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quinta-feira, 25 de julho de 2019


CERIMÔNIA DE OUTORGA DA MEDALHA FIDERALINA AUGUSTO LIMA, CONCEDIDA PELA ACADEMIA LAVRENSE DE LETRAS (ALL) A OTONITE CORTEZ E DIVANI CABRAL, POR OCASIÃO DA ABERTURA DOS DEZ ANOS DO CARIRI CANGAÇO - DISCURSO DE APRESENTAÇÃO DAS HOMENAGEADAS



                   Vem da tradição mais remota do Cariri, ser esta terra de lutas e cultura. Nascida da primeva guerra entre brancos e índios, que em parte devastou o valente povo de cara triste, os Kariris, mas em parte também os acolheu como componente indelével de sua rica cultura, a região sul do Ceará sempre se destacou desde o seu berço mais remoto.
                   Entre o final do século XIX e primeiras décadas do século XX, ganhou corpo no Brasil inteiro, mas com destacada força nessa região, o chamado período dos coronéis, nascido no final do império e fortalecido durante toda a primeira república brasileira. O Cariri cearense novamente ganha relevo nessa impotente fase da história nacional. É esse o tempo dos coronéis, seus cabras e também dos cangaceiros, outro fenômeno social brasileiro que fincou profundas raízes na região.
                   Nesse período conviveram figuras aparentemente antagônicas, talvez até inconciliáveis na narrativa de alguma ficção que, contudo, na realidade de nossa historiografia, coexistiram muitas vezes pacificamente, visando objetivos comuns, mas noutras se engalfinhando nas lendárias guerras locais, entre as forças públicas e os cangaceiros; entre os coronéis e os cangaceiros e entre os coronéis uns com os outros. É nesse cenário conturbado que surgem figuras surreais, como Lampião e seu bando, padre Cícero e seu tino peculiar para o misticismo, a política e os negócios. E também a lendária dona Fideralina Augusto Lima, mandatária maior de toda a região do Vale do Salgado. Mulher que mandava nas coisas da política e nos homens num tempo em que as mulheres sequer direito ao voto possuíam.
                   É essa a figura justamente homenageada pela Academia Lavrense de Letras ao criar uma medalha com seu nome.
                   Em parceria com o Instituto Cultural do Cariri, este último, instituição que congregou os primeiros estudiosos da nossa rica região, vem a Academia Lavrense de Letras reconhecer nessa memorável data a grandeza da mulher caririense, outorgando a medalha dona Fideralina Augusto Lima e duas grandes mulheres nascidas na região. Se tratam de Otonite Cortez e Divani Cabral. Sem dúvida, dois importantes símbolos do destacado lugar conquistado pela mulher caririense, desde os remotos tempos de dona Fideralina, de Lavras da Mangabeira.
                   Antonia Otonite de Oliveira Cortez é nascida em Cariús, mas foi em Várzea Alegre, no seio de sua família, formada por seus pais e quatro irmãos, onde foi criada e viveu até os vinte e dois anos de idade. Desde cedo se destacou como uma grande educadora. Foi egressa da antiga Faculdade de Filosofia do Crato, sementeira cultivada pela diocese local e que vingaria na atual Universidade Regional do Cariri – URCA, de importância fundamental ao desenvolvimento regional. Nessa qualidade, é parte do time de fundadores da instituição, à qual se dedicou com elevado esmero desde os seus primeiros anos, até a atualidade.
                   Foi e é importante professora do departamento de História da URCA, mas também ocupou os mais destacados cargos da instituição, passando desde Coordenação de seu curso até a reitoria da instituição, ocupando ainda no interstício entre um e outro cargo, diferentes funções institucionais, dentre as quais é importante destacar, a Comissão Executiva do Vestibular, a presidência da Comissão Permanente de Pessoal Docente, membro de ambos os Conselhos Superiores da Universidade e membro da Comissão Responsável pela elaboração do Plano de Cargos, Carreiras e Vencimentos das três Universidades Estaduais do Ceará, trabalho este que se transformou em lei até hoje em vigor e que teve o mérito de dignificar e requalificar a carreira e a remuneração dos professores universitários em todo o Ceará.
                   Foi todo esse conjunto de atividades que a qualificou a ser eleita sucessivamente vice-Reitora e Reitora da Universidade, tendo sido a segunda mulher a dirigir a instituição e a primeira oriunda de seu quadro permanente. Sua administração foi marcada pelo dinamismo, pelo entendimento com os diversos setores que compõe a academia, pela democracia, avessa que sempre foi às perseguições políticas e as práticas despóticas, mas principalmente, foi uma realizadora de grandes obras. Algumas delas imateriais, mas de profunda relevância acadêmica, como a de implantação dos programas de assistência estudantil, responsável por garantir a permanência dos alunos pobres nos bancos da Universidade durante toda a sua formação acadêmicas. Outras, entretanto, obras de vulto material, como a construção do Ginásio da URCA, do prédio do Biotério, da Residência Universitária, da reforma do museu de paleontologia de Santana do Cariri, além de dezenas de outras realizações.
