ENFADO
Vendo tantos crimes sendo revelados em cadeia
nacional, noticiados escandalosamente no noticiário de maior audiência da mídia
nacional; naquele mesmo que todos acusam de parcial e comprometido, mas que
impreterivelmente na hora do costume aos mesmos críticos faz sentar nas
confortáveis poltronas de suas casas para a visualização diária, fazendo até
parecer se tratar de algum moderno medicamento de horário controlado; mais que
isso, observando que os crimes são capitaneados pelos chefes da nação, por
aqueles legitimamente eleitos para ocupar os cargos mais pomposos e melindrosos
de toda a república; pior ainda, compreendendo que o que se traz à luz é na
verdade a pálida sombra do que de fato se faz e sempre se fez em todos os
momentos da história nacional, desde o aportamento das caravelas do
descobrimento até as intrigas palacianas da contemporaneidade, com seus
conchavos de derrubada e ascensão de governos, com suas maquinações de
interesses para garantir a mais ampla, geral e irrestrita maioria no Congresso
Nacional, e com seus preocupantes métodos de financiamento de campanhas
eleitorais; vendo tudo isso, nem mesmo chego a perguntar que fim terá toda essa
questão, se ao cabo serão todas as denúncias e prisões anuladas por algum
preciosismo técnico tão caro aos juristas ou se de fato pagarão os culpados as
penas impostas; o que preocupa de verdade é o incongruente sentimento de
inutilidade a que toda essa questão remete.
Será que há alguma espécie nova de melancolia,
capaz de corromper a certeza do novo, a convicção de que ele sempre vem; será
que essa tal neófita moléstia seria capaz de destruir a esperança de que as
melhores alterações poderão vir somente a partir das crises; posto que somente
elas permitem o profundo rompimento com a essência do modelo destruído? Será
que não é suficiente óbvio que a alva limpeza imposta aos costumes da política
fará nascer uma outra geração, composta por seres límpidos, éticos e
transparentes em suas ideias e ações? Será que a certeza científica e racional
do iluminismo de que o método e a lógica são o inexorável caminho para a
cientificação de tudo, poderá por um ser em dúvida de suas absolutas e
irrefutáveis verdades, mesmo no raiar do século vinte e um?
Que verme é esse, tão desengonçado, sorrateiro e
venenoso que traz a inconsistente intuição que de nada valerá a limpeza das
nossas instituições, se ao mesmo tempo não alvejarmos a consciência e as
práticas da nossa sociedade; que o combate a ser travado verdadeiramente não é
somente contra as podres almas corrompidas, mas contra o próprio sistema que
corrompe os espíritos fracos e bons? Que imbecilidade crônica será essa, a que
faz perceber que as maiores verdades da existência não cabem na arrogante racionalidade
de nossas academias e que são avessas por sua própria natureza aos excessivos
tomos dos tratados de razões, números e discursos? Que sórdida consciência é a
de quem quer crer (com a mesma convicção inarredável dos que sejam senhores da
verdade absoluta, aquela mesma verdade combatida e negada com ainda mais
veemência) que não precisamos de presídios, mas de escolas; de que não
carecemos de juízes, mas de professores?
Quanto mais conscientes somos das coisas, mais
enfadonhas elas ficam...
Jorge
Emicles
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