CERIMÔNIA DE OUTORGA DA MEDALHA FIDERALINA AUGUSTO LIMA, CONCEDIDA PELA ACADEMIA LAVRENSE DE LETRAS (ALL) A OTONITE CORTEZ E DIVANI CABRAL, POR OCASIÃO DA ABERTURA DOS DEZ ANOS DO CARIRI CANGAÇO - DISCURSO DE APRESENTAÇÃO DAS HOMENAGEADAS
Vem da tradição mais remota do Cariri, ser esta
terra de lutas e cultura. Nascida da primeva guerra entre brancos e índios, que
em parte devastou o valente povo de cara triste, os Kariris, mas em parte
também os acolheu como componente indelével de sua rica cultura, a região sul
do Ceará sempre se destacou desde o seu berço mais remoto.
Entre o final do século XIX e primeiras décadas do
século XX, ganhou corpo no Brasil inteiro, mas com destacada força nessa
região, o chamado período dos coronéis, nascido no final do império e
fortalecido durante toda a primeira república brasileira. O Cariri cearense
novamente ganha relevo nessa impotente fase da história nacional. É esse o
tempo dos coronéis, seus cabras e também dos cangaceiros, outro fenômeno social
brasileiro que fincou profundas raízes na região.
Nesse período conviveram figuras aparentemente
antagônicas, talvez até inconciliáveis na narrativa de alguma ficção que,
contudo, na realidade de nossa historiografia, coexistiram muitas vezes
pacificamente, visando objetivos comuns, mas noutras se engalfinhando nas
lendárias guerras locais, entre as forças públicas e os cangaceiros; entre os
coronéis e os cangaceiros e entre os coronéis uns com os outros. É nesse
cenário conturbado que surgem figuras surreais, como Lampião e seu bando, padre
Cícero e seu tino peculiar para o misticismo, a política e os negócios. E
também a lendária dona Fideralina Augusto Lima, mandatária maior de toda a
região do Vale do Salgado. Mulher que mandava nas coisas da política e nos
homens num tempo em que as mulheres sequer direito ao voto possuíam.
É essa a figura justamente homenageada pela
Academia Lavrense de Letras ao criar uma medalha com seu nome.
Em parceria com o Instituto Cultural do Cariri,
este último, instituição que congregou os primeiros estudiosos da nossa rica
região, vem a Academia Lavrense de Letras reconhecer nessa memorável data a
grandeza da mulher caririense, outorgando a medalha dona Fideralina Augusto
Lima e duas grandes mulheres nascidas na região. Se tratam de Otonite Cortez e
Divani Cabral. Sem dúvida, dois importantes símbolos do destacado lugar
conquistado pela mulher caririense, desde os remotos tempos de dona Fideralina,
de Lavras da Mangabeira.
Antonia Otonite de Oliveira Cortez é nascida em
Cariús, mas foi em Várzea Alegre, no seio de sua família, formada por seus pais
e quatro irmãos, onde foi criada e viveu até os vinte e dois anos de idade.
Desde cedo se destacou como uma grande educadora. Foi egressa da antiga
Faculdade de Filosofia do Crato, sementeira cultivada pela diocese local e que
vingaria na atual Universidade Regional do Cariri – URCA, de importância
fundamental ao desenvolvimento regional. Nessa qualidade, é parte do time de
fundadores da instituição, à qual se dedicou com elevado esmero desde os seus
primeiros anos, até a atualidade.
Foi e é importante professora do departamento de
História da URCA, mas também ocupou os mais destacados cargos da instituição,
passando desde Coordenação de seu curso até a reitoria da instituição, ocupando
ainda no interstício entre um e outro cargo, diferentes funções institucionais,
dentre as quais é importante destacar, a Comissão Executiva do Vestibular, a presidência
da Comissão Permanente de Pessoal Docente, membro de ambos os Conselhos
Superiores da Universidade e membro da Comissão Responsável pela elaboração do
Plano de Cargos, Carreiras e Vencimentos das três Universidades Estaduais do
Ceará, trabalho este que se transformou em lei até hoje em vigor e que teve o
mérito de dignificar e requalificar a carreira e a remuneração dos professores
universitários em todo o Ceará.
Foi todo esse conjunto de atividades que a
qualificou a ser eleita sucessivamente vice-Reitora e Reitora da Universidade,
tendo sido a segunda mulher a dirigir a instituição e a primeira oriunda de seu
quadro permanente. Sua administração foi marcada pelo dinamismo, pelo
entendimento com os diversos setores que compõe a academia, pela democracia,
avessa que sempre foi às perseguições políticas e as práticas despóticas, mas
principalmente, foi uma realizadora de grandes obras. Algumas delas imateriais,
mas de profunda relevância acadêmica, como a de implantação dos programas de
assistência estudantil, responsável por garantir a permanência dos alunos
pobres nos bancos da Universidade durante toda a sua formação acadêmicas.
