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sexta-feira, 9 de fevereiro de 2018

A RAZÃO DA CIÊNCIA


                   A racionalidade nos é trazida como talvez o maior dos legados da modernidade. Fruto direto das luzes do iluminismo, o ser racional parte da premissa básica cartesiana de que é preciso duvidar de tudo. E se não tomássemos como a concreta realidade tudo a nossa volta, demandando efetiva prova de que as coisas todas ao nosso derredor efetivamente existem como as pretendemos? Que sobraria dessa excêntrica experimentação? Para Descartes, a única evidência sobrante seria o fato mesmo do pensamento, donde saca a sua máxima, repetida hoje como se um mantra sagrado da verdade científica: se penso, logo existo.
                   Mas e aquele ser de outro planeta, alocado a milhares e milhares de anos luz de nós, em uma esfera cósmica desconhecido pela ciência? Nós o podemos imaginar em pensamento, a fazer planos de visitar à excêntrica humanidade terrestre, da qual é parente distante. Nós o podemos pensar, tanto que somos capazes de o descrever, reportá-lo em ainda mais minuciosos detalhes. Será que ele existe, uma vez que é pensado?
                   Todo o legado da ciência, ao mesmo tempo em que se prestou a destruir convenientes inverdades que sustentavam a mitológica e equivocada visão da hierarquia da igreja oficial, é sedimentada na premissa básica da racionalidade. Para que se encontre uma lei da natureza é necessário aplicar um método adequado e repetir sua aplicação à exaustão. Quando determinados acontecimentos se repetirem invariavelmente todas as vezes que o método for aplicado, então teremos identificada uma dessas leis. Racionalmente, sabemos que em todas as vezes que soltarmos um objeto no ar ele necessariamente cairá, sem exceção. É, pois, a repetição desse fenômeno que erige a lei da gravidade como uma verdade para a nossa razão. Não podemos dizer que conhecemos a lei propriamente, mas os seus efeitos. As razões da gravidade, como por exemplo o influxo da interação entre o tempo e o espaço, é ainda uma teoria não definitivamente confirmada enquanto uma verdade científica.
                   Contudo, na mesma medida em que foi capaz de destruir os dogmas da religião, arrogantemente às vezes tentando destruí-la, a ciência cuidou de construir os seus próprios. A racionalidade e o método são os mais importantes deles, haja vista não serem capazes de descortinar em toda sua infinita variedade todo o véu da verdade. A razão possui um limite inexorável na concretude da realidade material, sendo absolutamente incapaz de avançar para além dos seus marcos. Há de se admitir que existe uma enorme variável de sentidos e coisas subjetivas e imateriais absolutamente inacessíveis à pureza do pensamento racional. A propósito, poderíamos bem dizer que a razão em si mesma é pura irracionalidade, porque como tudo se poder construir a partir do quase nada das conexões cerebrais?
                   O método, de sua vez, vem sendo quebrado pelas próprias letras da ciência. Francamente, a partir do final do século passado, vem sendo erigido o ideal de um novo paradigma do conhecimento, calcado agora não na racionalidade do método, mas na interação entre os objetos e sujeitos da compreensão, conhecido como o paradigma linguístico. Agora, o objeto não é mais em si mesmo. A compreensão dele será possível somente a partir das relações estabelecidas entre aquilo que se investiga e o sujeito investigante. Conforme um ou outro se modifiquem, o resultado necessariamente será alterado. Caiu por terra o ideal da neutralidade do método e do distanciamento quase indiferente que deveria ser estabelecido entre o investigador e seu objeto. Pensadores da elevada qualidade de Gadamer e Heidegger são os pioneiros dessa novel e importante visão de mundo, que a nós parece abrir caminhos novos e promissores especialmente para as diversas ciências sociais.
                   A própria ciência como portadora da verdade absoluta, em substituição àquela outra carregada por séculos pelas religiões, é tão perigosa quanto. Da mesma forma que tivemos a opressão devassa da inquisição, que o tanto que pôde negou a evidência de que nossa Terra não era nem quarada, nem o centro do mundo, também a ciência oprime as indeléveis evidências da existência de um universo subjetivo e imaterial, comandado por leis insondáveis à ofuscada luz da racionalidade. O que existe, afinal, é a dureza do concreto, a certeza da realidade, ou a subjetividade do mundo idílico e quase invisível do que a nós parece onírico?
                   Não respondam. Reflitam primeiramente.


Jorge Emicles

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