A
RAZÃO DA CIÊNCIA
A racionalidade nos é trazida como talvez o maior
dos legados da modernidade. Fruto direto das luzes do iluminismo, o ser
racional parte da premissa básica cartesiana de que é preciso duvidar de tudo.
E se não tomássemos como a concreta realidade tudo a nossa volta, demandando efetiva
prova de que as coisas todas ao nosso derredor efetivamente existem como as
pretendemos? Que sobraria dessa excêntrica experimentação? Para Descartes, a
única evidência sobrante seria o fato mesmo do pensamento, donde saca a sua
máxima, repetida hoje como se um mantra sagrado da verdade científica: se
penso, logo existo.
Mas e aquele ser de outro planeta, alocado a
milhares e milhares de anos luz de nós, em uma esfera cósmica desconhecido pela
ciência? Nós o podemos imaginar em pensamento, a fazer planos de visitar à excêntrica
humanidade terrestre, da qual é parente distante. Nós o podemos pensar, tanto
que somos capazes de o descrever, reportá-lo em ainda mais minuciosos detalhes.
Será que ele existe, uma vez que é pensado?
Todo o legado da ciência, ao mesmo tempo em que se
prestou a destruir convenientes inverdades que sustentavam a mitológica e equivocada
visão da hierarquia da igreja oficial, é sedimentada na premissa básica da
racionalidade. Para que se encontre uma lei da natureza é necessário aplicar um
método adequado e repetir sua aplicação à exaustão. Quando determinados acontecimentos
se repetirem invariavelmente todas as vezes que o método for aplicado, então teremos
identificada uma dessas leis. Racionalmente, sabemos que em todas as vezes que
soltarmos um objeto no ar ele necessariamente cairá, sem exceção. É, pois, a
repetição desse fenômeno que erige a lei da gravidade como uma verdade para a
nossa razão. Não podemos dizer que conhecemos a lei propriamente, mas os seus
efeitos. As razões da gravidade, como por exemplo o influxo da interação entre
o tempo e o espaço, é ainda uma teoria não definitivamente confirmada enquanto
uma verdade científica.
Contudo, na mesma medida em que foi capaz de
destruir os dogmas da religião, arrogantemente às vezes tentando destruí-la, a
ciência cuidou de construir os seus próprios. A racionalidade e o método são os
mais importantes deles, haja vista não serem capazes de descortinar em toda sua
infinita variedade todo o véu da verdade. A razão possui um limite inexorável
na concretude da realidade material, sendo absolutamente incapaz de avançar para
além dos seus marcos. Há de se admitir que existe uma enorme variável de
sentidos e coisas subjetivas e imateriais absolutamente inacessíveis à pureza
do pensamento racional. A propósito, poderíamos bem dizer que a razão em si
mesma é pura irracionalidade, porque como tudo se poder construir a partir do quase
nada das conexões cerebrais?
O método, de sua vez, vem sendo quebrado pelas próprias
letras da ciência. Francamente, a partir do final do século passado, vem sendo erigido
o ideal de um novo paradigma do conhecimento, calcado agora não na
racionalidade do método, mas na interação entre os objetos e sujeitos da
compreensão, conhecido como o paradigma linguístico. Agora, o objeto não é mais
em si mesmo. A compreensão dele será possível somente a partir das relações
estabelecidas entre aquilo que se investiga e o sujeito investigante. Conforme
um ou outro se modifiquem, o resultado necessariamente será alterado. Caiu por
terra o ideal da neutralidade do método e do distanciamento quase indiferente
que deveria ser estabelecido entre o investigador e seu objeto. Pensadores da
elevada qualidade de Gadamer e Heidegger são os pioneiros dessa novel e
importante visão de mundo, que a nós parece abrir caminhos novos e promissores
especialmente para as diversas ciências sociais.
A própria ciência como portadora da verdade
absoluta, em substituição àquela outra carregada por séculos pelas religiões, é
tão perigosa quanto. Da mesma forma que tivemos a opressão devassa da inquisição,
que o tanto que pôde negou a evidência de que nossa Terra não era nem quarada,
nem o centro do mundo, também a ciência oprime as indeléveis evidências da
existência de um universo subjetivo e imaterial, comandado por leis insondáveis
à ofuscada luz da racionalidade. O que existe, afinal, é a dureza do concreto,
a certeza da realidade, ou a subjetividade do mundo idílico e quase invisível
do que a nós parece onírico?
Não respondam. Reflitam primeiramente.
Jorge
Emicles
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