Outras, entretanto, obras de vulto material, como a construção do Ginásio da
URCA, do prédio do Biotério, da Residência Universitária, da reforma do museu
de paleontologia de Santana do Cariri, além de dezenas de outras realizações.
A marca da grande gestora a conduziu em seguida à
Secretaria de Educação do Município, onde foi uma das principais colaboradoras
do atual prefeito de Crato. Mas não se trata de uma gestora, apenas. O vulto
que se presta aqui a ser homenageada é o de uma grande mulher, que para muito
além da vocação política e do carisma de indiscutível liderança, carrega em
todos os seus atos a delicadeza da mãe e avó que é, a meiguice da amiga, sempre
preocupada com os seus próximos e, sobretudo, a serenidade da grande educadora
que em tudo o que faz ensina.
Já Maria Divani Esmeraldo Cabral carrega a mesma
marca da pedagoga, embora não se trate de mulher da política, no que pese seja
um ser de profunda sensibilidade e argúcia do mundo. Sensibilidade essa tão
destacada que somente poderia caber no espírito de uma artista, o que ela,
acima de todas as outras coisas, é.
Nascida em Crato, filha de tradicional família
local. Perdeu o pai bem cedo, o que a obrigou a começar ainda na adolescência a
buscar meios de auxiliar na renda familiar. E foi desde então que se revelou a
artista inata que ela já nasceu sendo.
Com os pais aprendeu os primeiros acordes e se
familiarizou com os primeiros instrumentos. Mas também se dedicou com esmero ao
estudo da música e outras artes. Iniciou-se como estudante da Sociedade de
Cultura Artística de Crato, mas logo se transformou no espírito que vivifica
tudo naquela instituição. Se especializou em música instrumental, em canto,
técnica vocal, regência, violino e história da música, além de possuir formação
em teatro, artes plásticas e cinema. Foi professora nos principais educandários
da região, além de ter trabalhado na Faculdade de Filosofia de Crato e na
própria Universidade Regional do Cariri. Foi mestre de muitas disciplinas, como
de educação artística, psicologia infantil e da adolescência, história da
educação, sociologia, técnicas audiovisuais, teatro, canto, piano e violino.
O currículo da homenageada já depõe sobre as
qualidades intelectuais e artísticas dela. Nada, contudo, lhe é tão caro quanto
o fato de haver sido a fundadora e regente do famoso Pequeno Coral do Crato,
que já há gerações vem formando parte da juventude de toda a região. Ela educa
seus jovens não somente para a música, mas sobretudo para a vida. Seu arguto
olhar repara não apenas para a perfeição do canto de seus pupilos, mas para a
sua existência como um todo. Seus vívidos olhos brilham quando ela fala das
centenas de mensagens de agradecimento que recebe vez em quando dos antigos
alunos, alguns já homens e mulheres de madura idade, que ainda assim, guardam a
saudade e o reconhecimento da grande educadora que é Divani Cabral.
Ao longo de sua rica vida, Divani já exerceu
dezenas de funções importantes em várias instituições locais, como na Rádio
Educadora do Cariri, no Colégio Santa Tereza de Jesus, no Colégio Diocesano do
Crato, no Centro de Audiovisuais da Faculdade de Filosofia de Crato, no Teatro
Afonso Pena, na Scholla Cantorum Sanda Cecília, no Município de Crato, no Museu
Vicente Leite e Histórico J. de Figueiredo Filho, na Biblioteca Municipal,
entre outros.
Seu mais destacado trabalho, no entanto, é como
diretora e regente do coral da Sociedade de Cultura Artística do Crato – SCAC,
onde tem sede o Teatro Rachel de Queiroz.
Assim como quanto à nossa primeira homenageada,
relatar os cargos que ocupou e os lugares em que já esteve é bem pouco para
falar de Divani Cabral, pois para muito além de todos os dados biográficos
relatados, é de uma rara mulher de quem falamos. De uma daquelas que soube ter
a grandeza de espírito necessária para transformar a perda do pai em uma grande
oportunidade de aprendizado. Que transmudou, como bem poucos são capazes, a dor
do sofrimento na beleza da arte. Quem, ao invés das lágrimas do degredo,
derramou acordes a um mundo já desde aqueles remotos anos de sua infância
carente de amor, sensibilidade e compromisso com a formação ética das futuras
gerações.
Por traz da fragilidade do corpo e para além da
timidez e recato dos gestos, Divani Cabral esconde a magnanimidade de uma
profunda e delicada artista.
Cada qual a seu modo, Otonite Cortez e Divani
Cabral, são replicadoras da fortaleza da mulher caririense e por isso
indiscutíveis merecedoras da Medalha Fideralina Augusto Lima, concedida em
honrosa parceria entre o ICC e a ALL.
Jorge Emicles
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