LIÇÕES DO PODER
(do livro Conversas com a Morte)
De todos os lugares que conhecemos, sem dúvida
sempre teremos um especial, que é o nosso lugar. Para o meu sempre retornei e
nele pude viver ao longo do ciclo de que relato outras experiências fabulosas,
ciclo este iniciado com o incongruente encontro que por tão marcante deve ser
lembrado periodicamente, acima de tudo para que o próprio narrador desta história
fantástica (que no caso seria eu mesmo) não se olvide da sua relevância para o
enredo, posto que é o mote central de tudo sobre o que se diz. Dentre tantas
experiências, que por certo merecerão serem relatadas também, das mais
fascinantes sem dúvidas foi a que tive com o poder. Não reporto ao poder
verdadeiro, daquele que poderia ser escrito com pê em maiúsculo, o poder de
efetivamente transformar as coisas ou, principalmente, criá-las, uma vez que
deste somente o Criador possui, e dele reservou-se não transmiti-lo a estas
pobres e mesquinhas criaturas que somos nós, da raça humana. Este Poder
verdadeiro o possuía em migalhas quando era mais detido nas coisas do
misticismo, consequentemente afastado dos assuntos mundanos. Não que fosse um
patrimônio meu, mas uma qualidade própria a todos os seres humanos. O que em
verdade houvera feito em ciclos anteriores fora me dedicar ao estudo das
energias ocultas e inatas a todos os seres humanos, e é surpreendente os
resultados a que se pode alcançar com elas; as qualidades que se poderá
adquirir pela experimentação de certas técnicas; todas muito simples mas ao
mesmo tempo inegavelmente eficazes. E pensar que tudo isso é mera fagulha do
verdadeiro Poder Criador de todas as coisas que existem. Ainda assim, algo fantástico
e impensável à maioria das pessoas.
Reitero, porém, que não é deste poder (único
verdadeiro) que falo. É do poder mundano a que me refiro. Do poder dos tolos;
da mais vergonhosa ilusão vivida pelo ser humano, que, porém, é vivenciado com
intensidade tão extrema que se nos parece real. Dizem os expertos que tudo
começou com a propriedade; que foi o sentimento bestial de se sentir dono de
alguma coisa o que alimentou pela primitiva vez o desejo de tudo possuir e a
todos mandar. Aí teríamos a origem de todas as guerras e de todas as desgraças
vividas pela humanidade desde tempos imemoriáveis. Mas também aí teríamos o
começo de todo o nosso progresso. Não fossem tantas guerras, tamanhas mau
querências entre as pessoas e os povos; não tivesse havido tantas mortes
vorazes durante a longa história de nossa existência enquanto raça e não
existiria a internet, com seus recursos de conversações e sites pornográficos
que tão bem alimenta as hordas de solitários que somos; não tivessem havido
tantas catástrofes; tantas pragas não tivessem dizimado por dezenas de vezes
populações inteiras e não teríamos o avanço científico que experimentamos hoje;
não fossem os seres humanos tão mesquinhos, ensimesmados dentro de suas
próprias solidões e quiçá não haveria poesia no mundo; enfim, não tivéssemos,
nós ínfimos humanos, sido tão destrutivos quanto já provamos de que somos
capazes e o mundo seria bem diferente do que é hoje, por certo sem tantos
atrativos, talvez despido daquilo que reputamos as coisas mais belas. A questão
é: por acaso não seria melhor este mundo alternativo? Jamais saberemos, eis a
resposta.
