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sexta-feira, 30 de novembro de 2012


PORQUE SOFREMOS

                     Ao mesmo tempo em que buscamos prazer, o que encontramos pela vida são expiações e sofrimentos os mais variados. Para os espiritualistas, seriam lições; para os materialistas a prova da endêmica desigualdade social e individual dos seres humanos. O que é fato é que sofremos, mas também nos fortalecemos pela dor, que ao final das contas traz sim indeléveis lições daquilo que nos causa sabor ou sofrimento. As leis da natureza se nos apresentam também válidas para a vida e moral que emprenha de sentido esta existência nossa de cada dia, pois resta comprovado que a lei da causa e efeito aplica-se inexoravelmente também às cousas da existência. O mesmo dar-se-ia com a seleção natural, pois que se os fortes sobrepõe-se, primeiro tiveram de passar auguras para tornar-se fortes. Também se os líderes comandam bem, seja uma sociedade organizada e culta, seja um exército cândido de obediência, é porque a dor lhes ensinou de antemão o valor da disciplina e da persistência. Logo, para sermos fortes, primeiro teremos de ser fracos; para sermos sábios, antes teremos de ser tolos e para galgarmos a paz de espírito, de antemão é preciso viver as tormentas da dúvida e da desilusão.
                     No fim, a certeza da experiência empírica (mais sábia de todas as certezas, porque fruto da prática mais lídima, incorrompível e não manipulável) afirma que pouco ou muito o fato indeclinável da vida é que sofremos. Os que sentem menos dor ou são mais astutos observadores ou merecedores de melhores azares que os outros. Porém mesmo estes sofrem e crescem com a dor. Cada dor tem sua potência e o tamanho dela é aquele que lhe emprestemos. Não façamos como Cunegundes, personagem de Voltaire em seu Cândido, que se achava a mais sofrida das criaturas, quando vizinho a si mesma, a velha senhora que placidamente a servia tinha já passados por infortúnios bem piores que o da heroína trôpega do sarcástico romance.
                     Vivamos com obstinação e nos perguntando a cada tropeço o que a vida se oportuniza a nos ensinar e não lamentando os infortúnios que se nos tenham alcançado. Viver sempre valerá a pena, por mais que já tenhamos perdido pessoas e coisas valiosas. Não seremos os únicos a contabilizar estas perdas, pois junto a nós estarão os vencedores, os sábios e os fortes.
Jorge Emicles Pinheiro Paes Barreto

