oito anos atrás, a SAAEC era exemplo de má gestão, apresentando-se como uma empresa deficitária, envolvida em corrupção e que prestava um serviço da pior qualidade. Falava-se até mesmo em privatização da sociedade de economia mista, inclusive porque todos os seus administradores até aquele tempo tiveram suas contas desaprovadas pelo Tribunal de Contas dos Municípios, quase que num atestado de que eram, no mínimo, ineptos para gerenciar problema tão complexo. De lá para cá, no entanto, testemunhamos uma profunda e positiva transformação, pois hoje todos os gargalos legais, administrativos e financeiros foram sanados, existindo agora uma empresa hígida, com suas contas em dia, livre de denúncias de corrupção e apta a prestar bons serviços à população. Um levantamento das reclamações sobre falta de água que eram feitos à época e hoje, bastaria para a verificação de que a SAAEC efetivamente encontra-se melhor presentemente que no início do governo que se finda.
                        E tudo isso tem um responsável. Trata-se de uma figura séria e taciturna, por detrás da qual se esconde um competente técnico, cuja honestidade está bem acima da média. E foram exatamente estas características que o permitiram implementar as ações indispensáveis ao saneamento da empresa, pois para trazer a SAAEC de volta à condição de mínima saúde financeira, foi necessário dizer muitos não a políticos e senhoras imponentes da sociedade local, cobrando os serviços que eram prestados (sem os conhecidos favores aos amigos do poder), renegociando as antigas dívidas, que se sabe superam em muito os cinco milhões de reais, fazendo concurso para novos empregados, desembaraçando bens indevidamente onerados (haviam até poços que teriam sido penhorado mediante o conveniente silêncio dos gestores da época) e conseguindo fontes de financiamento para implementar a melhoria e expansão da rede de abastecimento.
                        Eis o perfil e os serviços prestados ao Crato pelo atual presidente da SAAEC, José das Graças Procópio da Silveira cuja história de vida em si mesmo merece respeito, pois trata-se de menino pobre, ex-jogador de futebol que tornou-se engenheiro e participou de muitas importantes obras, dentre as quais sendo a de maior destaque a do canal do trabalhador (aquela famosa obra, construída em tempo recorde quando Ciro Gomes era Governador do Ceará e que salvou Fortaleza do desabastecimento iminente de água). Pois foi ele o eleito para a quase impossível missão de sanear a desregrada empresa de água do Crato. Apesar de todas as dificuldades, conhecidas somente por quem viveu o cotidiano da empresa nos últimos oito anos, conseguiu seu intento, mesmo com a dificuldade extra de ter de enfrentar o preconceito da elite local, pois não era da terra e não prestava favores escusos, dos quais estavam tão mau habituados, e aos quais mesmo se poderá atribuir importante parcela do descalabro da empresa.
                        A história do engenheiro Procópio à frente da SAAEC traz importantes lições aos futuros administradores municipais, notadamente no sentido de que com seriedade, trabalho, zelo, ética, grandeza de espírito para não se deixar tentar pelas armadilhas colocadas pelos próprios aliados e sobretudo com retidão de propósito e de ação, sem se permitir desviar do objetivo central, é sim possível modificar a triste realidade em que vive o Crato. Mas também fica a lição de que esta opção conduzirá a críticas desmedidas, revoltadas até, por parte dos que não puderem mais se beneficiar abusivamente da máquina pública. Sobretudo, se realmente a opção por uma nova dinâmica administrativa for adotada, não se espere gratidão nem reconhecimento. Ainda assim, fica a lição de que é possível fazer o correto.
Jorge Emicles Pinheiro Paes Barreto