                   A marca da grande gestora a conduziu em seguida à Secretaria de Educação do Município, onde foi uma das principais colaboradoras do atual prefeito de Crato. Mas não se trata de uma gestora, apenas. O vulto que se presta aqui a ser homenageada é o de uma grande mulher, que para muito além da vocação política e do carisma de indiscutível liderança, carrega em todos os seus atos a delicadeza da mãe e avó que é, a meiguice da amiga, sempre preocupada com os seus próximos e, sobretudo, a serenidade da grande educadora que em tudo o que faz ensina.
                   Já Maria Divani Esmeraldo Cabral carrega a mesma marca da pedagoga, embora não se trate de mulher da política, no que pese seja um ser de profunda sensibilidade e argúcia do mundo. Sensibilidade essa tão destacada que somente poderia caber no espírito de uma artista, o que ela, acima de todas as outras coisas, é.
                   Nascida em Crato, filha de tradicional família local. Perdeu o pai bem cedo, o que a obrigou a começar ainda na adolescência a buscar meios de auxiliar na renda familiar. E foi desde então que se revelou a artista inata que ela já nasceu sendo.
                   Com os pais aprendeu os primeiros acordes e se familiarizou com os primeiros instrumentos. Mas também se dedicou com esmero ao estudo da música e outras artes. Iniciou-se como estudante da Sociedade de Cultura Artística de Crato, mas logo se transformou no espírito que vivifica tudo naquela instituição. Se especializou em música instrumental, em canto, técnica vocal, regência, violino e história da música, além de possuir formação em teatro, artes plásticas e cinema. Foi professora nos principais educandários da região, além de ter trabalhado na Faculdade de Filosofia de Crato e na própria Universidade Regional do Cariri. Foi mestre de muitas disciplinas, como de educação artística, psicologia infantil e da adolescência, história da educação, sociologia, técnicas audiovisuais, teatro, canto, piano e violino.
                   O currículo da homenageada já depõe sobre as qualidades intelectuais e artísticas dela. Nada, contudo, lhe é tão caro quanto o fato de haver sido a fundadora e regente do famoso Pequeno Coral do Crato, que já há gerações vem formando parte da juventude de toda a região. Ela educa seus jovens não somente para a música, mas sobretudo para a vida. Seu arguto olhar repara não apenas para a perfeição do canto de seus pupilos, mas para a sua existência como um todo. Seus vívidos olhos brilham quando ela fala das centenas de mensagens de agradecimento que recebe vez em quando dos antigos alunos, alguns já homens e mulheres de madura idade, que ainda assim, guardam a saudade e o reconhecimento da grande educadora que é Divani Cabral.
                   Ao longo de sua rica vida, Divani já exerceu dezenas de funções importantes em várias instituições locais, como na Rádio Educadora do Cariri, no Colégio Santa Tereza de Jesus, no Colégio Diocesano do Crato, no Centro de Audiovisuais da Faculdade de Filosofia de Crato, no Teatro Afonso Pena, na Scholla Cantorum Sanda Cecília, no Município de Crato, no Museu Vicente Leite e Histórico J. de Figueiredo Filho, na Biblioteca Municipal, entre outros.
                   Seu mais destacado trabalho, no entanto, é como diretora e regente do coral da Sociedade de Cultura Artística do Crato – SCAC, onde tem sede o Teatro Rachel de Queiroz.
                   Assim como quanto à nossa primeira homenageada, relatar os cargos que ocupou e os lugares em que já esteve é bem pouco para falar de Divani Cabral, pois para muito além de todos os dados biográficos relatados, é de uma rara mulher de quem falamos. De uma daquelas que soube ter a grandeza de espírito necessária para transformar a perda do pai em uma grande oportunidade de aprendizado. Que transmudou, como bem poucos são capazes, a dor do sofrimento na beleza da arte. Quem, ao invés das lágrimas do degredo, derramou acordes a um mundo já desde aqueles remotos anos de sua infância carente de amor, sensibilidade e compromisso com a formação ética das futuras gerações.
                   Por traz da fragilidade do corpo e para além da timidez e recato dos gestos, Divani Cabral esconde a magnanimidade de uma profunda e delicada artista.
                   Cada qual a seu modo, Otonite Cortez e Divani Cabral, são replicadoras da fortaleza da mulher caririense e por isso indiscutíveis merecedoras da Medalha Fideralina Augusto Lima, concedida em honrosa parceria entre o ICC e a ALL.
Jorge Emicles