sexta-feira, 23 de novembro de 2012


SOBRE O SENTIDO DO DIREITO


          Numa perspectiva leiga, poder-se-ia definir o direito como o conjunto de normas que regula a vida do homem em sociedade, limitando suas ações ou, em outras palavras, regulando seus direitos e deveres. Com estes termos, muitos grandes juristas concordariam em linhas gerais. Sucede, contudo, que em um sentido rigorosamente científico, o problema do direito não se resolve. Principalmente por não indagar-se a qualidade da norma que regularia a conduta do homem. É dizer: se direito fosse norma, pouco importaria se dita norma conduziria ou não à harmonia social. Seria imperativa por ser o próprio direito. Tal raciocínio gera relevante problema historicamente verificável, o da justificação de regimes autoritários e contrários aos direitos humanos alicerçados no próprio direito. Seria como dizer que o regime nazista da Alemanha (na segunda guerra mundial) é conforme o direito exclusivamente porque se forjou rigorosamente nos termos das leis (normas) então vigentes. Afinal, não há como duvidar que a ascensão ao poder de Hitler se deu pela via do sufrágio. Também seria legítima a ditadura militar brasileira iniciada em 1º de abril de 1964 simplesmente porque houve um Ato Institucional (uma norma, portanto) a justificá-la. Assim, entender o direito como norma, acima até mesmo de extirpar-lhe o caráter propriamente de ciência, conduz a uma incômoda verificação: a de que, por esta forma, a história do direito seria na verdade a história do poder, que é o mesmo que dizer que o direito não é ciência, mas um instrumento das classes dominantes para justificar seu poder e seus arbítrios.
                        No que pese o indeclinável amor de muitos juristas à arcaica visão (que nós pessoalmente chamamos reducionistas) que limita a compreensão do direito à construção da norma, não nos sentimos capazes de devotar amor a tão limitada compreensão de um fenômeno para nós muito mais complexo. Logo, devotamos séria e acadêmica luta na construção de uma nova visão da ciência do espírito (como se costuma nominar o direito), para compreendê-lo (aqui em termos muito sucintos) como o fenômeno da cultura humana destinado a harmonizar a convivência social. Que o direito possui normas não se duvida. Mas também se percebe que a norma é um dado apenas na formação do jurídico (o direito contém a norma, mas é maior que ela). Assim, uma visão completa do direito impõe a percepção de uma gama muita mais ampla de valores, que na verdade dão o sentido (ou o conteúdo propriamente) da norma elaborada no bojo do direito. São estes outros valores, na verdade aqui posta, que tanto constroem quanto impregnam de sentido a norma, que aqui é produto e não causa ou razão do direito.
                        É nesta medida em que conhecimentos aparentemente desligados do jurídico ganham especial relevo na construção do direito. A compreensão do homem sobre si mesmo, galgada pela antropologia; os surdos movimento de acomodação das estirpes sociais, analisados pela sociologia; as acomodações dos interesses ligados ao poder, estudado pela política; as forças irracionais da economia verificados pela economia; as secretas nuances da psique humana desbravadas pela psicologia, transmudam-se em indeclináveis instrumentos na investigação (agora, sim) desta renovada ciência que passa a ser o direito. É tudo isto e muito mais o que tentamos desvendar em nossa Intuição do Direito.

Jorge Emicles Pinheiro Paes Barreto

quarta-feira, 21 de novembro de 2012


VALEU A PENA?
“Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu”.
Fernando Pessoa, Mensagem.

                   Porque somos um movimento, não uma simples chapa, a luta continua! Na mesma medida em que humildemente reconhecemos a soberania da maioria, ínsita que é ao processo democrático, congratulamos com os vitoriosos nas eleições locais e estaduais. Mas continuamos dizendo da necessidade de insuflar os valores das liberdades para transformar a histórica OAB em uma instituição renovada, democrática e aliada da sociedade nas suas lutas mais legítimas, razão porque persistimos afirmando as eleições diretas e a transparência administrativa como caminhos inevitáveis para este fito.
                   Aos amigos de sempre nosso mais sincero muito obrigado. Aos novos que arregimentamos pelo caminho deixamos a convicção de que semeamos bem firme nossas bandeiras de renovação, por onde percorrerão a esperança e persistência dos que por aquelas paragens vierem a estar, fazendo fruir a pujante força do novo que virá. E virá o novo, porque o novo sempre vem. Sobretudo a Deus, agradecemos a consciência e inspiração de compreendermos que o que fica para a história dos homens não é a vitória, mas a tenacidade da luta; não é o engodo do momento, mas a verdade dos sentimentos, revelada somente através do indelével e sábio tempo.
                   Como sempre fizemos, continuaremos firmes na nossa convicção de que é sim possível fazer um mundo melhor, inspirado nos verdadeiros valores da justiça, liberdade e igualdade entre os homens; um lugar onde, enfim, possamos todos ser plenamente felizes. Como então, não teria valido a pena?
Jorge Emicles Pinheiro Paes Barreto
Advogado

O CRATO EM TRÊS TEMPOS
ou
DOS ERROS E DA VERDADE
Jorge Emicles Pinheiro Paes Barreto
Professor URCA