sábado, 8 de dezembro de 2012


LIÇÕES DE MATOZINHO

A licença poética é realmente um valioso instrumento capaz de esclarecer uma verdade insofismável, mesmo assim não admitida por ninguém e ao mesmo tempo não ofendendo a quem quer que seja. Assim, faço uso da ficção para falar do cotidiano, apossando-me da bela e genial criação do cratense José Flávio Vieira, em sua hoje já vasta crônica da cidade de Matozinho.
Pois eis que afirma certo historiador local, daqueles que fez da curiosidade intuída a mais séria das ciências, que foram achados escritos inéditos, constantes de atas extraviadas das sessões da Câmara Municipal de Matozinho, além de algumas gravações por meio das quais se flagraram reservadas conversas dos edis, minutos antes da eleição para presidência da Câmara, desapercebidos que o sistema de captação de voz instalado no plenário já havia sem prévio aviso sido ligado. O secretário da Câmara tomara especial cuidado em captar e salvar este importante documento histórico, não bem porque se prestasse a resguardar a memória para a posteridade, mas na verdade buscando vantagens pessoais, sabidamente ilícitas, mas cujas minúcias não nos foram reveladas em pormenores pela nossa fonte, de quem antes de mais nada, atestamos a seriedade e lisura ideológica, pois trata-se do mais imparcial dentre todos os positivistas que conhecemos. Achou tão escabrosa a conversa captada, que nossa fonte revela ainda, teve vergonha de entregá-la ao cronista oficial da cidade, quem já publicou dezenas de textos sobre a bucólica Matozinho. Também não nos cedeu os originais de seus documentos, pela mesma convicção de que não deveriam ser passados à posteridade, haja vista que a bela cidade somente poderia se notabilizar pelos seus personagens engraçados e tipicamente sertanejos, não pelos políticos avarentos e corruptos. Pois, apesar de saber destes documentos, é da fonte oral que arregimentamos o fato aqui sorrateiramente narrado.
                        Pois nos contou a tal valiosa fonte, que de profissão mesmo era boticário em uma cidade próxima, mas que semanalmente visitava Matozinho, que no tal dia, horas antes da eleição da próxima mesa diretora da Câmara, o Vereador Zé Tertúrio, eleito de primeiro mandato, porém mais matreiro que muitos veteranos, chamou os três vereadores de oposição, dos sete empossáveis a um reservado e tacou a argumentar, entre uma bufa e outra – que era barulhenta mas sem potência (mania que teimou muito mas não conseguiu se desfazer nunca) - que era preciso manter a coerência. As brigas ficaram com a eleição, já passada em julgado e por isso irrecorrível. As discordâncias eram só para eleitor ver, pois o que eram mesmo era vereadores eleitos, os legítimos representantes do pobre e carcomido povo de Matozinho. Por isso precisavam permanecer unidos e fortes. Para serem fortes, então, deveriam corrigir a injustiça das urnas, que colocou aos interlocutores de Zé Tertúrio na oposição. Ora, o destino deles não era esse, mas o de serem legítimos co-governantes, juntos do prefeito eleito. A única forma de alcançarem o tal intente era, pois, votando nele mesmo, o próprio Zé Tertúlio, para presidente da Câmara, pois que lhes preservaria as mesmas garapas de sempre, pagas em diárias e assessorias fantasmas, tudo como já eram bem sabedores dos procedimentos respectivos.
                        A linguagem de Zé Tertúrio, matuto pós-graduado que era, não foi bem essa, mas no mais legítimo vernáculo sertanejo, que os antropólogos dizem ser bem próximo do português arcaico do século  XVI (o que, definitivamente não vem ao caso desta narrativa). Também não foi exatamente nestes termos que nos passou a dita fonte, pois nos revelou detalhes mais picantes, os palavrões e gestos proferidos inclusive. Igualmente nos revelou a cara curiosa dos interlocutores do edil, inicialmente demonstrando indiferença, mas aos poucos se deixando convencer, até que ao termo do último argumento estavam todos vencidos por aquelas geniais ideias, que antes de tudo revelavam o gênio administrativo escondido por trás da bonachona figura. Pois sabe que vossa insolência tem toda razão!, foi o que disseram em coro... tamu cum ocê e num abrimo. Vamu a luta, intão, companheiro!
                        Foi assim que, naquele ano já quase esquecido pelo tempo em Matozinho que os vereadores que se elegeram pela situação viraram oposição e os de oposição, até porque estavam mesmo era acostumados com o poder, não relutaram nadinha em virar situação...
                        Ah, a tal fonte também revelou outras histórias macabras de Matozinho, que ficam para outro dia, no entanto...
Jorge Emicles Pinheiro Paes Barreto

segunda-feira, 3 de dezembro de 2012


IDIOSSINCRASIA

 É da própria natureza humana enxergar as coisas de maneira particular, como se ao invés de uma só e inarredável realidade, fossem diversas delas. Eis a idiossincrasia humana, capaz de verificar diferentes conteúdos em um só fato, o que traz a tona uma verdade um tanto irrevelada: a de que as coisas não são exatamente como as vemos, sendo por isso sempre parciais as observações e conclusões que sacamos dos acontecimentos. Bem apropriadas neste contexto a máxima do jornalismo que impõe a verificação das diversas versões sobre os fatos apurados, já pressupondo, assim, a relatividade imanente a todas as verdades.
                        Presente observação conduz à necessidade de uma postura mais humilde de todos nós diante dos fatos do cotidiano. Quantas vezes não buscamos impor nossa realidade em face dos outros, pretendendo sermos mais sábios ou cultos que nosso próximo? Quantas outras não confiamos termos melhores conhecimentos, esquecendo-se completamente da provisoriedade mesmo inerente a todos os postulados humanos? Sobretudo a ciência, como saber, conhece ainda muito pouco da realidade humana e física das coisas. Sobretudo da realidade humana, de maneira que, apesar dos inegáveis avanços que oferece à civilização, ainda não domina todas as leis da natureza. Maiores equívocos ainda comete quando se propõe a infundir-se na natureza etérea do ser humano, pois há muito de nós mesmos que nem os homens nem sua ciência conhecem. Talvez as religiões tenham algo de verdadeiro a apresentar, inclusive naquilo em que são contrastadas pela ciência. Talvez mesmo exista uma potência desconhecida dentro de cada um de nós, fonte ainda não revelada de muitos poderes e artes, razão de muitos fatos que, por ignorância própria a nós mesmos, chamamos genericamente de milagres. Talvez, enfim, os milagres sejam apenas a realização de leis naturais desconhecidas ainda de nós próprios.
                        A conquista do conhecimento, para muito além de uma necessidade humana, é valor inarredável a nossa evolução tanto enquanto espécie quanto indivíduos. Porém, porque somos seres imperfeitos e limitados, será este produto de nossas buscas igualmente restrito a nossas próprias forças. Compreender esta limitação é um grande passo evolutivo, pois colocará no seu verdadeiro patamar a importância do que somos, temos e sabemos: sempre seremos, então, provisórios e relativos.
Jorge Emicles Pinheiro Paes Barreto