O certo é que daquele erro primordial, que tantos
preferem referir-se como um pecaminoso ato inaugural da condição humana, é de
onde surgem todos os problemas de que nos mazelamos modernamente. E no centro
deste pecado está a sede de domínio, o desejo insaciável de ser mais forte,
melhor e manipulador que os seus iguais. É quase certo que tal anseio tenha
nascido com o próprio homem, proveniente de sua natureza mais profunda. Assim
como os felinos matam pelo instinto, os homens flagelam seus semelhantes em
busca da dominação; dominação que com o correr natural da evolução vai se
aperfeiçoando a tal ponto que não vale mais somente a dominação física do ir e
vir, mas a dominação das vontades. O verdadeiro domínio hoje se processa sobre
os desejos, não mais sobre as ações (é a isto, afinal de contas, em que se
aperfeiçoam a minúcias os geniais propagandistas, chamados por marqueteiros,
mas que talvez melhor se qualificassem como envenenadores mentais). Mesmo tão
ínfimo diante do verdadeiro Poder do Criador, este que exercita o homem ainda
assim é capaz de terríveis destruições. Povos e lugares já se aniquilaram às
dezenas ante os mesquinhos interesses do poder; mas sobretudo, milhares, talvez
milhões de sonhos tenham já sido destroçados em seu nome. Este poder é algo que
em verdade nada pode, mas que na mesma medida tudo quer e tudo destrói. Como
nada galga de verdadeiro, senão ilusoriamente se apresentar como vitória, é terrivelmente
transitório.
Sua passagem deixa muito mais dores que alentos e
até mesmo os pacifistas se quedam feridos quando ingenuamente decidem
participar de suas loucas ações. Aristóteles, genial sábio da Grécia é tido
como o fundador da política, enaltecendo sua busca maior que seria o bem comum.
Não sabemos ao certo a quem pretendia enganar o sábio, se a si próprio ou a
todo seu povo, posto que em verdade é o bem comum dos seus próximos (leia-se,
aliados) que todo e qualquer governante almeja. Na pandemônica estrutura do
poder não existe lugar para os nobres sentimentos de que devem se alimentar os
sábios, como são o amor incondicional à raça humana, o sacrifício pessoal em
benefício da coletividade e o irrestrito respeito aos direitos fundamentais de
todo e qualquer ser humano (que seriam tão fundamentais quanto simplórios,
porque se fala aqui de direitos elementares, como é o caso de permanecer vivo,
ter sua dignidade humana respeitada enquanto tal somente, sem precisar
adentrar-se àqueloutros ditos por mais complexos, como seriam os direitos
sociais e as diversas nuances da liberdade). Todos estes respeitos, no entanto, são minimizados quando postos em conflitos
com a política.
No sentido macro, das nações, não há respeito
possível à vida do inimigo, posto que claramente a mais valiosa das vidas é a
do aliado, a quem se liga neste nível de interações por laços supremos de
nacionalidade ou outra liga ideológica qualquer; liberdades são possível apenas
aos vencedores dos conflitos, por isto os mais fortes e, pior ainda, detentores
da versão preponderante da história. No sentido micro, dos diversos níveis de
organização social, as nuances de dominação se modificam, preservando, no
entanto, a mesma essência objetiva e perversa. As classes mais fracas são
dominadas e exploradas; quando existe conveniência econômica chegam à
escravidão. Mesmo entre as elites se formam grupos antagônicos os quais
diuturnamente se digladiam em busca daquilo que chega a ser mais valioso que o
ouro: o tenebroso poder.
E assim, num suceder frenético de fatos, ações e
traições os diversos personagens da história vão se alternando no poder, cada
qual paulatinamente alicerçando forças, vencendo e destronando o inimigo por
meio dos mais indevassáveis ardis, assumindo o seu lugar, para após ser traído
e rebaixado ao esquecimento dos depostos, para novamente ver desgastado o poder
de seu sucessor e assim incessantemente, geração após geração, por meio do que
se chega ao propagado progresso das nações. Se apregoa a democracia como o mais
perfeito dos sistemas, quando no entanto a sujeira das artimanhas políticas
está tão presente quanto em qualquer outra forma de organização. Quiçá Platão,
mestre de Aristóteles, não tivesse razão ao observar que o defeito da
democracia estaria em sua irresistível atração à tirania? E vigoraria a tirania
numa democracia forjada a partir da ignorância do cidadão, célula mater de todo
o sistema, quem acabaria sucumbindo aos nuances da propaganda e falaciosos
discursos ideológicos? O atento leitor que me responda, afinal não quero
traduzir qualquer lição de política senão meramente relatar uma tal insólita
conversa que tive com a morte. De minha parte, contudo, posso dizer da
experiência que tive com este tal poder humano, sentindo seu gosto, aspirando
seu cheiro, quase me iludindo diante da pretensa potencialidade para mudar o
mundo. Principalmente aos puros de coração é que o poder se apresenta mais
perigoso, porque tal pureza funciona como uma espécie de véu a encobrir de
cores e felicitações a triste realidade que o cerca.
