DIVINAS CHAGAS
Mirar Tua face serena, mesmo diante de
situação tão vexatória é acalentar a alma irrequieta, cansada do sofrimento. O
Teu martírio é infinitamente superior ao meu e assim mesmo estás terno,
consolado com a dor; assim mesmo disseste ao Pai que seja feita a Tua vontade, não a Minha. Quando tiveste medo, foste
humano, tanto quanto eu e todos os que sofrem. Ainda assim foste grande, Maior
que qualquer mortal possa ter sido. Diante de Teu padecimento, que poderia
reclamar do meu? Dói a incisão cirúrgica feita mediante prévia aplicação de
anestesia e em ambiente estéril de uma sala de cirurgia? Que dizer então de
Tuas chagas, fruto da maldade de pregos enferrujados, alocados pela bruta força
do martelo, por puro ódio do despotismo e da ignorância dos homens, a quem
sempre e tanto amaste? Fui olvidado pelos que ajudei a ser grandes? Que dizer
então de ti, negado três vezes pela Pedra de Tua Igreja? Que dizer, mais, de
tanto amor dado por ti e transformado em fogo e sangue de inocentes? Dói minha
solidão, meus momentos de tristeza e desolação? Mas que são eles diante dos
quarenta dias de fome, sede e tentações que passaste no deserto? Pesam-me as
provações trazidas pela vida? As traições, os mil sofrimentos? As infinitas
inquietações, as injustiças sofridas, os martírios improváveis, as dores
indizíveis, as experiências fracassadas, as palavras mau compreendidas, as
promessas descumpridas e tantos, tantos e tantos infortúnios? Que dizer então
do peso e humilhação simbolizados pela Tua cruz?
Teu Augusto sofrimento, Tua face de dor
resignada, mas ainda assim dor, faz-me sentir humano, como Tu, que por Divina
bondade também o foste. Tua Via de sacrifício faz-me crer que também eu posso
superar a minha. Mas assim o é por mera licença de minha parte. Afinal, não
somos iguais. Se foste casto em vida; desde sempre cônscio de Teu superior
papel na encenação da vida, eu sempre fui tolo; um tolo míope diante da
existência; às vezes me achando menos, às vezes mais diante da realidade das
coisas, mas jamais o que realmente deveria ver e ser. Se Tu sempre foste santo;
nunca imune, mas incessantemente atento e forte diante das infinitas tentações
do pecado; corajoso no combate às armadilhas do inimigo, a quem o nome não se
deve pronunciar, eu sempre fui fraco, por regra me entreguei às tentações; me
refastelei com prazer diante das centenas de dádivas carnais; não me arrependi
de nenhum deles, sequer fingi arrependimento e jamais os confessei a Teus
padres; os pecados que a vida não oportunizou cometer, lamentei a chance não aparecida;
mas todas as oportunidades que tive, as aproveitei com delicioso sabor. Se Tu
foste de inabalável fé diante das mais insalubres situações, eu sempre fui
cético. Se Tu sempre foste forte e inexpugnável, eu sempre fui fraco e
inglório. Se Tu sempre foste sábio, perfeito compreensor da razão de todas as
coisas, eu sempre fui ignorante, e quanto mais quis saber Teus mistérios, menos
os compreendi. Se Tu, do alto do Teu sofrimento pediste ao Pai perdão pelos
crimes humanos cometidos contra Tu mesmo, eu escarneei aos meus inimigos,
impingindo-lhes sofrimentos o quanto pude e não fui capaz de perdoar nem a mim
mesmo por minhas nefastas faltas. Assim mesmo, vendo Tua imagem na cruz, Tu
permanece terno à minha bruta atitude, como se apesar de tudo estiveste
disposto a estender-me as mãos, tal qual fizeste aos romanos e judeus de teu
tempo, e pedir perdão pelos meus próprios pecados, afinal de contas sou tolo,
não compreendo o que faço, por isso mesmo não gozo verdadeiramente do livre
arbítrio.
Porém, mesmo vendo tamanha sabedoria e
ternura empregados em Tua imagem, não sei se não estaria a praticar espúria
idolatria ao te venerar. Não sei mesmo se não cairás enquanto Deus, tal qual
sucedeu a tantos outros antes de Ti. Jupter, Deus supremo dos Romanos, que
reinava ao teu tempo de vida encarnada virou uma esquecida lenda. Zeus, Deus
dos gregos também. O mesmo sucedeu a Rá, Tot e Ozires do Egito. Será então que
poderia vir a ser o mesmo Contigo? Será que daqui a outros dois mim anos, se
acaso ainda existirmos enquanto espécie humana, ainda reinarás Tu enquanto
Supremo Filho da Trindade Santa, ou terão os homens evoluído sua compreensão
Divina, criando alguma nova religião ecumênica, na qual te postarão como
mestre, sábio ou profeta, não importa, te rebaixando, no entanto da condição de
Deus? E dali a outros dois mil anos não serias lembrado apenas como mestre da
mesma envergadura de Maomé, Buda, Confúcio e tantos outros? E se assim
caminharem as coisas até te tornares uma lenda referenciada em obras
especializadas, como se dá hoje com centenas de deuses antigos, mortos já na
memória cultural dos povos que as conceberam? Mas, quiçá, tudo isto não tenha a
menor importância. Mesmo que te tornes lenda, tua face continuará serena e tua
mensagem permanecerá sendo de paz, esperança, sabedoria, perdão, mas sobretudo
amor incondicional aos homens; teu exemplo ainda assim, será o da resignação
diante das provações, mas também, da esperança da chegada da vitória. É...
mesmo que vires uma simples lenda, permanecerás sendo alentador contemplar tua
bela e digna face, estuporada de fé e esperança, alimentando com força e
determinação nosso próprio sofrimento.
Per saecula saeculorum, amem!
Jorge Emicles Pinheiro Paes Barreto
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