SOBRE
O SENTIDO DO DIREITO
Numa perspectiva leiga, poder-se-ia definir o
direito como o conjunto de normas que regula a vida do homem em sociedade,
limitando suas ações ou, em outras palavras, regulando seus direitos e deveres.
Com estes termos, muitos grandes juristas concordariam em linhas gerais.
Sucede, contudo, que em um sentido rigorosamente científico, o problema do
direito não se resolve. Principalmente por não indagar-se a qualidade da norma
que regularia a conduta do homem. É dizer: se direito fosse norma, pouco
importaria se dita norma conduziria ou não à harmonia social. Seria imperativa
por ser o próprio direito. Tal raciocínio gera relevante problema
historicamente verificável, o da justificação de regimes autoritários e
contrários aos direitos humanos alicerçados no próprio direito. Seria como
dizer que o regime nazista da Alemanha (na segunda guerra mundial) é conforme o
direito exclusivamente porque se forjou rigorosamente nos termos das leis
(normas) então vigentes. Afinal, não há como duvidar que a ascensão ao poder de
Hitler se deu pela via do sufrágio. Também seria legítima a ditadura militar
brasileira iniciada em 1º de abril de 1964 simplesmente porque houve um Ato
Institucional (uma norma, portanto) a justificá-la. Assim, entender o direito
como norma, acima até mesmo de extirpar-lhe o caráter propriamente de ciência,
conduz a uma incômoda verificação: a de que, por esta forma, a história do
direito seria na verdade a história do poder, que é o mesmo que dizer que o
direito não é ciência, mas um instrumento das classes dominantes para
justificar seu poder e seus arbítrios.
No que pese o indeclinável amor de muitos
juristas à arcaica visão (que nós pessoalmente chamamos reducionistas) que
limita a compreensão do direito à construção da norma, não nos sentimos capazes
de devotar amor a tão limitada compreensão de um fenômeno para nós muito mais
complexo. Logo, devotamos séria e acadêmica luta na construção de uma nova
visão da ciência do espírito (como se costuma nominar o direito), para
compreendê-lo (aqui em termos muito sucintos) como o fenômeno da cultura humana
destinado a harmonizar a convivência social. Que o direito possui normas não se
duvida. Mas também se percebe que a norma é um dado apenas na formação do jurídico
(o direito contém a norma, mas é maior que ela). Assim, uma visão completa do
direito impõe a percepção de uma gama muita mais ampla de valores, que na
verdade dão o sentido (ou o conteúdo propriamente) da norma elaborada no bojo
do direito. São estes outros valores, na verdade aqui posta, que tanto
constroem quanto impregnam de sentido a norma, que aqui é produto e não causa ou
razão do direito.
É nesta medida em que conhecimentos
aparentemente desligados do jurídico ganham especial relevo na construção do
direito. A compreensão do homem sobre si mesmo, galgada pela antropologia; os surdos
movimento de acomodação das estirpes sociais, analisados pela sociologia; as
acomodações dos interesses ligados ao poder, estudado pela política; as forças
irracionais da economia verificados pela economia; as secretas nuances da
psique humana desbravadas pela psicologia, transmudam-se em indeclináveis
instrumentos na investigação (agora, sim) desta renovada ciência que passa a
ser o direito. É tudo isto e muito mais o que tentamos desvendar em nossa
Intuição do Direito.
Jorge Emicles Pinheiro
Paes Barreto
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