PRIMEIRO TEMPO
A ARROGÂNCIA DO PRESENTE
                        Vendo hoje a triste decadência da antiga e briosa Vila Real do Crato parece até fantasioso dizer, como se deram os fatos, que foi a Comarca mais antiga de todo o interior cearense, de próspero comércio, firme influência política no Estado e alhures e berço de diversas expressões culturais, das mais elaboradas desenvolvidas nos seus colégios e seminário às de raízes populares mais legítimas, a exemplo das bandas cabaçais e reisados. Observar a cidade esburacada e deformada realmente nos induz a desacreditar mesmo que é esta a terra (por nascimento ou adoção) tão amadas de figuras ímpares da história do Brasil, como poder-se-ia dizer de D. Bárbara de Alencar e seus filhos, como o valente herói Tristão Gonçalves ou o velho senador José Martiniano, por sua vez pai do mestre romancista José de Alencar. Não pode mesmo lugar tão desamado por seus administradores e representantes legislativos, eleitos estes do sufrágio, ter já sido declamado pelo ilustre amor de outras ainda mais luzentes figuras, como mais recentemente na história poderíamos falar dos irmãos Miguel e Violeta Arraes, mesmo do atual Governador de Pernambuco, cidadão emérito do Crato, Sr. Eduardo Campos. É tão grande o número de glamorosas figuras que tem algum tipo de relação de honesto afeto à cidade quanto é proporcionalmente o inegável estado de abandono que sofre a terra do Frei Carlos Maria, seu honorífico fundador.
                        Exemplo e símbolo maior do dito abandono, sem dúvidas encontramos no canal do Rio Grangeiro (ou talvez melhor fosse dizer, daquele tenebroso lugar de barreiras em destroços, em eminente risco de desabamento, que oferece real perigo aos passantes, tão assolado como talvez não tivesse ficado se fosse atingido por bombardeiros, ao qual ainda teimamos os cratenses por chamar de canal do Rio Grangeiro). Se ao velho beato José Lourenço se permitisse ver a terrível cena do rio tal qual se encontra hoje é certo que pensaria que as bombas do Caldeirão se replicaram agora em plena cidade do Crato. Antes mesmo tivéssemos sido vítimas de ataque militar, pois assim talvez fóssemos capazes de sensibilizar a indeclinável ajuda humanitária da qual calamitosamente necessita a cidade e seus desolados habitantes.
                        Nem disto os pobres cratenses são capazes. Ao reverso do que a necessidade e o bom senso administrativo imporiam em situação tão urgente, todos os níveis do poder nos abandonaram, tal qual abandona a nave e sua desavisada tripulação o desonesto capitão diante do desastre iminente. O Prefeito se diz sem recursos, mas peca pela omissão de não realizar o possível e incapacidade de manter um mínimo que seja nível de diálogo com as demais esferas de poder. O Governo Estadual peca por haver mal administrado a obra emergencial de recuperação, com evidentes erros de projeto. A União, ao tempo em que de fato deverá apurar as cabíveis responsabilidades, teria o dever moral, humanitário e até mesmo jurídico de amparar os verdadeiros inocentes e únicas vítimas de toda a história, que é a população atingida pelo desastre natural, mas ao mesmo tempo moral e histórico que se abateu sobre aquela que a um longínquo, quase esquecido tempo, já foi a prestigiosa capital da cultura cearense. Só nos resta mesmo pedir a Deus seu providencial socorro!