sexta-feira, 30 de novembro de 2012


PORQUE SOFREMOS

                     Ao mesmo tempo em que buscamos prazer, o que encontramos pela vida são expiações e sofrimentos os mais variados. Para os espiritualistas, seriam lições; para os materialistas a prova da endêmica desigualdade social e individual dos seres humanos. O que é fato é que sofremos, mas também nos fortalecemos pela dor, que ao final das contas traz sim indeléveis lições daquilo que nos causa sabor ou sofrimento. As leis da natureza se nos apresentam também válidas para a vida e moral que emprenha de sentido esta existência nossa de cada dia, pois resta comprovado que a lei da causa e efeito aplica-se inexoravelmente também às cousas da existência. O mesmo dar-se-ia com a seleção natural, pois que se os fortes sobrepõe-se, primeiro tiveram de passar auguras para tornar-se fortes. Também se os líderes comandam bem, seja uma sociedade organizada e culta, seja um exército cândido de obediência, é porque a dor lhes ensinou de antemão o valor da disciplina e da persistência. Logo, para sermos fortes, primeiro teremos de ser fracos; para sermos sábios, antes teremos de ser tolos e para galgarmos a paz de espírito, de antemão é preciso viver as tormentas da dúvida e da desilusão.
                     No fim, a certeza da experiência empírica (mais sábia de todas as certezas, porque fruto da prática mais lídima, incorrompível e não manipulável) afirma que pouco ou muito o fato indeclinável da vida é que sofremos. Os que sentem menos dor ou são mais astutos observadores ou merecedores de melhores azares que os outros. Porém mesmo estes sofrem e crescem com a dor. Cada dor tem sua potência e o tamanho dela é aquele que lhe emprestemos. Não façamos como Cunegundes, personagem de Voltaire em seu Cândido, que se achava a mais sofrida das criaturas, quando vizinho a si mesma, a velha senhora que placidamente a servia tinha já passados por infortúnios bem piores que o da heroína trôpega do sarcástico romance.
                     Vivamos com obstinação e nos perguntando a cada tropeço o que a vida se oportuniza a nos ensinar e não lamentando os infortúnios que se nos tenham alcançado. Viver sempre valerá a pena, por mais que já tenhamos perdido pessoas e coisas valiosas. Não seremos os únicos a contabilizar estas perdas, pois junto a nós estarão os vencedores, os sábios e os fortes.
Jorge Emicles Pinheiro Paes Barreto

