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quinta-feira, 23 de agosto de 2018


DURMA-SE COM UM BARULHE DESSES!




                   A primeira rodada de pesquisas, sondando os possíveis resultados das eleições gerais no Brasil no presente ano saiu, deixando importantes parcelas da sociedade nacional em polvorosa. O mercado sobressaltou-se, principalmente em vista da incerteza que ressalta do cenário eleitoral. Lula ganha folgado em todos os cenários possíveis, contra quaisquer das candidaturas postas exceto, é claro, se for retirado da disputa conforme apontam todas as previsões sérias. A verdade é que nem mesmo seu eleitor mais fiel e convicto acredita mesmo que sua candidatura venha a ser deferida.
                   O caso é grave, afinal. O ex-Presidente se encontra preso, em plena execução antecipada de pena por crime de corrupção, em razão de haver recebido um já famoso apartamento triplex em troca de ajuda a empreiteiras junto à Petrobrás. Se Lula é realmente o dono do dito apartamento; se há ou não provas contundentes capazes de condená-lo pelo ato de corrupção; se é ou não constitucional a execução antecipada de uma pena criminal mesmo em face de expressa disposição da Constituição nacional no sentido de que presumem-se todos inocentes até o trânsito em julgado da sentença condenatória são bem o cerne de todo o debate em torno da figura do petista. Há opiniões para todos os gostos. O fato mesmo é que, independente da prisão e da presunção constitucional de inocência, a lei mesma proíbe expressamente a candidatura. A norma em questão, se trata da chamada lei da ficha limpa, ironicamente promulgada pelo próprio Lula quando era Presidente. Por essa lei, é inelegível (não podendo concorrer a qualquer cargo eletivo) todo aquele condenado por um órgão colegiado por crimes específicos (entre os quais estão os crimes contra a administração pública, onde se inclui o de corrupção). A lei expressamente cria a inelegibilidade mesmo antes do trânsito em julgado da decisão.
                   E isso é constitucional, segundo decisão do Supremo Tribunal Federal, ditada no âmbito de uma ação direta de inconstitucionalidade. Na tosca linguagem jurídica é uma verdade jurídica porque transitou em julgado, ou seja, não comporta mais qualquer recurso.
                   O problema é que as verdades jurídicas podem não ser tão verídicas assim. Reflitamos um pouco sobre esses fatos (jurídicos) à luz dos valores do republicanismo e da democracia. Por diversão ou por despudor, quiçá, construamos um silogismo inspirado nas lições do velho Aristóteles, sempre lembrando que os silogismos aristotélicos podem revelar o que não é necessariamente verdadeiro.
                   A república é o governo do povo. Do latim, res (coisa); publica (de todos). A coisa pública é de todos, ou melhor dito, do povo. A soberania somente poderá ser exercida pelo povo, por ninguém mais. No máximo, como é o caso da democracia indireta, será exercitada pelos representantes do povo, mas sempre em seu nome. Os parlamentares nada mais são senão meros representantes ou prepostos do povo soberano. “Todo o poder emana do povo”, diz textualmente a Constituição brasileira em franca inspiração ao ideário de Rousseau, ainda nos idos da Revolução Francesa de 1789. Ideia contrária é a do regime monárquico, onde a soberania é exercida pelo rei (do latim, monarcha, governo de um).
                   Nas obras de Direito Constitucional é mais que pacífica a compreensão de que a soberania popular será exercida principalmente através do sufrágio. Sufrágio significa o instrumento de intervenção popular nas deliberações do Estado. Esse direito é exercido através do voto, que no Brasil será universal, direto e secreto. Para cada um desses adjetivos atribuídos ao voto é possível localizar sua origem em algum ou vários movimentos históricos de revolta popular. A principal referência a eles, naturalmente, encontraremos na Revolução Francesa, onde os Estados Gerais convocados pelo Rei Luís XVI se transformaram em uma Assembleia Constituinte, fundadora da moderna República francesa.
                   Mas essas são outras histórias, que poderão melhor seriam abordadas em futuros artigos. As ideias das quais pretendemos chamar a atenção são as de que a soberania pertence nominalmente ao povo, que a exerce através do sufrágio, direito que conduz ao exercício do voto. Insistimos que esse ideário é perfeitamente compatível com qualquer pensamento moderno desenvolvido por todos os constitucionalistas. Seria uma rara unanimidade jurídica. Só não é uma verdade jurídica porque não transitou em julgado (pasmem!). À luz do pensamento filosófico e linguístico de Habermas, porém, é sim uma verdade, pois a verdade para esse pensador é o fruto do consenso.
                   Sendo assim, e considerado o claro propósito do povo (dono da soberania) em outorgar um mandato a Lula para ser o seu representante na Presidência da República (que é coisa pública, a coisa do povo), como justificar o impedimento a tanto estabelecido pelo Poder Judiciário, quando vier a indeferir (em cumprimento à determinação legal) o pedido de registro de candidatura do petista? Há nisso tudo uma pergunta que não quer nem pode calar: nesse imbróglio todo, a quem representam os juízes? Segundo os velhos revolucionários franceses, os juízes são os representantes da aristocracia derrotada naquele movimento. Será?
                   O fato é que em todas as hipóteses possíveis, o cenário eleitoral não refletirá a vontade soberana do povo, pois claramente o candidato predileto do populacho não poderá ser votado (o sufrágio, dessa maneira, não será soberano). Estará o dito candidato expressamente proibido de ter lugar na urna eletrônica. Quiçá até mesmo lhe será vedado apresentar sua imagem na propaganda eleitoral, o que sem dúvidas significará inequívoca censura, que de seu turno negará vigência à outra expressa determinação da Constituição nacional que proíbe a censura prévia (porque, dita o art. 5º, IX, da Carta da República [esse é outro nome que dão à nossa Constituição Federal], que “é livre a manifestação intelectual”, (...) independente de censura”).
                   Resultado? Não importa o resultado. Qualquer que seja ele, estaremos diante de uma eleição ilegítima.
                   E durma-se com um barulho desses!


Jorge Emicles

Um comentário:

  1. Prezado Jorge, como a minhas impressões não cabiam aqui, escrevi o conteúdo aqui
    https://calyxtto.blogspot.com/2018/08/durma-se-com-um-barulho-desses.html

    leia se lhe interessar.

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