SEGUNDO TEMPO
A MIOPIA DO PASSADO
                        Para muito além de suas belezas naturais, desde jovem povoado o Crato já apresentava a pujança econômica e cultural que lhe marcaria o passado glamoroso com a mesma intensidade que a saudade dele o presente decadente. Darcy Ribeiro em sua obra O Povo Brasileiro dá vibrante relato da importância regional do comércio local simbolizado pelo ainda raro remanescente prédio da Rede Viação Cearense, definitivamente um dos muito poucos que ainda não foram criminosamente demolidos na cúmplice sombra da omissão do poder público local. Padre Cícero e o milagre de Juazeiro viriam soterrar a soberba arrogância da oligarquia descendente tanto da elite antes canaviera e oligárquica que propriamente revolucionária, quanto do clero romanizado e contrário à igreja popular e missionária do velho Ibiapina, que desta feita em Cícero e seu povoado organizado, disciplinado e casto encontrou o mais legítimo e forte de seus seguidores. Se a Casa de Caridade de Crato e a semente missionária de seu fundador foram tomados pela hierarquia da Igreja, Maria de Araújo e seu estridente milagre transformaram Juazeiro em símbolo da resistência sertaneja ao poder secular da cruz da Igreja e da espada do Estado.
                        Nos mesmos cem anos em que a pequena igreja construída pelo Padre Cícero (a partir da velha capela que encontrou no lugar) cresceu junto com a mesma força da urbe se transmudando o templo na basílica menor e a cidade na metrópole que são uma e outra hoje, o Crato do bacamarteiro Coronel Antonio Luiz se reduziu a esta deplorável cicatriz do pujante centro que fora, com as coisas que tinha (o cratinha, afinal) composto que era por uma vanguarda boêmia, rica, culta e religiosa, de loginquas raízes judias, cuja memória medieval não fora ainda inteiramente esquecida. Enquanto Juazeiro se construiu para a história como o quase único palco do milagre da beata, braço armado da tomada do poder por Floro Bartolomeu e propulsor da economia regional, o Crato se apresentou como sede da resistência da hierarquia romanizada e servil aos interesses da decadente elite econômica e religiosa, que ao termo da centúria ainda braveja a avareza de seus sentimentos e a miupia de sua estreita consciência de mundo, não fazendo questão de arrefecer sequer o confesso rancor ao sucesso da vizinha, a quem atribui a culpa de seu personalíssimo e intransferível fracasso.
                        O criminoso inquérito presidido pelo monsenhor Alexandrino, que se valeu da vil tortura (que a vista da legislação de hoje é típico crime de abuso de autoridade), a retratação do então Padre Quintino, que depois se tornaria primeiro bispo do Crato, que de início atestou ter não somente testemunhado a versão da hóstia em sangue, como dado ele mesmo comunhão à beata e depois capitulou desdizendo absolutamente tudo, o sumisso dos lenços ensangüentados da igreja da Sé de Crato e tantos mais fatos ocorridos nos últimos cento e poucos anos são todos tentativas frustradas pelas quais buscou o Crato destruir o que ao final terminou sendo: a terra do Cearense do século XX.

TERCEIRO TEMPO
OS HERÓIS DECAPITADOS
                        Se é verdade que o Crato desde sua mais tênue idade teve sempre em sua estrutura social uma elite prepotente, egocêntrica, mas ao mesmo tempo muito mau instruída, incompetente mesmo, também o é que por suas ruas históricas também passaram grandes nomes de vanguarda, pessoas visionárias, que compreendiam perfeitamente a importância geopolítica e econômica que os sopés da Chapada do Araripe poderiam ter no desenvolvimento do Ceará, do Nordeste e mesmo do Brasil. A mais dorida verdade, porém, é perceber que os energúmenos venceram a batalha.
                        O próprio Raimundo Borges, intelectual da mais alta e legítima estirpe do Cariri, confessa (Memória Histórica da Comarca do Crato) a injustiça colorida de indisfarçada vingança que foi a condenação e morte por fuzilamento de Pinto Madeira, reconhecido desafeto que era da heróica família Alencar. Mas também houve José Lourenço, expulso de sua concessão de terras dada pelo padrinho de todos os pobres, Padre Cícero, sob o calor do bombardeio que se abateu sobre o Caldeirão. José Marrocos, símbolo maior da intelectualidade cratense de todos os tempos, também amargou do azedo fel da perseguição e incompreensão de seus conterrâneos, e sequer mesmo pôde descansar em paz, pois que mesmo depois de morto ainda não teve seus bens facilmente desvencilhados em favor de quem lhes deixara por abusiva ordem do então Juiz da velha e briosa Comarca de Crato. Nos anos de chumbo da ditadura militar dos anos sessenta e setenta do século passado, também cá houveram os perseguidos do sistema, notadamente estudantes. Nos anos noventa, ciclicamente o mesmo torna a ocorrer.
                        Nos últimos anos, no que pese a incômoda decadência que se abate em toda a cidade, seja na zona rural com suas estradas esburacadas e mal cuidadas, seja na urbe, com suas ruas ainda mais esburacadas, de asfalto deformado e com uma das suas principais avenidas quase toda interditada, como é o que se dá com a avenida do canal, aquela velha elite persiste mais arrogante ainda. Exemplo é o do Prefeito Municipal, que apesar de todas as evidências de desterro, não aceita que a imprensa lhe critique no que quer que seja, processando prontamente tantos quanto não enxerguem a próspera, limpa e bem zelada cidade que ele governa em seus agora já raros discursos.
                        De bom mesmo só ficou a boemia e os artistas populares, todos absolutamente desvinculados daquela elite míope, especialmente dos trôpegos detentores do poder local, a quem historicamente se pode sim atribuir as razões e as culpas de terem transmudado uma das mais célebres cidades cearenses na penúria atual. Agora, só resta mesmo admirar a beleza do passado, pois que o futuro se foi no bonde da história.