sexta-feira, 23 de novembro de 2012


SOBRE O SENTIDO DO DIREITO


          Numa perspectiva leiga, poder-se-ia definir o direito como o conjunto de normas que regula a vida do homem em sociedade, limitando suas ações ou, em outras palavras, regulando seus direitos e deveres. Com estes termos, muitos grandes juristas concordariam em linhas gerais. Sucede, contudo, que em um sentido rigorosamente científico, o problema do direito não se resolve. Principalmente por não indagar-se a qualidade da norma que regularia a conduta do homem. É dizer: se direito fosse norma, pouco importaria se dita norma conduziria ou não à harmonia social. Seria imperativa por ser o próprio direito. Tal raciocínio gera relevante problema historicamente verificável, o da justificação de regimes autoritários e contrários aos direitos humanos alicerçados no próprio direito. Seria como dizer que o regime nazista da Alemanha (na segunda guerra mundial) é conforme o direito exclusivamente porque se forjou rigorosamente nos termos das leis (normas) então vigentes. Afinal, não há como duvidar que a ascensão ao poder de Hitler se deu pela via do sufrágio. Também seria legítima a ditadura militar brasileira iniciada em 1º de abril de 1964 simplesmente porque houve um Ato Institucional (uma norma, portanto) a justificá-la. Assim, entender o direito como norma, acima até mesmo de extirpar-lhe o caráter propriamente de ciência, conduz a uma incômoda verificação: a de que, por esta forma, a história do direito seria na verdade a história do poder, que é o mesmo que dizer que o direito não é ciência, mas um instrumento das classes dominantes para justificar seu poder e seus arbítrios.
                        No que pese o indeclinável amor de muitos juristas à arcaica visão (que nós pessoalmente chamamos reducionistas) que limita a compreensão do direito à construção da norma, não nos sentimos capazes de devotar amor a tão limitada compreensão de um fenômeno para nós muito mais complexo. Logo, devotamos séria e acadêmica luta na construção de uma nova visão da ciência do espírito (como se costuma nominar o direito), para compreendê-lo (aqui em termos muito sucintos) como o fenômeno da cultura humana destinado a harmonizar a convivência social. Que o direito possui normas não se duvida. Mas também se percebe que a norma é um dado apenas na formação do jurídico (o direito contém a norma, mas é maior que ela). Assim, uma visão completa do direito impõe a percepção de uma gama muita mais ampla de valores, que na verdade dão o sentido (ou o conteúdo propriamente) da norma elaborada no bojo do direito. São estes outros valores, na verdade aqui posta, que tanto constroem quanto impregnam de sentido a norma, que aqui é produto e não causa ou razão do direito.
                        É nesta medida em que conhecimentos aparentemente desligados do jurídico ganham especial relevo na construção do direito. A compreensão do homem sobre si mesmo, galgada pela antropologia; os surdos movimento de acomodação das estirpes sociais, analisados pela sociologia; as acomodações dos interesses ligados ao poder, estudado pela política; as forças irracionais da economia verificados pela economia; as secretas nuances da psique humana desbravadas pela psicologia, transmudam-se em indeclináveis instrumentos na investigação (agora, sim) desta renovada ciência que passa a ser o direito. É tudo isto e muito mais o que tentamos desvendar em nossa Intuição do Direito.

Jorge Emicles Pinheiro Paes Barreto

quarta-feira, 21 de novembro de 2012


VALEU A PENA?
“Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu”.
Fernando Pessoa, Mensagem.

                   Porque somos um movimento, não uma simples chapa, a luta continua! Na mesma medida em que humildemente reconhecemos a soberania da maioria, ínsita que é ao processo democrático, congratulamos com os vitoriosos nas eleições locais e estaduais. Mas continuamos dizendo da necessidade de insuflar os valores das liberdades para transformar a histórica OAB em uma instituição renovada, democrática e aliada da sociedade nas suas lutas mais legítimas, razão porque persistimos afirmando as eleições diretas e a transparência administrativa como caminhos inevitáveis para este fito.
                   Aos amigos de sempre nosso mais sincero muito obrigado. Aos novos que arregimentamos pelo caminho deixamos a convicção de que semeamos bem firme nossas bandeiras de renovação, por onde percorrerão a esperança e persistência dos que por aquelas paragens vierem a estar, fazendo fruir a pujante força do novo que virá. E virá o novo, porque o novo sempre vem. Sobretudo a Deus, agradecemos a consciência e inspiração de compreendermos que o que fica para a história dos homens não é a vitória, mas a tenacidade da luta; não é o engodo do momento, mas a verdade dos sentimentos, revelada somente através do indelével e sábio tempo.
                   Como sempre fizemos, continuaremos firmes na nossa convicção de que é sim possível fazer um mundo melhor, inspirado nos verdadeiros valores da justiça, liberdade e igualdade entre os homens; um lugar onde, enfim, possamos todos ser plenamente felizes. Como então, não teria valido a pena?
Jorge Emicles Pinheiro Paes Barreto
Advogado

O CRATO EM TRÊS TEMPOS
ou
DOS ERROS E DA VERDADE
Jorge Emicles Pinheiro Paes Barreto
Professor URCA

