LIÇÕES
DE MATOZINHO
A licença poética é realmente um valioso
instrumento capaz de esclarecer uma verdade insofismável, mesmo assim não
admitida por ninguém e ao mesmo tempo não ofendendo a quem quer que seja.
Assim, faço uso da ficção para falar do cotidiano, apossando-me da bela e
genial criação do cratense José Flávio Vieira, em sua hoje já vasta crônica da
cidade de Matozinho.
Pois eis que afirma certo historiador local,
daqueles que fez da curiosidade intuída a mais séria das ciências, que foram
achados escritos inéditos, constantes de atas extraviadas das sessões da Câmara
Municipal de Matozinho, além de algumas gravações por meio das quais se
flagraram reservadas conversas dos edis, minutos antes da eleição para
presidência da Câmara, desapercebidos que o sistema de captação de voz
instalado no plenário já havia sem prévio aviso sido ligado. O secretário da
Câmara tomara especial cuidado em captar e salvar este importante documento
histórico, não bem porque se prestasse a resguardar a memória para a
posteridade, mas na verdade buscando vantagens pessoais, sabidamente ilícitas,
mas cujas minúcias não nos foram reveladas em pormenores pela nossa fonte, de
quem antes de mais nada, atestamos a seriedade e lisura ideológica, pois
trata-se do mais imparcial dentre todos os positivistas que conhecemos. Achou
tão escabrosa a conversa captada, que nossa fonte revela ainda, teve vergonha
de entregá-la ao cronista oficial da cidade, quem já publicou dezenas de textos
sobre a bucólica Matozinho. Também não nos cedeu os originais de seus
documentos, pela mesma convicção de que não deveriam ser passados à
posteridade, haja vista que a bela cidade somente poderia se notabilizar pelos
seus personagens engraçados e tipicamente sertanejos, não pelos políticos
avarentos e corruptos. Pois, apesar de saber destes documentos, é da fonte oral
que arregimentamos o fato aqui sorrateiramente narrado.
Pois nos contou a tal valiosa fonte, que de
profissão mesmo era boticário em uma cidade próxima, mas que semanalmente
visitava Matozinho, que no tal dia, horas antes da eleição da próxima mesa
diretora da Câmara, o Vereador Zé Tertúrio, eleito de primeiro mandato, porém
mais matreiro que muitos veteranos, chamou os três vereadores de oposição, dos
sete empossáveis a um reservado e tacou a argumentar, entre uma bufa e outra –
que era barulhenta mas sem potência (mania que teimou muito mas não conseguiu
se desfazer nunca) - que era preciso manter a coerência. As brigas ficaram com
a eleição, já passada em julgado e por isso irrecorrível. As discordâncias eram
só para eleitor ver, pois o que eram mesmo era vereadores eleitos, os legítimos
representantes do pobre e carcomido povo de Matozinho. Por isso precisavam
permanecer unidos e fortes. Para serem fortes, então, deveriam corrigir a
injustiça das urnas, que colocou aos interlocutores de Zé Tertúrio na oposição.
Ora, o destino deles não era esse, mas o de serem legítimos co-governantes,
juntos do prefeito eleito. A única forma de alcançarem o tal intente era, pois,
votando nele mesmo, o próprio Zé Tertúlio, para presidente da Câmara, pois que
lhes preservaria as mesmas garapas de sempre, pagas em diárias e assessorias fantasmas,
tudo como já eram bem sabedores dos procedimentos respectivos.
A linguagem de Zé Tertúrio, matuto
pós-graduado que era, não foi bem essa, mas no mais legítimo vernáculo
sertanejo, que os antropólogos dizem ser bem próximo do português arcaico do
século XVI (o que, definitivamente não
vem ao caso desta narrativa). Também não foi exatamente nestes termos que nos
passou a dita fonte, pois nos revelou detalhes mais picantes, os palavrões e
gestos proferidos inclusive. Igualmente nos revelou a cara curiosa dos
interlocutores do edil, inicialmente demonstrando indiferença, mas aos poucos se
deixando convencer, até que ao termo do último argumento estavam todos vencidos
por aquelas geniais ideias, que antes de tudo revelavam o gênio administrativo
escondido por trás da bonachona figura. Pois sabe que vossa insolência tem toda
razão!, foi o que disseram em coro... tamu cum ocê e num abrimo. Vamu a luta,
intão, companheiro!
Foi assim que, naquele ano já quase esquecido
pelo tempo em Matozinho que os vereadores que se elegeram pela situação viraram
oposição e os de oposição, até porque estavam mesmo era acostumados com o
poder, não relutaram nadinha em virar situação...
Ah, a tal fonte também revelou outras
histórias macabras de Matozinho, que ficam para outro dia, no entanto...
Jorge Emicles Pinheiro
Paes Barreto
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