Páginas

domingo, 18 de fevereiro de 2018

VALSA DOS ADEUSES
POESIA EM PROSA



                   Dois à frente, um para trás. Assim como a dança, segue a vida, avante mas contornando e retrocedendo. O que já foi será, e ainda melhor. O que já era, nunca poderá ter sido.
                   Dois à frente, um para trás. Dois à trás, nenhum adiante. Diferente da dança, a vida tem um ritmo próprio, em aparência fora de compasso, mas que segue o rigor absoluto da perfeição cósmica.
                   Dois à frente, pausa. A vida, infinita enquanto dádiva divina, dá pausas sempre, às vezes provisórias, outras quase definitivas. Enquanto uns se vão, outros retornam e tantos paralisam. Mas a inércia não é absoluta, porque absoluto mesmo é a eterna mutação de tudo que há na matéria. Tudo passa, afinal.
                   Dois atrás, dois atrás, dois atrás. Há o tempo de más colheitas, sequência de péssimas semeaduras. Mas é que temos o direito de escolher os valores de que gostamos, as ideias que veneramos e as pessoas a quem amamos. Colher espinhos plantando flores é sempre mais útil e digno, pois é promessa para a próxima seara.
                   Dois adiante, um à frente, dois adiante. Quando se azeita a máquina da vida e se dilapida dela todas as coisas inúteis e supérfluas, sobra o objetivo maior da existência, que é a busca do caminho de volta para onde viemos. Um lugar esquecido, mas não desconhecido dos homens. Um lugar inacessível, perigoso e distante, mas ao mesmo tempo tão próximo, porque escondido está no âmago mais profundo de cada um de nós. Homem, conhece a ti mesmo.
                   A cada passo que damos, um burburinho de renovação se forma. É tudo novo, sempre. A vida se renova, destroça e refaz. Incessantemente num perpassar eterno das vibrações cósmicas. Do que não nos damos conta de verdade, é que cada novo deslocamento é a despedida de todos os que o antecederam.
                   Para que o novo venha, é imprescindível a despedida do velho que o alicerça, fundamenta ou, talvez, o antagoniza. É de adeuses que vivemos.


Jorge Emicles

Nenhum comentário:

Postar um comentário