PRIMEIRO TEMPO
A ARROGÂNCIA DO PRESENTE
                        Vendo hoje a triste decadência da antiga e briosa Vila Real do Crato parece até fantasioso dizer, como se deram os fatos, que foi a Comarca mais antiga de todo o interior cearense, de próspero comércio, firme influência política no Estado e alhures e berço de diversas expressões culturais, das mais elaboradas desenvolvidas nos seus colégios e seminário às de raízes populares mais legítimas, a exemplo das bandas cabaçais e reisados. Observar a cidade esburacada e deformada realmente nos induz a desacreditar mesmo que é esta a terra (por nascimento ou adoção) tão amadas de figuras ímpares da história do Brasil, como poder-se-ia dizer de D. Bárbara de Alencar e seus filhos, como o valente herói Tristão Gonçalves ou o velho senador José Martiniano, por sua vez pai do mestre romancista José de Alencar. Não pode mesmo lugar tão desamado por seus administradores e representantes legislativos, eleitos estes do sufrágio, ter já sido declamado pelo ilustre amor de outras ainda mais luzentes figuras, como mais recentemente na história poderíamos falar dos irmãos Miguel e Violeta Arraes, mesmo do atual Governador de Pernambuco, cidadão emérito do Crato, Sr. Eduardo Campos. É tão grande o número de glamorosas figuras que tem algum tipo de relação de honesto afeto à cidade quanto é proporcionalmente o inegável estado de abandono que sofre a terra do Frei Carlos Maria, seu honorífico fundador.
                        Exemplo e símbolo maior do dito abandono, sem dúvidas encontramos no canal do Rio Grangeiro (ou talvez melhor fosse dizer, daquele tenebroso lugar de barreiras em destroços, em eminente risco de desabamento, que oferece real perigo aos passantes, tão assolado como talvez não tivesse ficado se fosse atingido por bombardeiros, ao qual ainda teimamos os cratenses por chamar de canal do Rio Grangeiro). Se ao velho beato José Lourenço se permitisse ver a terrível cena do rio tal qual se encontra hoje é certo que pensaria que as bombas do Caldeirão se replicaram agora em plena cidade do Crato. Antes mesmo tivéssemos sido vítimas de ataque militar, pois assim talvez fóssemos capazes de sensibilizar a indeclinável ajuda humanitária da qual calamitosamente necessita a cidade e seus desolados habitantes.
                        Nem disto os pobres cratenses são capazes. Ao reverso do que a necessidade e o bom senso administrativo imporiam em situação tão urgente, todos os níveis do poder nos abandonaram, tal qual abandona a nave e sua desavisada tripulação o desonesto capitão diante do desastre iminente. O Prefeito se diz sem recursos, mas peca pela omissão de não realizar o possível e incapacidade de manter um mínimo que seja nível de diálogo com as demais esferas de poder. O Governo Estadual peca por haver mal administrado a obra emergencial de recuperação, com evidentes erros de projeto. A União, ao tempo em que de fato deverá apurar as cabíveis responsabilidades, teria o dever moral, humanitário e até mesmo jurídico de amparar os verdadeiros inocentes e únicas vítimas de toda a história, que é a população atingida pelo desastre natural, mas ao mesmo tempo moral e histórico que se abateu sobre aquela que a um longínquo, quase esquecido tempo, já foi a prestigiosa capital da cultura cearense. Só nos resta mesmo pedir a Deus seu providencial socorro!

SEGUNDO TEMPO
A MIOPIA DO PASSADO
                        Para muito além de suas belezas naturais, desde jovem povoado o Crato já apresentava a pujança econômica e cultural que lhe marcaria o passado glamoroso com a mesma intensidade que a saudade dele o presente decadente. Darcy Ribeiro em sua obra O Povo Brasileiro dá vibrante relato da importância regional do comércio local simbolizado pelo ainda raro remanescente prédio da Rede Viação Cearense, definitivamente um dos muito poucos que ainda não foram criminosamente demolidos na cúmplice sombra da omissão do poder público local. Padre Cícero e o milagre de Juazeiro viriam soterrar a soberba arrogância da oligarquia descendente tanto da elite antes canaviera e oligárquica que propriamente revolucionária, quanto do clero romanizado e contrário à igreja popular e missionária do velho Ibiapina, que desta feita em Cícero e seu povoado organizado, disciplinado e casto encontrou o mais legítimo e forte de seus seguidores. Se a Casa de Caridade de Crato e a semente missionária de seu fundador foram tomados pela hierarquia da Igreja, Maria de Araújo e seu estridente milagre transformaram Juazeiro em símbolo da resistência sertaneja ao poder secular da cruz da Igreja e da espada do Estado.
                        Nos mesmos cem anos em que a pequena igreja construída pelo Padre Cícero (a partir da velha capela que encontrou no lugar) cresceu junto com a mesma força da urbe se transmudando o templo na basílica menor e a cidade na metrópole que são uma e outra hoje, o Crato do bacamarteiro Coronel Antonio Luiz se reduziu a esta deplorável cicatriz do pujante centro que fora, com as coisas que tinha (o cratinha, afinal) composto que era por uma vanguarda boêmia, rica, culta e religiosa, de loginquas raízes judias, cuja memória medieval não fora ainda inteiramente esquecida. Enquanto Juazeiro se construiu para a história como o quase único palco do milagre da beata, braço armado da tomada do poder por Floro Bartolomeu e propulsor da economia regional, o Crato se apresentou como sede da resistência da hierarquia romanizada e servil aos interesses da decadente elite econômica e religiosa, que ao termo da centúria ainda braveja a avareza de seus sentimentos e a miupia de sua estreita consciência de mundo, não fazendo questão de arrefecer sequer o confesso rancor ao sucesso da vizinha, a quem atribui a culpa de seu personalíssimo e intransferível fracasso.
                        O criminoso inquérito presidido pelo monsenhor Alexandrino, que se valeu da vil tortura (que a vista da legislação de hoje é típico crime de abuso de autoridade), a retratação do então Padre Quintino, que depois se tornaria primeiro bispo do Crato, que de início atestou ter não somente testemunhado a versão da hóstia em sangue, como dado ele mesmo comunhão à beata e depois capitulou desdizendo absolutamente tudo, o sumisso dos lenços ensangüentados da igreja da Sé de Crato e tantos mais fatos ocorridos nos últimos cento e poucos anos são todos tentativas frustradas pelas quais buscou o Crato destruir o que ao final terminou sendo: a terra do Cearense do século XX.

