Páginas

segunda-feira, 2 de abril de 2018


GUARAMIRANGA




                   Subir os numerosos degraus daquela vasta escadaria que conduz à bela igreja matriz de Guaramiranga é quase como elevar-se em espírito às alturas do firmamento, tão pululante são as lembranças que avivam ao espírito. Lembranças de um tempo passado, por tão pouco não esquecido. Um tempo vivido por outros olhos e sentido por outros corações. Mas algo tão firme de vida, que por gerações afora segue palpitando nas arritmias da descendência.
                   No topo da escadaria um sofrido Cristo, vividamente pregado à cruz eterna que carrega em benefício da humanidade inteira, placidamente perdoando a todos os pecantes por seus males e vilezas escandidos. Não importam as vossas torpezas, anuncia o Cristo, o arrependimento sincero vos perdoará sem titubeio. É para isto o rubro do meu sangue e a imensurabilidade da minha dor. Perdoem uns aos outros, anuncia, e o mundo inteiro se cobrirá do mais plácido e eterno amor!
                   É semana santa. Nada mais penetrante haveria que essa insofismável mensagem, infinitamente mais charmosa e bela que a secular arquitetura à sua volta e mesmo que a exuberante paisagem ao fundo. Diante do tocante anúncio de amor e perdão crístico, até pereceria menos bela a construção que guarnece o altar que protege a bela imagem de Maria, símbolo do superior amor materno, novamente a espraiar este infinito sentimento a toda essa sofrida e tola humanidade. Igualmente menor, diante desse sentir, até pareceria a cândida estátua de São Francisco no mosteiro também cravado na mesma cidade serrana.
                   A vastidão de águas que guarnece a localidade, com tantas cachoeiras e correntes firmes, por onde limpam a terra das impurezas dos pensamentos humanos, mas igualmente renovam a natureza através do ciclo incessante da vida. Nunca haverá morte nos domínios da mãe natureza, mas na verdade, a perene renovação da vida, que evolui e se renova a cada novo ciclo de existência. Como essa realidade simples e profunda deveria servir à nossa ingênua espécie! Os sentimentos verdadeiros não se findarão jamais, mas se renovarão sempre, no ritmo das correntes de vida que habitam nossa existência. Sempre renascerão a cada novo ciclo, maiores e mais perfeitos que nunca, até a maturidade plena, quando então se elevarão a superiores níveis da existência cósmica.
                   Mirar o Cristo morto e sofrido, mais ainda que inerte anunciando a renovação da vida; espiar o passar monótono das águas, que mesmo diante das tortuosidades do rio não possui qualquer dúvida sobre qual será o seu destino... Observar a isso placidamente, compreendendo a calma e rotina com que esses ciclos se repetem, serve mesmo de alento ao desejo de sermos melhores. A tortuosidade da vida não haverá de nos abalar, desde que saibamos que nosso verdadeiro propósito é o de trilharmos o caminho de volta, que é o caminho do Cristo. Somente através da capacidade do perdão e da renovação é por onde chegaremos lá.
                   O amor, se é verdadeiro, jamais nos abandonará. Segurar as mãos certas enquanto se contempla o Cristo morto ou se deleita com a viagem das águas é suficiente para compreender essa sublime, indelével, mas ao mesmo tempo profunda e simples verdade...

Jorge Emicles

Nenhum comentário:

Postar um comentário