O CANAL DA VERGONHA
Jorge
Emicles Pinheiro
No início da
década de quarenta, na cidade do Crato, era comum as pessoas se banharem às
margens do Rio Grangeiro, que manso acumulava as águas das nascentes do pé da
chapada e as direcionava ao rio Salgado, que por sua vez alimentava o
Jaguaribe, que morria no mar. Era a diversão, ao final das tardes quentes, de
muitas das boas famílias da Vila Real. Hoje somente pensar na imagem de pessoas
se banhando no canal do rio Grangeiro simplesmente causa repugnância. Eis um
exemplo deplorável, mas ao mesmo tempo induvidoso da catástrofe que a
ignorância humana pode causar.
Num tempo onde
o homem era ilimitado, que tudo poderia e no qual não cabia consciência do
ambiente como um conjunto da vida, que para se preservar exige
sustentabilidade, os grandes líderes do Crato na busca da modernidade,
literalmente encaixotaram o velho rio, que desde então passou também a ser
alimentado com os dejetos da cidade, virando o depósito de todas as podridões da
urbe em crescimento.
Mau sabiam que o eleito símbolo do progresso na verdade
acabaria representando o fracasso de várias gerações de políticos, empresários e
pensadores, que na verdade, ajudaram a história a conduzir o Crato para um
ostracismo que se infiltrou nas entranhas de seu povo a tal grau que serão
preciso mais que várias gerações futuras para apagar-se de sua memória. A
sujeira do rio passou também a contaminar a alma do povo cratense, que desde
então viveu no mesmo grau do velho Grangeiro, a decadência e a podridão de
seguidas e péssimas administrações. O ocaso se formou e chegou.
Não seria de
acordo com a verdade a desmemória ao brilhante trabalho realizado pelo
ex-prefeito Raimundo Bezerra, quem se incumbiu de encomendar um belíssimo
projeto de reurbanização do rio, limpando-o dos dejetos e organizando seu
leito. O projeto do saudoso Raimundo Bezerra, além de prever a coleta separada
dos esgotos que com a mesma naturalidade da força gravitacional correm para o
seu leito, ainda pensou num projeto arquitetônico muito parecido com o
idealizado por outro grande cratense, Júlio Saraiva, que já na década de
quarenta pensava da necessidade de urbanizar-se o entorno do rio urbano do
Crato. Dito projeto, como se percebe, idealizado em harmonioso acordo com as
idéias de sustentabilidade e de respeito ao meio ambiente dos tempos
contemporâneos, infelizmente somente pôde ser executado anos mais tarde. Pior
que tudo, foi executado por um legítimo representante das forças do atraso em
Crato, aqueles mesmos que confundiram desenvolvimento com poluição. Por isso
não foi nada difícil a deformação do projeto, com a retirada do coletor de
esgotos e a baixa qualidade da construção, como hoje é de pública e notória
observação. Mas a inauguração foi com estardalhaço e a campanha eleitoral
daquele ano trouxe como maior símbolo da administração Walter Peixoto
exatamente as obras de reforma e ampliação do canal do rio Grangeiro, as quais
ao vultoso preço de mais de cinco milhões de reais na realidade é o símbolo do
maior crime ecológico cometido pela administração pública municipal, realizado
às claras, financiado com dinheiro público e festejado como um grande feito do
ex-prefeito.
Agora que
aquela antiga campanha está bastante distante da memória do cidadão (lá se
foram mais oito anos), assistimos perplexos aos correligionário do ex-prefeito
indo à imprensa, indignados com o atual estado das coisas no canal do rio
Grangeiro, culpando ostensivamente o atual prefeito pela bagunça , falta de
estrutura, segurança para a população e feiúra do local.
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