TERCEIRO TEMPO
OS HERÓIS DECAPITADOS
                        Se é verdade que o Crato desde sua mais tênue idade teve sempre em sua estrutura social uma elite prepotente, egocêntrica, mas ao mesmo tempo muito mau instruída, incompetente mesmo, também o é que por suas ruas históricas também passaram grandes nomes de vanguarda, pessoas visionárias, que compreendiam perfeitamente a importância geopolítica e econômica que os sopés da Chapada do Araripe poderiam ter no desenvolvimento do Ceará, do Nordeste e mesmo do Brasil. A mais dorida verdade, porém, é perceber que os energúmenos venceram a batalha.
                        O próprio Raimundo Borges, intelectual da mais alta e legítima estirpe do Cariri, confessa (Memória Histórica da Comarca do Crato) a injustiça colorida de indisfarçada vingança que foi a condenação e morte por fuzilamento de Pinto Madeira, reconhecido desafeto que era da heróica família Alencar. Mas também houve José Lourenço, expulso de sua concessão de terras dada pelo padrinho de todos os pobres, Padre Cícero, sob o calor do bombardeio que se abateu sobre o Caldeirão. José Marrocos, símbolo maior da intelectualidade cratense de todos os tempos, também amargou do azedo fel da perseguição e incompreensão de seus conterrâneos, e sequer mesmo pôde descansar em paz, pois que mesmo depois de morto ainda não teve seus bens facilmente desvencilhados em favor de quem lhes deixara por abusiva ordem do então Juiz da velha e briosa Comarca de Crato. Nos anos de chumbo da ditadura militar dos anos sessenta e setenta do século passado, também cá houveram os perseguidos do sistema, notadamente estudantes. Nos anos noventa, ciclicamente o mesmo torna a ocorrer.
                        Nos últimos anos, no que pese a incômoda decadência que se abate em toda a cidade, seja na zona rural com suas estradas esburacadas e mal cuidadas, seja na urbe, com suas ruas ainda mais esburacadas, de asfalto deformado e com uma das suas principais avenidas quase toda interditada, como é o que se dá com a avenida do canal, aquela velha elite persiste mais arrogante ainda. Exemplo é o do Prefeito Municipal, que apesar de todas as evidências de desterro, não aceita que a imprensa lhe critique no que quer que seja, processando prontamente tantos quanto não enxerguem a próspera, limpa e bem zelada cidade que ele governa em seus agora já raros discursos.
                        De bom mesmo só ficou a boemia e os artistas populares, todos absolutamente desvinculados daquela elite míope, especialmente dos trôpegos detentores do poder local, a quem historicamente se pode sim atribuir as razões e as culpas de terem transmudado uma das mais célebres cidades cearenses na penúria atual. Agora, só resta mesmo admirar a beleza do passado, pois que o futuro se foi no bonde da história.



