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sábado, 8 de setembro de 2018


LEI DO MOVIMENTO




                   Há quatro anos passados o processo eleitoral brasileiro já foi de extrema complexidade. Já ali não faltaram emoções profundas. Uma eleição que se apresentava previsível ganhou corres limítrofes a partir da morte de um dos candidatos, vítima de desastre aéreo. Claro, não faltaram teorias da conspiração induzindo a existência de interesses ocultos que teriam comandado o atentado que resultou no dito acidente.
                   O resultado foi uma eleição cuja legitimidade restou profundamente questionada por vários setores da sociedade, seja pela pequena diferença de votos entre os candidatos que disputaram o segundo turno da eleição, seja mesmo pelas mentiras e calúnias que arrastaram para o lamaçal da ignomínia toda e qualquer pretensão ética do processo de sufrágio.
                   A derrocada econômica do país e a crise política que conduziram ao impeachment da Presidente da República nos parecem meras consequências dos fatos levados a cabo ainda durante a campanha presidencial de 2014.
                   O fato, contudo, é que as coisas poderiam e ficaram bem piores que alhures. Não bastasse o candidato favorito das intenções de votos encontrar-se preso e juridicamente impedido de registrar sua candidatura, o que em si mesmo põe em xeque a legitimidade de todo o pleito; não fosse suficiente o patente desinteresse de grande parcela da sociedade com as eleições, convicta que está da absoluta inutilidade do sufrágio que conduz sempre à vitória dos mesmos interesses dos mesmos grupos hegemônicos de sempre (desde a Revolução Francesa, quiçá desde sempre, que o povo é mera bucha de canhão, instrumento da tomada de poder de castas outras da sociedade); não houvesse a radicalização de posições em todos os rincões da sociedade, fazendo da política uma guerra fraticida entre o povo com ele mesmo, criando a ilusão de que o inimigo esteja à direita ou à esquerda (de onde ou de quem não dizem), lembrando vívidas e cheias de razão as antigas palavras de Foucault, de que a política é uma guerra sim, mas feita com armas diferentes; todas essas coisas formam apenas o tempero para o grosso caldo social que vem entornando a presente realidade política.
                   Toda essa panaceia ainda era pouco para o Brasil. Afinal, quando a coisa vai mal, é sinal que tende a piorar mais e mais. Não ao acaso, portanto, nos afrontou o atentado sofrido pelo candidato que atualmente (com a retirada da campanha do outro) figurava como o novel preferido das intenções de voto. Uma facada traiçoeira, rápida como o bote de um gato matreiro, fez desfalecer o candidato Jair Bolsonaro em pleno ato de campanha. A vítima fora atingida literalmente quando estava nos braços do povo, o que em si mesmo tem um poder simbólico profundo para a midiática sociedade contemporânea. Essa imagem ainda será repetida à exaustão até o dia do pleito, não dividamos.
                   As informações da imprensa dão conta de que houve real risco de morte; que se o socorro não houvesse sido pronto o falecimento do candidato seria uma possibilidade plausível diante dos fatos dados. Embora sempre haja os que venham falar de armação, os fatos apurados e o depoimento da equipe médica não induzem a essa conclusão.
                   Então é preciso perguntar: a quem interessa um atentado fracassado ao candidato da intolerância contra as minorias sociais brasileiras? As pesquisas dirão, mas o sentimento que grassa sobre todas as campanhas presidenciais é de que somente o próprio Bolsonaro sairá com vantagens do episódio.
                   O algoz do candidato diz ter agido em nome de Deus (que até parece estar cada vez mais disposto a formar um exército de fanáticos mundo afora, capaz de dizimar todos os que não comunguem de sua Onipotência – mas, ora, não seria mais fácil a Deus fazer como fez aos egípcios do tempo de Moisés, insuflando-os de pragas cuja mais terrível foi a morte de todos os primogênitos daquela terra, a começar pelo do Faraó?). Fato mesmo é que teorias da conspiração pulularão em número cada vez maior. Há ainda dúvidas sobre se o autor do ataque agiu sozinho ou com o apoio de outros; a respeito de quem financiou um desempregado a permanecer dez dias em uma cidade que não era a sua, e porque razões o teria feito; se ele teria ou não de alguma maneira sido insuflado por algum discurso político e radical...
                   De tudo isso, o que é indiscutível é que a lei do movimento fez girar a roda da vida. O candidato que mais pregou o discurso da violência e o uso dela para combater esse mesmo mal que em diversos níveis gravita em toda a nação, foi exatamente ele a vítima direta de um ato assaz e reprovável de uma das piores formas de coação conhecida. Por muito pouco, afinal, ele não foi o destinatário de uma sentença unilateral e irrecorrível de morte, ditada por um radical e despreparado indivíduo, que movido pela mesma arrogância que por certo insuflou um tanto dos discursos do candidato em suas bravatas ilusórias e autoritárias, quase fez a foice do ceifador agir contra sua própria energia vital.
                   Previsão do tempo? A tempestade está apenas no início. O prognóstico de um furacão de nível máximo é quase certo.

Jorge Emicles

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