PARA ALÉM DO BEM E DO MAL
                           O conteúdo da Carta Política de 1988, especialmente na redação do seu artigo 5º, muito além de representar uma declaração brasileira dos direitos humanos é fruto de uma longa luta histórica dos homens na busca da afirmação de seus direitos fundamentais. O grande marco desta luta sem dúvidas o encontramos na Revolução Francesa de 1789, porém sua formação se deu mediante processo contínuo no qual muitas vidas foram ceifadas e muitas gerações tolhidas do exercício mais básico de seus direitos. A todos eles devemos a moderna posição de respeito indeclinável do ordenamento jurídico brasileiro aos direitos fundamentais, dentre os quais chamamos atenção à primeira geração deles simbolizada pelas diversas formas de liberdade, tanto de ir e vir, mas também de pensar e expressar suas opiniões. Se o francês Rousseu é símbolo desse marco, por certo se contam aos milhares as almas que abdicaram da vida para que possamos nos expressar livremente hoje.
                           Nesta seara, ditas liberdades deverão necessariamente ser compreendidas como os alicerces mais fundamentais da democracia brasileira como um todo e das nossas instituições de uma maneira geral. É dizer que as instituições nacionais, todas por princípio democráticas, existem enquanto mecanismo de formação, aperfeiçoamento e manutenção da democracia mesma, o que equivale a dizer que não representam fim em si mesmo, mas mecanismos necessários à formação do país idealizado pela Constituição Federal. Se assim é, pois então igualmente será preciso reconhecer-se que as autoridades que encarnam as vontades e as ações das instituições nacionais deverão igualmente servir de instrumentos à efetivação dos princípios que forjam a República Federativa do Brasil, dentre os quais destacamos os da cidadania e do pluralismo político, logo da diversidade de opiniões expressamente consagrado, aliás, no art. 5º, IV da predita Constituição.
                           Por isso os detentores dos poderes temporais, incluindo todas as autoridades vinculadas a todos os Poderes dos entes políticos brasileiros (dentre o que incluímos os magistrados e membros do Ministério Público) precisam exercitar suas atribuições imbuídos dos princípios e espírito democráticos, razão porque, tal qual todas as pessoas humanas e na mesma medida que todas as demais autoridades eletivas, deverão resignar-se às críticas que lhe venham a ser lançadas. A imprensa é não somente o grande fiscal das nossas instituições e autoridades, mas também o órgão responsável por lançar na sociedade as sementes das mais profundas reflexões, as quais são indispensáveis ao amadurecimento da nossa democracia e instituições. Autoridade pública que não aceita críticas é no mínimo antidemocrática e quiçá esteja a demonstrar sua indignidade no exercício das respectivas atribuições, que nesta qualidade deverão ser compreendidas como deveres-poderes e não como mera potesta que as tornaria imunes às críticas da sociedade. Na mesma medida, autoridades que lançam mão do constrangimento de ações judiciais enquanto mecanismo de intimidação das pessoas que contra si lançam críticas, são igualmente antidemocráticas e indignas de suas funções.
                           Nossas autoridades em geral e nenhuma delas em especial (repita-se, nem os promotores de justiça) estão acima do bem e do mal, sendo na realidade cidadãos no exercício de poderes, cuja única razão é o cumprimento dos deveres para os quais foram incumbidos. E chega de arrogância, porque neste caso quem findará por pagar o preço será a própria sociedade brasileira...
Jorge Emicles Pinheiro Paes Barreto
Advogado, Professor Universitário e Radialista.

