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sábado, 8 de dezembro de 2012


LIÇÕES DE MATOZINHO

A licença poética é realmente um valioso instrumento capaz de esclarecer uma verdade insofismável, mesmo assim não admitida por ninguém e ao mesmo tempo não ofendendo a quem quer que seja. Assim, faço uso da ficção para falar do cotidiano, apossando-me da bela e genial criação do cratense José Flávio Vieira, em sua hoje já vasta crônica da cidade de Matozinho.
Pois eis que afirma certo historiador local, daqueles que fez da curiosidade intuída a mais séria das ciências, que foram achados escritos inéditos, constantes de atas extraviadas das sessões da Câmara Municipal de Matozinho, além de algumas gravações por meio das quais se flagraram reservadas conversas dos edis, minutos antes da eleição para presidência da Câmara, desapercebidos que o sistema de captação de voz instalado no plenário já havia sem prévio aviso sido ligado. O secretário da Câmara tomara especial cuidado em captar e salvar este importante documento histórico, não bem porque se prestasse a resguardar a memória para a posteridade, mas na verdade buscando vantagens pessoais, sabidamente ilícitas, mas cujas minúcias não nos foram reveladas em pormenores pela nossa fonte, de quem antes de mais nada, atestamos a seriedade e lisura ideológica, pois trata-se do mais imparcial dentre todos os positivistas que conhecemos. Achou tão escabrosa a conversa captada, que nossa fonte revela ainda, teve vergonha de entregá-la ao cronista oficial da cidade, quem já publicou dezenas de textos sobre a bucólica Matozinho. Também não nos cedeu os originais de seus documentos, pela mesma convicção de que não deveriam ser passados à posteridade, haja vista que a bela cidade somente poderia se notabilizar pelos seus personagens engraçados e tipicamente sertanejos, não pelos políticos avarentos e corruptos. Pois, apesar de saber destes documentos, é da fonte oral que arregimentamos o fato aqui sorrateiramente narrado.
                        Pois nos contou a tal valiosa fonte, que de profissão mesmo era boticário em uma cidade próxima, mas que semanalmente visitava Matozinho, que no tal dia, horas antes da eleição da próxima mesa diretora da Câmara, o Vereador Zé Tertúrio, eleito de primeiro mandato, porém mais matreiro que muitos veteranos, chamou os três vereadores de oposição, dos sete empossáveis a um reservado e tacou a argumentar, entre uma bufa e outra – que era barulhenta mas sem potência (mania que teimou muito mas não conseguiu se desfazer nunca) - que era preciso manter a coerência. As brigas ficaram com a eleição, já passada em julgado e por isso irrecorrível. As discordâncias eram só para eleitor ver, pois o que eram mesmo era vereadores eleitos, os legítimos representantes do pobre e carcomido povo de Matozinho. Por isso precisavam permanecer unidos e fortes. Para serem fortes, então, deveriam corrigir a injustiça das urnas, que colocou aos interlocutores de Zé Tertúrio na oposição. Ora, o destino deles não era esse, mas o de serem legítimos co-governantes, juntos do prefeito eleito. A única forma de alcançarem o tal intente era, pois, votando nele mesmo, o próprio Zé Tertúlio, para presidente da Câmara, pois que lhes preservaria as mesmas garapas de sempre, pagas em diárias e assessorias fantasmas, tudo como já eram bem sabedores dos procedimentos respectivos.
                        A linguagem de Zé Tertúrio, matuto pós-graduado que era, não foi bem essa, mas no mais legítimo vernáculo sertanejo, que os antropólogos dizem ser bem próximo do português arcaico do século  XVI (o que, definitivamente não vem ao caso desta narrativa). Também não foi exatamente nestes termos que nos passou a dita fonte, pois nos revelou detalhes mais picantes, os palavrões e gestos proferidos inclusive. Igualmente nos revelou a cara curiosa dos interlocutores do edil, inicialmente demonstrando indiferença, mas aos poucos se deixando convencer, até que ao termo do último argumento estavam todos vencidos por aquelas geniais ideias, que antes de tudo revelavam o gênio administrativo escondido por trás da bonachona figura. Pois sabe que vossa insolência tem toda razão!, foi o que disseram em coro... tamu cum ocê e num abrimo. Vamu a luta, intão, companheiro!
                        Foi assim que, naquele ano já quase esquecido pelo tempo em Matozinho que os vereadores que se elegeram pela situação viraram oposição e os de oposição, até porque estavam mesmo era acostumados com o poder, não relutaram nadinha em virar situação...
                        Ah, a tal fonte também revelou outras histórias macabras de Matozinho, que ficam para outro dia, no entanto...
Jorge Emicles Pinheiro Paes Barreto

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