DISCURSO DE POSSE NO INSTITUTO CULTURAL DO CARIRI - ICC
O Instituto Cultural do Cariri, fundado a 18 de
outubro de 1953, é fruto do espírito pioneiro e aguerrido que sempre povoou os
rincões do Cariri Cearense desde os seus primeiros colonizadores. Em uma época
em que as terras de dentro, ou os sertões, eram destinadas à exploração das
riquezas naturais e força de trabalho dos homens, a cultura de estado e todas
as atividades típicas da academia ficavam reservadas ao litoral, pois lá foi
onde surgiram os primeiros cursos superiores e centros educacionais.
O Cariri cearense, ao revés, veio sempre na
contramão desse movimento. Aqui, ainda em meados do século XIX fundou-se o
Seminário São José, sob cuja sombra floresceu forte sistema educacional, ainda
hoje bem presente nestas terras caririenses. O ICC é sem dúvidas, legítimo
filho dessa tradição, sonhado que foi para servir de suporte a importantes
pesquisas históricas e de outras ordens, revelando uma intelectualidade ativa e
disposta a construir legítimo conhecimento. Este espírito sem dúvida se faz
representar nas impolutas figuras de J. de Figueiredo Filho e Irineu Pinheiro.
Tão alta é a produção acadêmica destes ilustres fundadores do ICC, que
simplesmente não é possível tratar da história do Ceará, muito notadamente da
do Cariri, sem embrenhar-se na importante contribuição destas relevantes
figuras. Naturalmente, há dezenas de outras destacadas contribuições acadêmicas,
oriundas dos mais diversos saberes, saídas das fileiras do ICC, o que por si só
revela a indiscutível importância deste Instituto. Já são mais de meio século
de vida, alternando fases de profusa produção e outras de crise, como é dado a
qualquer instituição tão longeva, muito especialmente aquelas cujos objetivos
são voltados para fins altruístas e culturais.
Já estamos na terceira geração de acadêmicos, a
dar continuidade ao legado plantado pelos seus pioneiros e visionários
fundadores. O Cariri modificou-se profundamente nesses últimos sessenta e
quatro anos. De lá para cá, testemunhou-se a consolidação da vizinha Juazeiro
como o centro da grande metrópole que se tornou a região, cuja força
magnetizante, espiritual e política de seu patriarca, fez atrair para seu
território as vocações locais inicialmente desenvolvidas nas demais comunas,
com especial destaque ao Crato, primitiva locomotiva regional, como tão
propriamente assenta a obra do antropólogo Darcy Ribeiro, dentre outras
referências.
Repita-se, contudo, que os tempos são outros E é
dever da rica intelectualidade assentada nas mais de cem cadeiras do Instituto
Cultural do Cariri abrir suas profícuas inteligências à necessidade de
ampliação das interações culturais com toda a região. É na capacidade desta
novel geração de acadêmicos, tão bem representada na figura de seu jovem e
ativo presidente, Heitor Feitosa, que se assenta a esperança de renovação e
refortalecimento da histórica missão do ICC: servir de polo do conhecimento e
alicerce para independentes pesquisas em todas as áreas do saber. Falar isso,
em absoluto não é negar a imprescindibilidade do legado deixado por todos os
que já passaram pela casa, pois se hoje essa geração pode ver mais longe,
certamente é porque está assentada nos robustos ombros de seus antecessores.
Olhar para a frente, mas honrando sempre o legado do passado, é essa, a nosso
parecer, a impostergável missão do Instituto Cultural do Cariri de hoje.
Assumirmos uma cadeira nesta histórica
instituição, que melhor que muitas representa o espírito altivo, guerreiro e
intelectual da cultura caririense, é nos apoderar simbolicamente de todo esse
legado tradicional, rico e profundo. Ao mesmo tempo, traduz o dever de lutar
para sua manutenção e engrandecimento. Mais ainda, o peso dessa
responsabilidade se robustece ao nos depararmos com a grandeza intelectual e
moral dos que nos precederam na Cadeira 25 da sessão de ciências, cujo
paraninfo é ninguém menos que o marcante Luiz de Borba Maranhão.
