LIBELO
Ainda enquanto Sérgio Moro encontrava-se nas
dependências da Polícia Federal de Curitiba, prestando depoimento delatório a
respeito dos motivos de sua ruidosa saída da pasta da Justiça foi divulgada, certamente
não por acaso, uma pesquisa de opinião, chancelada pelo Instituto Paraná
Pesquisas, também não coincidentemente com sede em Curitiba, na qual o coloca em
segundo lugar na corrida presidencial de 2022. Em primeiro lugar nas intenções
de voto, segue firme o capitão Bolsonaro.
O Instituto em questão não é dos mais tradicionais
em pesquisas nacionais, embora já tenha bons anos de estrada. O tempo até a
data prevista para as eleições também é gigante, fazendo presumir que o cenário
da época poderá ser totalmente diferente daquele mapeado pelo instante de uma
pesquisa eleitoral. Se Lula (atualmente
inelegível porque, mesmo em liberdade, segue condenado em segunda instância por
corrupção), então o petista apareceria logo à frente de Moro nas intenções de
voto. O Nordeste segue como o valente centro da resistência. Os próprios números
podem estar distorcidos, o que afinal de contas não seria nenhuma novidade no
processo eleitoral brasileiro.
Em uma palavra, os números não significam que
teremos em 2022 um segundo turno digno das mais horripilantes ficções, como se
pudéssemos livremente escolher qual cepa de vampiro preferiríamos para sugar
nosso rubro vital. Os personagens podem, sim, ser outros. Os eleitores, em seu
traçado ideológico, contudo, não tendem a se modificar. E é esse o grande
problema.
Não será possível a ninguém que assista uma vez
por semana, que seja, qualquer dos telejornais da televisão aberta, que não
saiba que o Presidente do Brasil é favorável à ditadura militar, à tortura e execução
sumária de presos comuns e políticos, contra a liberdade de manifestação
cultural que defenda quaisquer das bandeiras das minorias sociais ou culturais,
acredita na terra plana e, para tudo piorar, nega ter qualquer responsabilidade
no combate à pandemia virulenta e letal que se abate com especial sofreguidão sobre o país. Muito menos, não haverá cristão sincero que negue as artimanhas
ilícitas desenvolvidas por Moro na condução dos casos da Lava Jata, trabalhando
em franca contradição à lei e ao melhor que conhecíamos do direito. Seria mais
hipócrita que a própria expressão sisuda do ex-juiz pretender alguém negar sua
parcialidade (talvez fosse melhor dizer verdadeira cumplicidade com a acusação),
para lograr a retirada da corrida eleitoral de Lula em 2018. Já dissemos naquela
época mesmo que após esse ocorrido, qualquer que fosse o resultado das
eleições, ela já estaria definitivamente comprometida como um processo
democrático e legítimo. Infelizmente, estávamos com a razão.
Que Bolsonaro é um inepto (melhor, um relativamente
incapaz – já que o estatuto da pessoa com deficiência deixa como únicos
incapazes absoluto os menores de dezesseis anos) todo o mundo já sabe. Que Moro
é um egocêntrico, que não consegue mais disfarçar sua sanha pelo poder e as
verdadeiras razões de seu pseudo heroísmo, muito menos. Nenhuma novidade nem
numa coisa nem noutra. Eles seriam apenas dois equivocados, duas pessoas dignas
de se submeterem ao crivo da academia de Platão, para quem a educação pode corrigir
todos os vícios humanos. Um teste duro, mas um destino possível a ser dado a
personagens tão pequenos da espécie humana. (E não, não defenderemos jamais nem
a prisão, nem a morte para canalhas dessa estirpe. A ignorância se combate com
a luz do conhecimento)!
O problema da pesquisa não é o nome em si dos
primeiros colocados, mas sim o preocupante índice de quarenta e cinco por cento
dos brasileiros que assinalam a intenção de voto em um ou em outro. Esse índice
revela bem mais que uma opção eleitoral possível para uma futura eleição, mas
na verdade denuncia que praticamente a metade do eleitorado brasileiro é
racista, prega formas espúrias de violência do Estado como meio de controle
social, despreza a educação como uma maneira de libertação das diversas formas
de opressão e não tem nenhum compromisso com a democracia efetiva, pois para tanto,
além de simplesmente parar de clamar pela metafórica intervenção miliar, é
preciso garantir igualdade de oportunidades em todos os setores da sociedade, o
que jamais existirá no âmago da miséria em que vive a maioria da população
nacional.
Na mesma toada, essas pessoas não têm nenhum
compromisso com as seguidas gerações de direitos humanos e fundamentais tão
duramente conquistados no percurso sinuoso da história humana, salvo quando são
os beneficiários diretos e exclusivos deles. Assim, são a favor da liberdade de
mercado ao mesmo tempo em que desprezam solenemente o princípio do devido
processo legal substantivo, porque tal defesa não resistirá jamais à atuação
coxa do juiz símbolo da República de Curitiba.
Diante de tamanha pandemia moral que assola um
país inteiro talvez só reste a desesperança. Esse mal, é bom dizermos, não é
filho de nenhum vírus estreante que carcoma a consciência de uma sociedade
quase inteira, mas é o fruto bem plantado de séculos de dominação. Nossas
elites não são doentes, como é o Presidente, mas é bem cônscia da empreitada
que está cumprindo e dos objetivos que pretende alcançar. Para ela, como
sempre, pouco importa o nome do eleito, desde que ele, igual a todas as vezes
anteriores, siga submisso a seus desideratos.
E para a grande massa de dominados não há mesmo esperança
alguma. Não existem escolas suficientes para educá-los. Mesmo, a verdade
parcial que os domina já está tão arraigada em seu espírito, que esta geração e
talvez até a próxima, já estejam desencantadas de esperança. Com muito ardor,
quiçá, daqui a cem quixotescos anos possamos vislumbrar alguma réstia de luz.
Se, até lá, ainda existir algum sol para alumiar os escombros do que já foi o país do futuro.
Jorge Emicles
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