O CANAL DA VERGONHA
Jorge Emicles Pinheiro
                                 No início da década de quarenta, na cidade do Crato, era comum as pessoas se banharem às margens do Rio Grangeiro, que manso acumulava as águas das nascentes do pé da chapada e as direcionava ao rio Salgado, que por sua vez alimentava o Jaguaribe, que morria no mar. Era a diversão, ao final das tardes quentes, de muitas das boas famílias da Vila Real. Hoje somente pensar na imagem de pessoas se banhando no canal do rio Grangeiro simplesmente causa repugnância. Eis um exemplo deplorável, mas ao mesmo tempo induvidoso da catástrofe que a ignorância humana pode causar.
                                 Num tempo onde o homem era ilimitado, que tudo poderia e no qual não cabia consciência do ambiente como um conjunto da vida, que para se preservar exige sustentabilidade, os grandes líderes do Crato na busca da modernidade, literalmente encaixotaram o velho rio, que desde então passou também a ser alimentado com os dejetos da cidade, virando o depósito de todas as podridões da urbe em crescimento. Mau sabiam que o eleito símbolo do progresso na verdade acabaria representando o fracasso de várias gerações de políticos, empresários e pensadores, que na verdade, ajudaram a história a conduzir o Crato para um ostracismo que se infiltrou nas entranhas de seu povo a tal grau que serão preciso mais que várias gerações futuras para apagar-se de sua memória. A sujeira do rio passou também a contaminar a alma do povo cratense, que desde então viveu no mesmo grau do velho Grangeiro, a decadência e a podridão de seguidas e péssimas administrações. O ocaso se formou e chegou.
                                 Não seria de acordo com a verdade a desmemória ao brilhante trabalho realizado pelo ex-prefeito Raimundo Bezerra, quem se incumbiu de encomendar um belíssimo projeto de reurbanização do rio, limpando-o dos dejetos e organizando seu leito. O projeto do saudoso Raimundo Bezerra, além de prever a coleta separada dos esgotos que com a mesma naturalidade da força gravitacional correm para o seu leito, ainda pensou num projeto arquitetônico muito parecido com o idealizado por outro grande cratense, Júlio Saraiva, que já na década de quarenta pensava da necessidade de urbanizar-se o entorno do rio urbano do Crato. Dito projeto, como se percebe, idealizado em harmonioso acordo com as idéias de sustentabilidade e de respeito ao meio ambiente dos tempos contemporâneos, infelizmente somente pôde ser executado anos mais tarde. Pior que tudo, foi executado por um legítimo representante das forças do atraso em Crato, aqueles mesmos que confundiram desenvolvimento com poluição. Por isso não foi nada difícil a deformação do projeto, com a retirada do coletor de esgotos e a baixa qualidade da construção, como hoje é de pública e notória observação. Mas a inauguração foi com estardalhaço e a campanha eleitoral daquele ano trouxe como maior símbolo da administração Walter Peixoto exatamente as obras de reforma e ampliação do canal do rio Grangeiro, as quais ao vultoso preço de mais de cinco milhões de reais na realidade é o símbolo do maior crime ecológico cometido pela administração pública municipal, realizado às claras, financiado com dinheiro público e festejado como um grande feito do ex-prefeito.
                                 Agora que aquela antiga campanha está bastante distante da memória do cidadão (lá se foram mais oito anos), assistimos perplexos aos correligionário do ex-prefeito indo à imprensa, indignados com o atual estado das coisas no canal do rio Grangeiro, culpando ostensivamente o atual prefeito pela bagunça , falta de estrutura, segurança para a população e feiúra do local.