Luiz de Borba, nascido aos 25 de outubro de 1910,
em João Pessoa, Paraíba, de firme formação intelectual desde sua mais tenra
idade, findou por formar-se em direito pela Faculdade de Direito do Ceará,
sediada na capital alencarina. O amor o conduziu ao Crato, através dos calores
da jovem e bela Artemyse, filha de importante família local, e com quem
casou-se o jovem Luiz para toda a vida, por longevos sessenta e dois anos. Com
ela, teve um único filho, João Gomes de Borba Maranhão. Exerceu vários cargos
públicos, mas destacou-se mesmo na advocacia, a quem emprestou o brilho de sua
sagaz inteligência por mais de cinquenta anos. Era conhecido por sua oratória
empolgante e seu profundo conhecimento da ciência jurídica. Chegou mesmo a
deixar alguns escritos jurídicos, na forma de cartilhas ainda hoje preservados
por sua família, material de que se utilizaram por certo, as centenas de alunos
que teve na Faculdade de Direito do Crato. Eram famosas suas atuações no
Tribunal do Júri, onde chegou a travar empolgantes e calorosos debates com
outro baluarte desta Casa, Raimundo de Oliveira Borges.
De toda a sua atividade advocatícia, o que ainda
mais se destacou foi seu compromisso com as causas da pobreza. Era um defensor
público de fato, abraçando as liças de todos os pobres que lhe procuravam,
dedicando-se sempre com esmero na sua defesa. Consta do relato de seus
familiares que mais de oitenta por cento de sua atuação era a favor da pobreza.
Isso, em um tempo em que a deficiência da tecnologia obrigava a fazer longas
viagens no lombo de animais e a produzir peças nas velhas e quase esquecidas
máquinas de datilografia. Ainda assim, até o fim foi Luiz de Borba incansável
defensor dos seus pobres.
Nós mesmo guardamos em memória a figura de um
senhor já bem avançado na idade, sentado em um birô no antigo escritório de prática
forense da URCA, fazendo incansavelmente atendimento a tantos quanto o
procuravam, tendo a sua frente papeis para anotações e um enorme e fundo
cinzeiro, onde depositava os restos dos incontáveis cigarros que tragava um em
seguida ao outro. Aquele velho senhor alto, porte elegante, firmeza no olhar,
que incansavelmente atendia com carinho a tantos quanto o procuravam, nunca
lhes repreendendo por suas postulações e sempre com ar paternal era o dr. Luiz
de Borba Maranhão, já combalido por tantos anos de lutas, mas ainda incansável
na defesa dos pobres de todas as cores.
Com o mesmo esmero, dedicou-se ainda a fundar escolas,
sabedor que era da importância da educação na transformação das pessoas. Foi
graças a sua dedicação que o Crato ganhou o hoje Colégio Estadual Wilson
Gonçalves e a antiga Faculdade de Direito, inicialmente uma autarquia
municipal, atualmente encampada aos cursos da Universidade Regional do Cariri.
Quantos jovens não tiveram a oportunidade de melhorar sua formação e mesmo
angariar uma profissão graças a estes duas importantes escolas de saber da
nossa região?
Isso só bastaria para fazer de Luiz de Borba
imortal merecedor do honor de vir a ser patrono de uma cadeira no ICC. Mas também
foi homem de dignidade superior, marido e pai exemplares. Uma das grandes intelectualidades
que ajudam a engrandecer o nome do Cariri Cearense.
O derradeiro ocupante da cadeira aqui outra vez
empossada, foi o destacado comerciante e homem público em Crato, José de Paula
Bantim. Nascido em 1930, no Município de Santana do Cariri, logo aos dez anos
vem estabelecer-se em Crato, sob os cuidados da bondosa d. Artemyse Gomes de
Matos, a mesma companheira de toda a vida de Luiz de Borba Maranhão, de quem Bantim
era afilhado. Com ela trabalhou a aprendeu sobre a arte dos boticários. Estudou
na Escola Técnica do Comércio de Crato, tendo em 1949 se formado em
contabilidade e economia.
