LEI
DO MOVIMENTO
Há quatro anos passados o processo eleitoral
brasileiro já foi de extrema complexidade. Já ali não faltaram emoções profundas.
Uma eleição que se apresentava previsível ganhou corres limítrofes a partir da
morte de um dos candidatos, vítima de desastre aéreo. Claro, não faltaram
teorias da conspiração induzindo a existência de interesses ocultos que teriam
comandado o atentado que resultou no dito acidente.
O resultado foi uma eleição cuja legitimidade
restou profundamente questionada por vários setores da sociedade, seja pela pequena
diferença de votos entre os candidatos que disputaram o segundo turno da
eleição, seja mesmo pelas mentiras e calúnias que arrastaram para o lamaçal da
ignomínia toda e qualquer pretensão ética do processo de sufrágio.
A derrocada econômica do país e a crise política
que conduziram ao impeachment da
Presidente da República nos parecem meras consequências dos fatos levados a
cabo ainda durante a campanha presidencial de 2014.
O fato, contudo, é que as coisas poderiam e
ficaram bem piores que alhures. Não bastasse o candidato favorito das intenções
de votos encontrar-se preso e juridicamente impedido de registrar sua
candidatura, o que em si mesmo põe em xeque a legitimidade de todo o pleito; não
fosse suficiente o patente desinteresse de grande parcela da sociedade com as
eleições, convicta que está da absoluta inutilidade do sufrágio que conduz sempre
à vitória dos mesmos interesses dos mesmos grupos hegemônicos de sempre (desde
a Revolução Francesa, quiçá desde sempre, que o povo é mera bucha de canhão,
instrumento da tomada de poder de castas outras da sociedade); não houvesse a
radicalização de posições em todos os rincões da sociedade, fazendo da política
uma guerra fraticida entre o povo com ele mesmo, criando a ilusão de que o inimigo
esteja à direita ou à esquerda (de onde ou de quem não dizem), lembrando
vívidas e cheias de razão as antigas palavras de Foucault, de que a política é
uma guerra sim, mas feita com armas diferentes; todas essas coisas formam
apenas o tempero para o grosso caldo social que vem entornando a presente
realidade política.
Toda essa panaceia ainda era pouco para o Brasil.
Afinal, quando a coisa vai mal, é sinal que tende a piorar mais e mais. Não ao
acaso, portanto, nos afrontou o atentado sofrido pelo candidato que atualmente
(com a retirada da campanha do outro) figurava como o novel preferido das
intenções de voto. Uma facada traiçoeira, rápida como o bote de um gato
matreiro, fez desfalecer o candidato Jair Bolsonaro em pleno ato de campanha. A
vítima fora atingida literalmente quando estava nos braços do povo, o que em si
mesmo tem um poder simbólico profundo para a midiática sociedade contemporânea.
Essa imagem ainda será repetida à exaustão até o dia do pleito, não dividamos.
As informações da imprensa dão conta de que houve
real risco de morte; que se o socorro não houvesse sido pronto o falecimento do
candidato seria uma possibilidade plausível diante dos fatos dados. Embora
sempre haja os que venham falar de armação, os fatos apurados e o depoimento da
equipe médica não induzem a essa conclusão.
Então é preciso perguntar: a quem interessa um
atentado fracassado ao candidato da intolerância contra as minorias sociais
brasileiras? As pesquisas dirão, mas o sentimento que grassa sobre todas as
campanhas presidenciais é de que somente o próprio Bolsonaro sairá com vantagens
do episódio.
O algoz do candidato diz ter agido em nome de Deus
(que até parece estar cada vez mais disposto a formar um exército de fanáticos
mundo afora, capaz de dizimar todos os que não comunguem de sua Onipotência –
mas, ora, não seria mais fácil a Deus fazer como fez aos egípcios do tempo de
Moisés, insuflando-os de pragas cuja mais terrível foi a morte de todos os
primogênitos daquela terra, a começar pelo do Faraó?). Fato mesmo é que teorias
da conspiração pulularão em número cada vez maior. Há ainda dúvidas sobre se o
autor do ataque agiu sozinho ou com o apoio de outros; a respeito de quem
financiou um desempregado a permanecer dez dias em uma cidade que não era a
sua, e porque razões o teria feito; se ele teria ou não de alguma maneira sido
insuflado por algum discurso político e radical...
De tudo isso, o que é indiscutível é que a lei do
movimento fez girar a roda da vida. O candidato que mais pregou o discurso da
violência e o uso dela para combater esse mesmo mal que em diversos níveis gravita
em toda a nação, foi exatamente ele a vítima direta de um ato assaz e reprovável
de uma das piores formas de coação conhecida. Por muito pouco, afinal, ele não
foi o destinatário de uma sentença unilateral e irrecorrível de morte, ditada
por um radical e despreparado indivíduo, que movido pela mesma arrogância que
por certo insuflou um tanto dos discursos do candidato em suas bravatas
ilusórias e autoritárias, quase fez a foice do ceifador agir contra sua própria
energia vital.
Previsão do tempo? A tempestade está apenas no início.
O prognóstico de um furacão de nível máximo é quase certo.
Jorge
Emicles
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