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sexta-feira, 23 de novembro de 2012


SOBRE O SENTIDO DO DIREITO


          Numa perspectiva leiga, poder-se-ia definir o direito como o conjunto de normas que regula a vida do homem em sociedade, limitando suas ações ou, em outras palavras, regulando seus direitos e deveres. Com estes termos, muitos grandes juristas concordariam em linhas gerais. Sucede, contudo, que em um sentido rigorosamente científico, o problema do direito não se resolve. Principalmente por não indagar-se a qualidade da norma que regularia a conduta do homem. É dizer: se direito fosse norma, pouco importaria se dita norma conduziria ou não à harmonia social. Seria imperativa por ser o próprio direito. Tal raciocínio gera relevante problema historicamente verificável, o da justificação de regimes autoritários e contrários aos direitos humanos alicerçados no próprio direito. Seria como dizer que o regime nazista da Alemanha (na segunda guerra mundial) é conforme o direito exclusivamente porque se forjou rigorosamente nos termos das leis (normas) então vigentes. Afinal, não há como duvidar que a ascensão ao poder de Hitler se deu pela via do sufrágio. Também seria legítima a ditadura militar brasileira iniciada em 1º de abril de 1964 simplesmente porque houve um Ato Institucional (uma norma, portanto) a justificá-la. Assim, entender o direito como norma, acima até mesmo de extirpar-lhe o caráter propriamente de ciência, conduz a uma incômoda verificação: a de que, por esta forma, a história do direito seria na verdade a história do poder, que é o mesmo que dizer que o direito não é ciência, mas um instrumento das classes dominantes para justificar seu poder e seus arbítrios.
                        No que pese o indeclinável amor de muitos juristas à arcaica visão (que nós pessoalmente chamamos reducionistas) que limita a compreensão do direito à construção da norma, não nos sentimos capazes de devotar amor a tão limitada compreensão de um fenômeno para nós muito mais complexo. Logo, devotamos séria e acadêmica luta na construção de uma nova visão da ciência do espírito (como se costuma nominar o direito), para compreendê-lo (aqui em termos muito sucintos) como o fenômeno da cultura humana destinado a harmonizar a convivência social. Que o direito possui normas não se duvida. Mas também se percebe que a norma é um dado apenas na formação do jurídico (o direito contém a norma, mas é maior que ela). Assim, uma visão completa do direito impõe a percepção de uma gama muita mais ampla de valores, que na verdade dão o sentido (ou o conteúdo propriamente) da norma elaborada no bojo do direito. São estes outros valores, na verdade aqui posta, que tanto constroem quanto impregnam de sentido a norma, que aqui é produto e não causa ou razão do direito.
                        É nesta medida em que conhecimentos aparentemente desligados do jurídico ganham especial relevo na construção do direito. A compreensão do homem sobre si mesmo, galgada pela antropologia; os surdos movimento de acomodação das estirpes sociais, analisados pela sociologia; as acomodações dos interesses ligados ao poder, estudado pela política; as forças irracionais da economia verificados pela economia; as secretas nuances da psique humana desbravadas pela psicologia, transmudam-se em indeclináveis instrumentos na investigação (agora, sim) desta renovada ciência que passa a ser o direito. É tudo isto e muito mais o que tentamos desvendar em nossa Intuição do Direito.

Jorge Emicles Pinheiro Paes Barreto

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