A primeira grande dificuldade que se vivencia ao
alçar-se ao poder é de descobrir quem seriam seus verdadeiros amigos e quem
meros bajuladores e interesseiros. As pessoas acorrem até você, com bajulações,
mimos e propondo tantas comodidades e vantagens, que aos tolos parece que são
imensamente amados. Não importa a circunstância, sempre haverá alguém a
sacrificar supostamente algum interesse em prol do bem-estar do mandatário do
momento. No staff que cercaneia o poder, todos são tratados com tal deferência
que em verdade muito poucos não se considerariam verdadeiramente amados. Não é
preciso dizer, mas digo para enfatizar a situação: é tudo a mais deslavada
mentira, o mais podre fingimento. Ainda assim, a comodidade da situação é de
tal monta que é extremamente difícil não sucumbir à coisa, porque naturalmente
todas as pessoas buscam em algum grau, por diferentes formas, algum nível de
reconhecimento, facilmente alcançado em tais situações. Nelas, não se têm mais
problemas cotidianos onde não exista alguém disposto a solucioná-lo. As mais
tolas tarefas possuem dezenas de candidatos a realizá-las. A solidão, problema
para tantos, esvanece-se diante do poder, posto que sempre acompanhados
encontram-se os poderosos. Diz-se até que flagrar-se sozinho é indício de
fraqueza.
É mesmo no ror de pessoas que lhe cercam que
nascem as maiores ilusões. A mais indelével e perigosa de todas é a perda do
senso de realidade. Todos revelam uma verdade bem mais amena do que de fato o
é, atenuando as críticas, dizendo-as injustas e fruto da inveja e da cobiça,
meros joguetes para desarticular a propalada sabedoria palaciana. Tudo que o
governante faz é bom, sábio e apropriado aos interesses do bem comum, mesmo que
se relativize ao extremo o sentido possível desse tal bem comum. Todos sempre
estarão satisfeitos, até quando a evidência do contrário seja mais que
ululante. A quem se encontre fora do palácio, como seria o caso deste nosso
incauto, porém ainda amigo leitor, haverá de parecer exagero do narrador. Porém,
se em algum momento lhe foi possível testemunhar algo como o que aqui se
descreve, averiguará que se trata de uma verdade, tão universal quanto a lei da
causa e do efeito, a evolução das espécies e tantas outras evidências para as
quais tanto teve de se desgastar a ciência para a elas encontrar.
Talvez até seja mais fácil enganar um déspota
desprevenido que uma ingênua criança. Ao primeiro, as mentiras pulularão como
doces recheios da realidade; a incompreensão das massas a seus superiores
engenhos será fruto ou da ignorância do povo ou ignomínia dos inimigos, jamais
de seus próprios defeitos; a toda reação negativa a qualquer arranque desmedido
de excesso, compreenderá enquanto injustiça, a mais deslavada e indigna
injustiça da qual tanto são vítimas os geniais governantes (como afinal todos
se nominam); lhes parecerá sempre que existe um celeste complô Divino a
assentar-lhes no poder, de maneira que ao déspota o exercício do poder é
direito natural, tanto quanto o é a união carnal, a constituição das famílias e
a vida do homem em sociedade; na mesma medida, é fruto do sacrilégio qualquer
ataque à estabilidade do poder. A isto os déspotas creem com a mais sincera
honestidade, com a mesma convicção com que sempre acreditam em Deus, na justiça
de suas palavras e ações e no glorioso futuro com que presentearão seus amados
súditos. Se há fome, qualquer tipo de miséria ou o mínimo que seja de
descontentamento, é tudo fruto da intriga insana da oposição, que ao custo da
infelicidade do povo lhe pretende apear do poder.