domingo, 21 de julho de 2019


LEGADO DO PORVIR



                   O que de melhor poderíamos legar à próxima geração, em especial aos filhos, senão a posteridade de um futuro pacífico e próspero, pleno de boas colheitas. O futuro é filho do presente, sua consequência direta, de modo que se há pretensão em construir um legado do porvir à seguinte geração, é no agora que se deve alicerçar os fundamentos desse tempo que haverá de alvorecer para ser testemunhado pela descendência humana.
                   Através das sucessivas gerações nos fazemos eternos, especialmente por intermédio da descendência direta. Nossos filhos são mais que a continuação da vida na matéria, representam a sequência de nosso próprio existir. Há um legado que herdamos da ascendência e repassamos aos sucessores. Essa é uma, senão a mais importante, das formas de o ser humano se eternizar, porque existe um elo que nos liga desde o primeiro homem até o derradeiro, passando necessariamente por cada um de nós, sendo a cultura quem liga cada qual desses quase infinitos elementos.
                   Zelar da descendência é cuidar de si próprio, mas também de toda a humanidade, pois somente assim poderemos sobreviver na matéria, seja enquanto espécie, seja enquanto indivíduos. Sejamos bons pais, então.
                   Aristóteles, um dos maiores entre os gregos, era acima de todas as outras coisas um educador. Como bem ciente dessa irrenunciável missão dos ancestrais em face da sua descendência, tratou de legar a seu filho, Nicômacos, um dos mais completos conjunto de conselhos. O melhor que um pai poderia fazer a seu filho. Uma de suas obras mais famosas, Ética a Nicômacos, são na verdade as lições de um pai à sua descendência.
                   Eis um bom exemplo a seguir.
                   Porquanto não possuímos a profunda visão de mundo aristotélica, embora dela bebamos ainda hoje nas tantas e vãs tentativas de compreender o caos da modernidade, ainda assim não nos desobrigamos do compromisso de afirmar valores necessários à posteridade.
                   Mas que poderíamos dizer a algum suposto filho ainda não nascido? Que mundo a humanidade do presente haverá de legar à humanidade do futuro? Na visão de quem consome o oxigênio do hoje, um mundo caótico, no mínimo.
                   Mas, se pretendemos alicerçar um futuro grandioso, primeiro teremos que  compreender o presente tumultuado em que habitamos, pois é somente a partir da consciência que poderemos alterar a atualidade.
                   Para a nossa posteridade, legamos o nosso presente, porque é somente a partir dele que minimamente podemos tecer alguma compreensão, rudimentar que seja. E esse mundo não é fácil de sobreviver, muito menos de ser compreendido.
                   Daqui falam, talvez em demasia, da verdade, da ética, do que é politicamente correto. Se ensina os valores da ecologia, a necessidade de um consumo consciente e sustentável e de um crescente elevo espiritual. As pessoas aparentam ser livres para falar e agir como bem lhes aprouver. A Constituição Cidadão nos garante. Mas isso só no visor da televisão ou nos monitores dos computadores e smartfones, porque a verdade mesma, a do cotidiano; a que vivemos e sentimos nos corredores dos prédios públicos e privados ou nas calçadas, praças e outras vias é bem distinta. É a do preconceito, da penúria de espírito e da intolerância. Os professores não podem falar a sua verdade se ela não for a imposta pelo opressor. Mais que nunca, a educação vem tomando caminhos tirânicos e alienantes. O consumo irresponsável é cada vez mais estimulado. As práticas religiosas são o mote para a perseguição do que é diferente, porque parece que Deus voltou a ser aquela Criatura enciumada e perseguidora que lançou pragas aos egípcios e arrasou exércitos de inimigos.
                   Ainda pior que esse comportamento idiossincrático é compreender que assim é não por conta de alguma droga alienante, de um algum novo meio de hipnose coletiva, que abobalha as pessoas, fazendo-as ceder ingenuamente à maldade de um novo e insólito ditador. Nada disso. As pessoas agem como são em essência. Revelam sua maldade, preconceito e intolerância. Se matam os homossexuais porque se os odeia. Se nega a miséria humilhante da fome porque os pobres e inválidos precisam ser eliminados, vez que não podem consumir. Se proíbem as reflexões sociológicas porque é mais fácil amansar as massas quando são incultas.
