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quarta-feira, 19 de dezembro de 2012


DIVINAS CHAGAS

Mirar Tua face serena, mesmo diante de situação tão vexatória é acalentar a alma irrequieta, cansada do sofrimento. O Teu martírio é infinitamente superior ao meu e assim mesmo estás terno, consolado com a dor; assim mesmo disseste ao Pai que seja feita a Tua vontade, não a Minha. Quando tiveste medo, foste humano, tanto quanto eu e todos os que sofrem. Ainda assim foste grande, Maior que qualquer mortal possa ter sido. Diante de Teu padecimento, que poderia reclamar do meu? Dói a incisão cirúrgica feita mediante prévia aplicação de anestesia e em ambiente estéril de uma sala de cirurgia? Que dizer então de Tuas chagas, fruto da maldade de pregos enferrujados, alocados pela bruta força do martelo, por puro ódio do despotismo e da ignorância dos homens, a quem sempre e tanto amaste? Fui olvidado pelos que ajudei a ser grandes? Que dizer então de ti, negado três vezes pela Pedra de Tua Igreja? Que dizer, mais, de tanto amor dado por ti e transformado em fogo e sangue de inocentes? Dói minha solidão, meus momentos de tristeza e desolação? Mas que são eles diante dos quarenta dias de fome, sede e tentações que passaste no deserto? Pesam-me as provações trazidas pela vida? As traições, os mil sofrimentos? As infinitas inquietações, as injustiças sofridas, os martírios improváveis, as dores indizíveis, as experiências fracassadas, as palavras mau compreendidas, as promessas descumpridas e tantos, tantos e tantos infortúnios? Que dizer então do peso e humilhação simbolizados pela Tua cruz?
                        Teu Augusto sofrimento, Tua face de dor resignada, mas ainda assim dor, faz-me sentir humano, como Tu, que por Divina bondade também o foste. Tua Via de sacrifício faz-me crer que também eu posso superar a minha. Mas assim o é por mera licença de minha parte. Afinal, não somos iguais. Se foste casto em vida; desde sempre cônscio de Teu superior papel na encenação da vida, eu sempre fui tolo; um tolo míope diante da existência; às vezes me achando menos, às vezes mais diante da realidade das coisas, mas jamais o que realmente deveria ver e ser. Se Tu sempre foste santo; nunca imune, mas incessantemente atento e forte diante das infinitas tentações do pecado; corajoso no combate às armadilhas do inimigo, a quem o nome não se deve pronunciar, eu sempre fui fraco, por regra me entreguei às tentações; me refastelei com prazer diante das centenas de dádivas carnais; não me arrependi de nenhum deles, sequer fingi arrependimento e jamais os confessei a Teus padres; os pecados que a vida não oportunizou cometer, lamentei a chance não aparecida; mas todas as oportunidades que tive, as aproveitei com delicioso sabor. Se Tu foste de inabalável fé diante das mais insalubres situações, eu sempre fui cético. Se Tu sempre foste forte e inexpugnável, eu sempre fui fraco e inglório. Se Tu sempre foste sábio, perfeito compreensor da razão de todas as coisas, eu sempre fui ignorante, e quanto mais quis saber Teus mistérios, menos os compreendi. Se Tu, do alto do Teu sofrimento pediste ao Pai perdão pelos crimes humanos cometidos contra Tu mesmo, eu escarneei aos meus inimigos, impingindo-lhes sofrimentos o quanto pude e não fui capaz de perdoar nem a mim mesmo por minhas nefastas faltas. Assim mesmo, vendo Tua imagem na cruz, Tu permanece terno à minha bruta atitude, como se apesar de tudo estiveste disposto a estender-me as mãos, tal qual fizeste aos romanos e judeus de teu tempo, e pedir perdão pelos meus próprios pecados, afinal de contas sou tolo, não compreendo o que faço, por isso mesmo não gozo verdadeiramente do livre arbítrio.
                        Porém, mesmo vendo tamanha sabedoria e ternura empregados em Tua imagem, não sei se não estaria a praticar espúria idolatria ao te venerar. Não sei mesmo se não cairás enquanto Deus, tal qual sucedeu a tantos outros antes de Ti. Jupter, Deus supremo dos Romanos, que reinava ao teu tempo de vida encarnada virou uma esquecida lenda. Zeus, Deus dos gregos também. O mesmo sucedeu a Rá, Tot e Ozires do Egito. Será então que poderia vir a ser o mesmo Contigo? Será que daqui a outros dois mim anos, se acaso ainda existirmos enquanto espécie humana, ainda reinarás Tu enquanto Supremo Filho da Trindade Santa, ou terão os homens evoluído sua compreensão Divina, criando alguma nova religião ecumênica, na qual te postarão como mestre, sábio ou profeta, não importa, te rebaixando, no entanto da condição de Deus? E dali a outros dois mil anos não serias lembrado apenas como mestre da mesma envergadura de Maomé, Buda, Confúcio e tantos outros? E se assim caminharem as coisas até te tornares uma lenda referenciada em obras especializadas, como se dá hoje com centenas de deuses antigos, mortos já na memória cultural dos povos que as conceberam? Mas, quiçá, tudo isto não tenha a menor importância. Mesmo que te tornes lenda, tua face continuará serena e tua mensagem permanecerá sendo de paz, esperança, sabedoria, perdão, mas sobretudo amor incondicional aos homens; teu exemplo ainda assim, será o da resignação diante das provações, mas também, da esperança da chegada da vitória. É... mesmo que vires uma simples lenda, permanecerás sendo alentador contemplar tua bela e digna face, estuporada de fé e esperança, alimentando com força e determinação nosso próprio sofrimento.

            Per saecula saeculorum, amem! 

Jorge Emicles Pinheiro Paes Barreto

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