Se é verdade que os poderosos, por princípio,
fecundam o meio que governam de vítimas, das mais variadas espécies, levados
pelos mais intricados motivos, também é verdadeiro afirmar que a primeira de
todas as vítimas que fazem são eles próprios. Principiam, pois, por enganar a
si mesmos, a despeito dos motivos que possuem para galgar à influência; das
razões para adotar certas e determinadas ações; da imprescindibilidade do uso
da força para retaliar específicos fatos; que é altruísmo aquilo que aos olhos
de todos se revela ganância; que não se corrompe, mas sim financia ações
estratégicas de logística fundamental; que não se pratica o nepotismo, mas a
gratidão (que ao final das contas deverá ser lida enquanto sentido superior de
nobreza); que chama de amizade o que são espúrios interesses. Tudo isso faz
soporado pela mais incontestável convicção, de maneira que até o mais
esclarecido dos déspotas; até aquele plenamente cônscio dos movimentos das
forças sociais, bem como da interação que estas têm com suas específicas ações
governistas, ainda este crerá piamente nas razões superiores de suas ações; no
desprendimento de seus interesses pessoas em vista das necessidades das massas
a quem em verdade serve, não governa.
A este tempo, enganados por si mesmos tanto quanto
pelos que imediatamente lhes cercam, tanto fogem da realidade fática do
cotidiano que deixaram de participar, quanto são por exatamente isto, capazes
de ludibriar o mais cauto dos interlocutores, que não crerá inverossímil tão
gloriosa aura, imbuída da pura verdade e da grandeza de propósitos. É por estes
vieses, querido leitor, que se fazem e aperfeiçoam as nuances do poder.
Essencialmente este processo se repete desde os primórdios mais antigos desta
arte, desde, por exemplo, os tempos do inescrupuloso Caio Júlio César, maior
dentre todos os grandes políticos romanos em todos os tempos, que tanto
comprava as massas com favores eleitoreiros quanto mandava surrar seus
adversários quando galgavam estes os amores do povo, até a revolucionária campanha
presidencial de Barack Obama, que pelas sutilezas da mídia, com um manso
discurso alcançou nada menos que a Presidência dos Estados Unidos. Não,
caríssimo, não nos fazemos entender mau. Exatamente o que queremos dizer é o
que foi dito: não há diferença essencial (senão de forma) entre a maneira de
Obama e César fazerem política, como em verdade não existe diferença essencial
em qualquer outro estilo de fazer política, porque no final das contas, em
comum todos desejam o poder e em comum todos seriam capazes das mais insólitas
atrocidades para alcançá-lo. O tempo e a civilização colocam a questão em
termos mais diplomáticos, mas que em verdade são tão, talvez quiçá em certos
casos até mais, ferozes hoje do que foram no pretérito.
Nada disso, no entanto, serve para desvanecer a
evidência de o quanto mau a política e os políticos são capazes de fazer. Se
mau a si mesmo fazem, e é certa esta evidência, muito mais ainda fazem a seus
governados. Somos céticos suficiente para não crer ser possível a algum governante
realizar o bem geral, senão a seus próximos ou a suas castas, e o fazem por
mero método de conservar a si mesmos no poder. Nada fazem por altruísmo, porque
os que foram liberais nas concessões não duraram no poder (a maioria por certo
sequer o alcançou). Fazer o mal; ser temido; odiado às vezes. Tudo é parte da
nefasta engrenagem do poder. As ideias de Maquiavel persistem tão válidas hoje
quanto foram para a unificação italiana. A boa face do moço não é capaz de
mascarar a sordidez das lições que trouxe a tona com seu tratado sobre política
(e talvez até não fosse ele mesmo maquiavélico, senão observador pretensamente
imparcial dos fatos da política). O mais importante; aquilo revelado pela
experiência empírica; que poderá, portanto, ser validamente narrado por
observador contemporâneo aos fatos; mais que isso, que deles participou
ativamente; vezes como testemunha próxima; vezes como interlocutor mesmo destes
fatos, é que quando se detém o poder, na medida da proporção em que este poder
lhe foi afeto, tem-se nas mãos o futuro, a vida, às vezes a morte, ao menos o
porvir de plenitude ou não das pessoas que dependam imediatamente de seu
detentor. Mesmo aos bem-intencionados isto é desterrador (pesando evidentemente
o quanto é escasso de bem intencionados os detentores do poder, posto que o
processo de ascensão a ele – por que viés que seja, incluindo o democrático –
por regra alija as boas almas de seu domínio).
