GUARAMIRANGA
Subir os numerosos degraus daquela vasta escadaria
que conduz à bela igreja matriz de Guaramiranga é quase como elevar-se em
espírito às alturas do firmamento, tão pululante são as lembranças que avivam
ao espírito. Lembranças de um tempo passado, por tão pouco não esquecido. Um
tempo vivido por outros olhos e sentido por outros corações. Mas algo tão firme
de vida, que por gerações afora segue palpitando nas arritmias da descendência.
No topo da escadaria um sofrido Cristo, vividamente
pregado à cruz eterna que carrega em benefício da humanidade inteira, placidamente
perdoando a todos os pecantes por seus males e vilezas escandidos. Não importam
as vossas torpezas, anuncia o Cristo, o arrependimento sincero vos perdoará sem
titubeio. É para isto o rubro do meu sangue e a imensurabilidade da minha dor.
Perdoem uns aos outros, anuncia, e o mundo inteiro se cobrirá do mais plácido e
eterno amor!
É semana santa. Nada mais penetrante haveria que
essa insofismável mensagem, infinitamente mais charmosa e bela que a secular
arquitetura à sua volta e mesmo que a exuberante paisagem ao fundo. Diante do tocante
anúncio de amor e perdão crístico, até pereceria menos bela a construção que
guarnece o altar que protege a bela imagem de Maria, símbolo do superior amor
materno, novamente a espraiar este infinito sentimento a toda essa sofrida e tola
humanidade. Igualmente menor, diante desse sentir, até pareceria a cândida estátua
de São Francisco no mosteiro também cravado na mesma cidade serrana.
A vastidão de águas que guarnece a localidade, com
tantas cachoeiras e correntes firmes, por onde limpam a terra das impurezas dos
pensamentos humanos, mas igualmente renovam a natureza através do ciclo
incessante da vida. Nunca haverá morte nos domínios da mãe natureza, mas na
verdade, a perene renovação da vida, que evolui e se renova a cada novo ciclo
de existência. Como essa realidade simples e profunda deveria servir à nossa ingênua
espécie! Os sentimentos verdadeiros não se findarão jamais, mas se renovarão
sempre, no ritmo das correntes de vida que habitam nossa existência. Sempre
renascerão a cada novo ciclo, maiores e mais perfeitos que nunca, até a
maturidade plena, quando então se elevarão a superiores níveis da existência
cósmica.
Mirar o Cristo morto e sofrido, mais ainda que
inerte anunciando a renovação da vida; espiar o passar monótono das águas, que
mesmo diante das tortuosidades do rio não possui qualquer dúvida sobre qual
será o seu destino... Observar a isso placidamente, compreendendo a calma e rotina
com que esses ciclos se repetem, serve mesmo de alento ao desejo de sermos
melhores. A tortuosidade da vida não haverá de nos abalar, desde que saibamos que
nosso verdadeiro propósito é o de trilharmos o caminho de volta, que é o
caminho do Cristo. Somente através da capacidade do perdão e da renovação é por
onde chegaremos lá.
O amor, se é verdadeiro, jamais nos abandonará. Segurar
as mãos certas enquanto se contempla o Cristo morto ou se deleita com a viagem
das águas é suficiente para compreender essa sublime, indelével, mas ao mesmo
tempo profunda e simples verdade...
Jorge
Emicles
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