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quarta-feira, 10 de outubro de 2018


O INSTITUTO CULTURAL DO CARIRI





                   É marca recorrente da história do Brasil que o desenvolvimento venha do litoral para o interior. Os sertões, como são mais constantemente referenciadas as terras de dentro desse país continental. O Cariri naturalmente não foge desse processo.
                   De povoamento retardado, segundo as mais reconhecidas fontes, fomos colonizados por desbravadores vindos da Bahia, os descendentes do velho Caramuru, o português radicado entre os Tupinambás e de importância peculiar à colonização brasileira.
                   Desde os primeiros tempos, contudo, o Cariri demonstrou vocação própria com relação à cultura, educação e enfrentamento das mais relevantes questões políticas nacionais. A região é celeiro de antigas tradições culturais, muitas provenientes da Europa medieval e ainda hoje preservadas através da tradição oral de dezenas de mestres da cultura. É sede das primeiras instituições de ensino dos sertões, num importante movimento de interiorização da educação formal. Aqui, é importante o destaque do centenário Seminário do Crato. Igualmente teve vez em importantes movimentos políticos nacionais, como a marcante participação de José Martiniano na Revolução Pernambucana de 1817 e de seu irmão, Tristão Gonçalves, na Confederação do Equador. Tudo sem falar no movimento de rebelião e queda do Presidente do Estado, Franco Rabelo, liderado pelo patriarca de Juazeiro. Isso, apenas para ficarmos em exemplos tópicos, porque a riqueza da cultura local caberia sem dúvidas em dezenas de volumosos tomos.
                   Foram exatamente as características únicas que marcaram a construção do Cariri que conduziram um grupo de pioneiros, notáveis estudiosos da história e da diversidade cultural local, a se organizarem nos moldes de uma academia de ciências. Foi no longínquo outubro de 1953 que a melhor intelectualidade do Cariri fundou seu instituto de ciências, o Instituto Cultural do Cariri.
                   Irineu Pinheiro era um médico com espírito de pesquisador em história. Não possui nenhum livro sobre as ciências médicas, mas é impossível compreender a história local sem a consulta à sua rica obra sobre o Cariri. Médico e amigo pessoal do Padre Cícero, foi também testemunha ocular de um dos mais impressionantes episódios da história local, o da queda de Franco Rabelo pelas mãos dos asseclas de Padre Cícero. Foi este médico o primeiro presidente do Instituto Cultural do Cariri, o ICC. Figueiredo Filho era boticário, e a partir de sua tradicional farmácia estudava e buscava compreender o mundo à sua volta, sempre a partir do Cariri. Era outro historiador por vocação, sendo clássica e inevitável para os estudiosos sérios a visita à sua História do Cariri, dentre outras importantes produções. É ele o segundo presidente do ICC. Já o terceiro presidente do Instituto se tratou de figura bem mais polêmica e ainda mais aguerrida. Sempre, contudo, um profundo estudioso da história local. Trata-se do padre Antônio Gomes de Araújo, cujo texto mais polêmico e até hoje referenciado nas modernas pesquisas a respeito da historiografia local foi publicado na Revista Itaytera, publicação oficial do ICC. A referência é ao artigo intitulado Apostolado do Embuste, através do qual pretende desmascarar o famoso milagre da conversão da hóstia em sangue, atribuído ao padre Cícero e analisado em ampla historiografia.
                   Opiniões e polêmicas a parte, o fato é que o Instituto Cultural do Cariri chega à sua terceira geração de acadêmicos, todas elas comprometidas com o desenvolvimento da ciência e progresso da região. Tanto os críticos quanto os admiradores dos trabalhos do ICC não poderão negar a importância dos trabalhos por ele capitaneados para a preservação das fontes históricas e compreensão dos diversos períodos históricos do Cariri cearense. Nenhum pesquisador sério da história local poderá recusar o ICC e sua contínua produção como a mais rica fonte sobre o Cariri. A biblioteca do Instituto ainda hoje guarda relíquias inigualáveis.
                   Só isso já bastaria para justificar os festejos dos sessenta e cinco anos do Instituto.
                   Mas a moderna geração de acadêmicos que atualmente se encontra à frente dos destinos do longevo ICC, ao mesmo tempo em que busca preservar esse insubstituível legado, procura olhar para a frente. Os tempos são outros e as demandas da atualidade impõem um movimento de maior integração das atividades do Instituto com toda a produção acadêmica hoje ainda mais rica do Cariri. É tempo de estabelecer parcerias mais profícuas com as instituições de ensino do Cariri, como as universidades públicas e privadas que pululam nas suas principais cidades; mas também de atuar com maior desenvoltura em todos os municípios da região.
                   O tempo é o de olhar para além dos limites geográficos e culturais do Crato.

Jorge Emicles

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