O grau de influência sobre o futuro dos outros, já
se disse, é proporcional a quantidade de poder. Há na verdade uma grande
divisão do poder mundano, onde os homens por engenhos geopolíticos dividem a
influência que podem ter sobre as comunidades e as pessoas. Em nível mundial,
se dividem as nações; dentro destas os Estados, Departamentos ou como tenha
sido concebida a tal engenharia. O fato é que, diferente do Poder Verdadeiro, o
dos homens está disperso entre muitos, possuindo cada detentor parcela maior ou
menor dele, sendo proporcional a influência ao quinhão de cada qual. O poder
que pessoalmente detive foi bem ínfimo. Pouca influência exercia sobre os meus
iguais. Assim mesmo pude sentir seu olfato, engolir um tanto do seu bafo. Se
quisesse, teria com certa facilidade me iludido com seus encantos. É muito
fácil, afinal de contas se permitir dominar pelo suntuoso canto que exala.
Graças à formação que tive (aquela dos livros que reneguei; do misticismo que
abandonei) pude viver uma experiência diferente com ele, nem tanto nefasta
quanto ocorre com a maioria das pessoas. Consciente de suas ilusões, sobretudo
de suas limitações enquanto poder verdadeiro, consegui passar a largo de suas
tentações. Posso dizer com convicção, até mesmo com um pouco de orgulho, que
sobrevivi incólume ao poder dos homens. Fui tido como um tolo, por não me
permitir corromper, nem pelas pequenas nem muito menos pelas grandes tentações.
Logo, não enriqueci nem me permiti aproveitar de nenhuma de suas facilidades.
Verdade é que jamais fui elogiado por este espírito superior. Busquei fazer o
bem. Essencialmente isso. Em minhas ações procurava sempre a que fosse capaz de
beneficiar o maior número possível de pessoas. Conscientemente tentei jamais
prejudicar a quem quer que fosse. Ainda assim, no entanto, fui vítima dele. A
ilusão consiste em pensar que utilizando sabiamente a parcela de poder de que
dispõe é possível fazer o verdadeiro bem, servir de maneira justa e
desinteressada. Não, amigo leitor. Nem aos bons é possível imunizar contra os
tenebrosos venenos palacianos. Ainda aos justos se renega a ingratidão.
É entre os pretensos amigos que se observam os
mais violentos movimentos de retaliação ao que a eles parece o mau uso do poder
(voltado ao bem-estar de outros e não o seu próprio ou do staff a que serve).
Imaginar que os adversários, quem sempre se opuseram a suas convicções se
embaterão contra suas ações, caçarão seus defeitos e os exibirão publicamente
como troféus é mais que natural. Contudo foram estes quem menos trabalho me
deram. Deles, verifiquei até certo grau de compreensão e boa medida de
amistosidade nas cobranças. Os verdadeiros inimigos foram aqueles que
diuturnamente me abraçavam, me pediam conselhos tal qual me aconselhavam.
Deles, recebi os mais duros golpes, até porque jamais esperados. Foram deles,
amigo leitor, as articulações mais vis, as mentiras mais escabrosas e os golpes
mais nefastos de que recebi. Bem claro, pois, os motivos da advertência que
lancei linhas acima: os poderosos são vítimas primeiro deles mesmos, ofuscados
que se quedam pelos venenos das falsas demonstrações de amizade e fidelidade
que os que o cercam lhe dedicam. É tudo fruto de ardil venenoso para lhe alijar
do poder. Os amigos que pensava ter antes do poder, mas principalmente os que
pretendi construir durante sua fruição revelaram-se quase todos meus maiores
algozes e traidores. E tudo por um naco desta terrível coisa alguma que ao
mesmo tempo tudo aparenta que é o poder mundano. Deles não sinto a falta,
porque se mostraram menores que os via. Na verdade, foram meros aproveitadores
das boas coisas que lhes poderia proporcionar, enquanto pude. Lhes renego com
minha indiferença, pois o desapego prático que demonstrei ao apear-me (a mim
próprio, sem esperar que me desferissem o fatal golpe) do poder é suficiente
para que eu saiba ser muito melhor que todos eles juntos, por mais defeitos que
possua (e veja o leitor quantos até aqui já não confessei).