                   Os culpados não são os governantes, mas os ímpios que os elegeram e os aplaudem. O maior dos erros da Segunda Guerra foi imaginar que Hitler alienou todo um povo. Nada disso. Assim como os alemães apoiaram todas as atrocidades nazistas; os italianos as dos fascistas; e os russos as dos stalinistas, também a contemporaneidade apoia os facínoras de plantão. Os norte-americanos são contra a migração porque não se rebelam contra os muros da perseguição. Os europeus são racistas porque seguem elegendo os mesmos governos que fecham os portos e as fronteiras aos refugiados das guerras africanas e orientais, de cujas raízes mais remotas são os derradeiros responsáveis. Os brasileiros são misoneístas, sexistas, preconceituosos aos nordestinos, contra a educação de qualidade e mandam às favas a consciência ecológica e a preservação das riquezas naturais pelos mesmos motivos. Querem ser governados por déspotas, que administram para o umbigo e para a família. Acham que os seus governantes, os magistrados em especial, podem e devem abusar do poder e mentir impunemente, desde que o façam com o propósito de eliminar do poder os inimigos. Se indignam apenas contra a corrupção da esquerda vermelha, pois não se incomodam nem um pouco com o abuso praticado pelos algozes da enegrecida corrupção rubra.
                   E tudo isso se faz mundo afora em nome da verdade. Hipocrisia seria o outro nome da nossa espécie?
                   Não pensamos iguais, claro. Também há os americanos ecológicos, os europeus caridosos e os brasileiros progressistas. É outro engodo da metafísica (ou se preferimos, da arrogante ciência moderna) a de nos unificar em estanques compartimentos, como se de verdade, enquanto povo, tivéssemos as mesmas raízes, cultura e progresso. Somos no mundo inteiro castas diferentes, de valores bem distintos que, grosso modo, nos dividimos entre os vencidos e vencedores da guerra original que fundou o Estado. Os famosos opressores e oprimidos, patrícios e plebeus, aristocratas e provo, burgueses e proletário, burocratas e cidadãos, dominantes e dominados. São todos nomes distintos para a mesma subjugação historicamente repetida em ciclos regulares, que se destroem e renovam para continuar no mesmo. O hoje é uma simples repetição desse processo.
                   Conscientizar o futuro dessa tragédia quase invencível é a esperança única de que no porvir o novo se construa de fato, sem maquiagens ou engodos, como é no presente.
                   Nosso conselho ao futuro incerto da posteridade, vista ela desde esta cambaleante realidade é de denúncia, sim, mas também de consciência. Não de revolta, mas da compreensão de que as coisas precisam se dar com sofreguidão, pois a clareza necessita das trevas para ser distinguida e reconhecida por seu valor intrínseco.
                   Que ao menos nossos filhos, pelo nosso exemplo, aprendam a como não proceder, a praticar a verdade e a reconhecer que não somos povos distintos que habitam o mesmo planeta, mas uma só e inseparável comunidade, que só quando unida atingirá o esplendor da felicidade.

Jorge Emicles

sexta-feira, 19 de julho de 2019


CARTA AO FUTURO





Ó futuro que me espia,
Incerto, que se esguia
Do foco da minha miopia.
Não te prever seria alguma alegria?

Daqui, desde o existir do presente
Nada sei, pareces ausente.
Daí, o que sou e serei tu sentes
O porvir de todos os pressentes.

Ó futuro de incerteza e prova
Que melindres a mim arvora
Teu destino de seguir embora?
Por favor, não me devora!

Me apascentas o coração doente
Não me faças mais um demente
Ao do mundo se sentir ausente.
Que a fé em mim se alimente!

Sigas sendo esperançoso ao otimista
Tormentoso ao jovem niilista
Pacificador ao filósofo tomista
E justo ao prudente realista.

Como é dever de ser do tempo
Seja relativo e compassivo.
Como tem de ser toda a verdade
Seja desvelo de pura realidade.
Jorge Emicles