Já formado, foi trabalhar na firma B. Bezerra e
Cia., onde fez profícua carreira, tendo iniciado o labor como simples
balconista e chegado à condição de sócio da empresa, antes tendo exercido as
funções de gerente e contador. Ali permaneceu até a aposentadoria. Mesmo
aposentado, seguiu laborando, agora como vendedor ambulante, de porta em porta.
Tão exitosa foi essa segunda carreira, que chegou a abrir comércio varejista
(Bantim Variedades), mantendo referido estabelecimento por longos anos.
Mesmo aposentado, mantinha uma rotina intensa e
dinâmica, sendo assíduo frequentador de diversos logradouros públicos da
cultura cratense, como o mercado, a praça Siqueira Campos, a bodega do
Juarezinho. Era assíduo praticante da fé, sendo partícipe do terço dos homens e
de diversas outras atividades patrocinadas pela igreja católica local. Foi
cantor solo do coral da SCACC.
Da mesma forma, teve destacada vida pública, tanto
na política quando em diversas outras atividades da sociedade local. Foi sua
sociabilidade que o conduziu naturalmente aos diversos cargos e funções que
ocupou, tendo sido presidente do Crato Tênis Clube, participado da diretoria da
União dos Estudantes do Crato, presidente da Liga de Futebol de Campo de Crato
e da Liga de Futebol de Salão, também de Crato; presidente do Sport Clube do
Crato; presidente do Sindicato dos Comerciários do Crato.
Iniciou vida partidária nas fileiras do PTB, de
Getúlio Vargas, na década de 1950. Foi eleito vereador por cinco legislaturas,
tendo ocupado a presidência da Câmara de Vereadores por duas vezes. Foi
vice-Prefeito do Crato na gestão de Humberto Macário de Brito. No governo de
Ariovaldo Carvalho, produziu-se crônica folclórica a seu respeito. Na ocasião,
José de Paula Bantim era presidente da Câmara de Vereadores, estando vago o
cargo de vice-Prefeito. Por motivo de ausência temporária do Chefe do
Executivo, assumiu interinamente a prefeitura municipal, condição na qual
recebeu em audiência o então presidente da Junta Militar local. O visitante
então externou a necessidade de reunir-se conjuntamente com o Prefeito
Municipal, o Vice-Prefeito e o Presidente da Câmara com a finalidade de tratar
de assuntos relacionados a seu mister, ao que de pronto responde Bantim: Pois
estamos aqui...
No exercício interino do cargo de Prefeito,
sancionou a lei municipal que criou a chamada semana inglesa em Crato,
reconhecida como uma grande conquista dos comerciários. Segundo seu genro e
confesso admirador, Érico Felício, se tratou de “um grande político, um grande
católico e um grande desportista”. Era um “ser humano sem igual”, nas palavras
de seu segundo genro.
Casado com Maria Risalva Bantim, teve sete filhos:
José Ricardo Bantim (Cacá); Paulo de Tarso Bantim (Rato); Marco Antonio Bantim
(Papagaio); João Maurício Bantim (Qualhada); Maria Elizabet Bantim (Bet);
Verônica Maria Bantim (Veca); Flávio Henrique Bantim (Cajuí). Segundo consta da
memória familiar, era ele mesmo que apunha os apelidos dos filhos. Dizia com
orgulho que sua maior riqueza era a sua família, tendo educado com especial
esmero todos os filhos. Faleceu aos 13 de maio de 2015, dia de Nossa Senhora de
Fátima, de quem era devoto.
A grande marca que deixou para a posteridade foi a
sua espiritualidade diante da vida, seu bom humor diante dos problemas, sua fé
inabalável e seu amor extremo à família, quem lhe guarda a memória com ternura,
amor e zelo.
Tenho dito!
Jorge
Emicles
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