PARA ALÉM DO BEM E DO MAL
                           O conteúdo da Carta Política de 1988, especialmente na redação do seu artigo 5º, muito além de representar uma declaração brasileira dos direitos humanos é fruto de uma longa luta histórica dos homens na busca da afirmação de seus direitos fundamentais. O grande marco desta luta sem dúvidas o encontramos na Revolução Francesa de 1789, porém sua formação se deu mediante processo contínuo no qual muitas vidas foram ceifadas e muitas gerações tolhidas do exercício mais básico de seus direitos. A todos eles devemos a moderna posição de respeito indeclinável do ordenamento jurídico brasileiro aos direitos fundamentais, dentre os quais chamamos atenção à primeira geração deles simbolizada pelas diversas formas de liberdade, tanto de ir e vir, mas também de pensar e expressar suas opiniões. Se o francês Rousseu é símbolo desse marco, por certo se contam aos milhares as almas que abdicaram da vida para que possamos nos expressar livremente hoje.
                           Nesta seara, ditas liberdades deverão necessariamente ser compreendidas como os alicerces mais fundamentais da democracia brasileira como um todo e das nossas instituições de uma maneira geral. É dizer que as instituições nacionais, todas por princípio democráticas, existem enquanto mecanismo de formação, aperfeiçoamento e manutenção da democracia mesma, o que equivale a dizer que não representam fim em si mesmo, mas mecanismos necessários à formação do país idealizado pela Constituição Federal. Se assim é, pois então igualmente será preciso reconhecer-se que as autoridades que encarnam as vontades e as ações das instituições nacionais deverão igualmente servir de instrumentos à efetivação dos princípios que forjam a República Federativa do Brasil, dentre os quais destacamos os da cidadania e do pluralismo político, logo da diversidade de opiniões expressamente consagrado, aliás, no art. 5º, IV da predita Constituição.
                           Por isso os detentores dos poderes temporais, incluindo todas as autoridades vinculadas a todos os Poderes dos entes políticos brasileiros (dentre o que incluímos os magistrados e membros do Ministério Público) precisam exercitar suas atribuições imbuídos dos princípios e espírito democráticos, razão porque, tal qual todas as pessoas humanas e na mesma medida que todas as demais autoridades eletivas, deverão resignar-se às críticas que lhe venham a ser lançadas. A imprensa é não somente o grande fiscal das nossas instituições e autoridades, mas também o órgão responsável por lançar na sociedade as sementes das mais profundas reflexões, as quais são indispensáveis ao amadurecimento da nossa democracia e instituições. Autoridade pública que não aceita críticas é no mínimo antidemocrática e quiçá esteja a demonstrar sua indignidade no exercício das respectivas atribuições, que nesta qualidade deverão ser compreendidas como deveres-poderes e não como mera potesta que as tornaria imunes às críticas da sociedade. Na mesma medida, autoridades que lançam mão do constrangimento de ações judiciais enquanto mecanismo de intimidação das pessoas que contra si lançam críticas, são igualmente antidemocráticas e indignas de suas funções.
                           Nossas autoridades em geral e nenhuma delas em especial (repita-se, nem os promotores de justiça) estão acima do bem e do mal, sendo na realidade cidadãos no exercício de poderes, cuja única razão é o cumprimento dos deveres para os quais foram incumbidos. E chega de arrogância, porque neste caso quem findará por pagar o preço será a própria sociedade brasileira...
Jorge Emicles Pinheiro Paes Barreto
Advogado, Professor Universitário e Radialista.

O CANAL DA VERGONHA
Jorge Emicles Pinheiro
                                 No início da década de quarenta, na cidade do Crato, era comum as pessoas se banharem às margens do Rio Grangeiro, que manso acumulava as águas das nascentes do pé da chapada e as direcionava ao rio Salgado, que por sua vez alimentava o Jaguaribe, que morria no mar. Era a diversão, ao final das tardes quentes, de muitas das boas famílias da Vila Real. Hoje somente pensar na imagem de pessoas se banhando no canal do rio Grangeiro simplesmente causa repugnância. Eis um exemplo deplorável, mas ao mesmo tempo induvidoso da catástrofe que a ignorância humana pode causar.
                                 Num tempo onde o homem era ilimitado, que tudo poderia e no qual não cabia consciência do ambiente como um conjunto da vida, que para se preservar exige sustentabilidade, os grandes líderes do Crato na busca da modernidade, literalmente encaixotaram o velho rio, que desde então passou também a ser alimentado com os dejetos da cidade, virando o depósito de todas as podridões da urbe em crescimento. Mau sabiam que o eleito símbolo do progresso na verdade acabaria representando o fracasso de várias gerações de políticos, empresários e pensadores, que na verdade, ajudaram a história a conduzir o Crato para um ostracismo que se infiltrou nas entranhas de seu povo a tal grau que serão preciso mais que várias gerações futuras para apagar-se de sua memória. A sujeira do rio passou também a contaminar a alma do povo cratense, que desde então viveu no mesmo grau do velho Grangeiro, a decadência e a podridão de seguidas e péssimas administrações. O ocaso se formou e chegou.
                                 Não seria de acordo com a verdade a desmemória ao brilhante trabalho realizado pelo ex-prefeito Raimundo Bezerra, quem se incumbiu de encomendar um belíssimo projeto de reurbanização do rio, limpando-o dos dejetos e organizando seu leito. O projeto do saudoso Raimundo Bezerra, além de prever a coleta separada dos esgotos que com a mesma naturalidade da força gravitacional correm para o seu leito, ainda pensou num projeto arquitetônico muito parecido com o idealizado por outro grande cratense, Júlio Saraiva, que já na década de quarenta pensava da necessidade de urbanizar-se o entorno do rio urbano do Crato. Dito projeto, como se percebe, idealizado em harmonioso acordo com as idéias de sustentabilidade e de respeito ao meio ambiente dos tempos contemporâneos, infelizmente somente pôde ser executado anos mais tarde. Pior que tudo, foi executado por um legítimo representante das forças do atraso em Crato, aqueles mesmos que confundiram desenvolvimento com poluição. Por isso não foi nada difícil a deformação do projeto, com a retirada do coletor de esgotos e a baixa qualidade da construção, como hoje é de pública e notória observação. Mas a inauguração foi com estardalhaço e a campanha eleitoral daquele ano trouxe como maior símbolo da administração Walter Peixoto exatamente as obras de reforma e ampliação do canal do rio Grangeiro, as quais ao vultoso preço de mais de cinco milhões de reais na realidade é o símbolo do maior crime ecológico cometido pela administração pública municipal, realizado às claras, financiado com dinheiro público e festejado como um grande feito do ex-prefeito.
                                 Agora que aquela antiga campanha está bastante distante da memória do cidadão (lá se foram mais oito anos), assistimos perplexos aos correligionário do ex-prefeito indo à imprensa, indignados com o atual estado das coisas no canal do rio Grangeiro, culpando ostensivamente o atual prefeito pela bagunça , falta de estrutura, segurança para a população e feiúra do local.