AOS AMIGOS, COM CARINHO
Jorge Emicles Pinheiro 
      Tanto quanto são infinitas as formas de compreender a vida, igualmente são as de enfrentar suas adversidades. Até que estejamos concretamente diante de um obstáculo, em verdade não sabemos de que forma o enfrentaremos. Até que sintamos a dor, não saberemos a verdadeira dimensão do sofrimento.
      É o instinto (talvez vindo de Deus, talvez da mera condição animal) que nos ensina a lutar pela sobrevivência. Por pior que estejam as coisas sempre preservar-se vivo será a melhor saída, mesmo que o sopro de vida que restar não possua mais viço ou qualidade. A esperança é a última que morre: eis um ditado o qual bem poderia representar a eterna luta que somos socialmente treinados a travar com a morte. Pouco importa o sentimento que demos à nossa vida, desde que cotidianamente suplantemos o fantasma e a certeza da morte. Por finitos que sejamos, é na crença da imortalidade que consumimos cada instante de nossa tênue existência.
      Nas dificuldades (nas mais temíveis principalmente) é este o instante que todos os que nos são próximos buscam nos alimentar. A qualquer custo que for, vença a morte, insista na sua própria imortalidade, porque assim estarás evidenciando não apenas sua infinita fortaleza como também alimentando de esperança todo o restante da humanidade.
      Porém, uma vez que são muitas as formas de viver as augrúrias da existência, um dissabor pode ser encarado por infinitas maneiras. Variações que de ordinário dependerão da forma com que se interpreta o mundo, assim como este mesmo mundo reage face a seu sofrimento. Diante da enfermidade, fui cercado pela calorosa luz da compaixão e da amizade; fui encharcado pela inebriante energia do amor sincero, passional mas desinteressado de centenas de pessoas que me infligiram desejos de saúde plena e pronto restabelecimento.
      Quem nada me devia senão estima gratuita me emprestou dessa luz; quem talvez me devesse algo, mas que não poderia ser cobrado em razão do meu próprio estado de fragilidade, sem nada querer pagar igualmente me cedeu desta luz; quem imaginei que pelos descaminhos da vida nem mais se lembrasse de mim, da mesma forma me encandeou desta revigorante luminosidade; de quem não esperava carícias me afagou pelo amor; de quem esperava estas carícias, me as trouxe com muito mais generosidade que merecia; quem decepcionei me afagou com o perdão; quem não pude ajudar, me retribuiu com a solidariedade; quem pouco conhecia, me abraçou com ardor e os antigos e verdadeiros amigos permaneceram incontinenti em apoio.
      Jamais havia sentido energia tão pujante e verdadeira. Nas lágrimas destas centenas de amigos angariei a força do destemor; na honestidade de seus abraços adquiri a coragem da vitória; na fortaleza de suas palavras (escritas ou faladas) a energia da revitalização. É esta a verdadeira alquimia. A chave da pedra filosofal tão empenhadamente buscada pelos antigos filósofos. Tão plena, enfim, estava minha alma desta saborosa energia, que dali seria capaz de enfrentar todos os obstáculos que se pudessem interpor no meu caminho, fossem quais fossem as conseqüências do mal que me afligia.
      A vida, a morte e esta infindável luta pela eternidade passaram a ter nenhuma importância a partir de então. Talvez não houvesse diferença entre uma longa vida e uma morte prematura. Nem uma nem outra condição garantiria a felicidade. O completar-se dessa pujante e luminosa energia proveniente do amor e da amizade, sim, representam o verdadeiro sentido e mistério da vida. Por isto mesmo que pouco importava a vida ou a morte, pois tanto pela vida longa quanto pela breve morte estarei sempre repleto daquela energia vital e eterna que preenche todos os planos da existência, seja material ou não.
      Aos amigos, além destas palavras, somente posso agradecer com o compromisso de distribuir a tantos quanto se apresentem, com o mesmo calor revigorante de que fui já embebido por sua generosa luz.
      Lhes sou profunda e eternamente grato por tudo! Muito obrigado!