AOS AMIGOS, COM CARINHO
Jorge Emicles Pinheiro 
      Tanto quanto são infinitas as formas de compreender a vida, igualmente são as de enfrentar suas adversidades. Até que estejamos concretamente diante de um obstáculo, em verdade não sabemos de que forma o enfrentaremos. Até que sintamos a dor, não saberemos a verdadeira dimensão do sofrimento.
      É o instinto (talvez vindo de Deus, talvez da mera condição animal) que nos ensina a lutar pela sobrevivência. Por pior que estejam as coisas sempre preservar-se vivo será a melhor saída, mesmo que o sopro de vida que restar não possua mais viço ou qualidade. A esperança é a última que morre: eis um ditado o qual bem poderia representar a eterna luta que somos socialmente treinados a travar com a morte. Pouco importa o sentimento que demos à nossa vida, desde que cotidianamente suplantemos o fantasma e a certeza da morte. Por finitos que sejamos, é na crença da imortalidade que consumimos cada instante de nossa tênue existência.
      Nas dificuldades (nas mais temíveis principalmente) é este o instante que todos os que nos são próximos buscam nos alimentar. A qualquer custo que for, vença a morte, insista na sua própria imortalidade, porque assim estarás evidenciando não apenas sua infinita fortaleza como também alimentando de esperança todo o restante da humanidade.
      Porém, uma vez que são muitas as formas de viver as augrúrias da existência, um dissabor pode ser encarado por infinitas maneiras. Variações que de ordinário dependerão da forma com que se interpreta o mundo, assim como este mesmo mundo reage face a seu sofrimento. Diante da enfermidade, fui cercado pela calorosa luz da compaixão e da amizade; fui encharcado pela inebriante energia do amor sincero, passional mas desinteressado de centenas de pessoas que me infligiram desejos de saúde plena e pronto restabelecimento.
      Quem nada me devia senão estima gratuita me emprestou dessa luz; quem talvez me devesse algo, mas que não poderia ser cobrado em razão do meu próprio estado de fragilidade, sem nada querer pagar igualmente me cedeu desta luz; quem imaginei que pelos descaminhos da vida nem mais se lembrasse de mim, da mesma forma me encandeou desta revigorante luminosidade; de quem não esperava carícias me afagou pelo amor; de quem esperava estas carícias, me as trouxe com muito mais generosidade que merecia; quem decepcionei me afagou com o perdão; quem não pude ajudar, me retribuiu com a solidariedade; quem pouco conhecia, me abraçou com ardor e os antigos e verdadeiros amigos permaneceram incontinenti em apoio.
      Jamais havia sentido energia tão pujante e verdadeira. Nas lágrimas destas centenas de amigos angariei a força do destemor; na honestidade de seus abraços adquiri a coragem da vitória; na fortaleza de suas palavras (escritas ou faladas) a energia da revitalização. É esta a verdadeira alquimia. A chave da pedra filosofal tão empenhadamente buscada pelos antigos filósofos. Tão plena, enfim, estava minha alma desta saborosa energia, que dali seria capaz de enfrentar todos os obstáculos que se pudessem interpor no meu caminho, fossem quais fossem as conseqüências do mal que me afligia.
      A vida, a morte e esta infindável luta pela eternidade passaram a ter nenhuma importância a partir de então. Talvez não houvesse diferença entre uma longa vida e uma morte prematura. Nem uma nem outra condição garantiria a felicidade. O completar-se dessa pujante e luminosa energia proveniente do amor e da amizade, sim, representam o verdadeiro sentido e mistério da vida. Por isto mesmo que pouco importava a vida ou a morte, pois tanto pela vida longa quanto pela breve morte estarei sempre repleto daquela energia vital e eterna que preenche todos os planos da existência, seja material ou não.
      Aos amigos, além destas palavras, somente posso agradecer com o compromisso de distribuir a tantos quanto se apresentem, com o mesmo calor revigorante de que fui já embebido por sua generosa luz.
      Lhes sou profunda e eternamente grato por tudo! Muito obrigado!