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domingo, 31 de janeiro de 2016

CADA QUAL DÁ O QUE TEM



                   Infeliz, é como poderíamos adjetivar a reunião ocorrida no último dia vinte e sete de janeiro de dois mil e dezesseis nas dependências do Campus São Miguel, da URCA, em Crato, capitaneada pelo comando de greve do Sindicato dos Docentes da URCA – SINDURCA. Na ocasião apresentaram uma visão arrogante e estreita da realidade, basicamente transmitindo a prepotente ideia de que todos os avanços alcançados pela instituição são devidos exclusivamente às sucessivas e extemporâneas paralisações que promovem a intervalos cada vez menores.
                   Ditatorial é o que poderíamos concluir a respeito de sua míope visão de mundo, através da qual são destratadas quaisquer visões antagônicas às suas próprias, pelo que negam valores essenciais ao mundo contemporâneo, como os princípios da democracia, da república e por eles o respeito às minorias. São democráticos nos discursos e nos momentos de conveniência, porém déspotas quando se trata de desrespeitar e esmagar qualquer opinião contrária, tal qual reincidentemente fazem em todas as assembleias gerais contra qualquer insano que tente se posicionar em contrafação a suas arrogantes orientações. Que o diga a injustificada recusa em promover uma nova assembleia geral, solicitada por mais de cem professores da instituição, para rediscutir os rumos da greve, inclusive a sensatez da adoção de outros meios menos radicais e prejudiciais de luta. Que o diga a não adesão à greve de figuras de aguerrida história, como conhecidos professores, militantes da legítima esquerda, que vislumbrando o oportunismo golpista do movimento paredista se recusam a dele participar. Que o diga o fortalecido movimento luta sim, greve não, que resiste à infeliz estratégia de uma greve suicida como método de enfrentamento das deficiências da URCA.
                   A verdade que não querem enxergar, no entanto, é que a tática da greve solapa ainda mais a importância geopolítica da URCA enquanto instrumento do desenvolvimento da região do Cariri. Pelas vias da interminável greve, que nas contas do sindicato já dura mais de dois anos, a Universidade se torna a cada dia mais raquítica e desimportante aos olhos da sociedade e do governo, tendo a cada giro que passa menor poder de mobilização, pelo que sensibiliza menos e menos tanto um quanto o outro. No mínimo, não pesaram bem os efeitos nefastos de uma greve na economia local; nem na vida dos acadêmicos, que ao final são as maiores vítimas desse nefasto movimento, obrigados que são a retardar em anos a sonhada alforria representada pela adiada colação de grau; nem muito menos demonstram qualquer compromisso com o desenvolvimento científico, porque sua greve obriga ao retardamento, interrupção ou suspensão de atividades ligadas não apenas ao ensino, como também à pesquisa e extensão universitárias.
                   Responsabilidade política e social. Talvez estejam em falta no comando do SINDURCA.
                   No final de contas, fecharam a malsinada reunião com a insólita e pusilânime afirmação de que todos os professores que não comungam com sua cartilha autoritária, recheada de valores fascistas, seriam canalhas numa demonstração não apenas de desrespeito aos colegas que legitimamente não pensam com eles, mas sobretudo de intolerância à diversidade de opiniões tão necessária ao florescimento da verdadeira e legítima academia.
                   Será mesmo canalha a liberdade de compreender que existem outros meios menos gravosos de enfrentamento das dificuldades da instituição, tanto para a comunidade acadêmica e à sociedade em geral? É atitude típica dos canalhas reconhecer que a Universidade possui distintas e tantas vezes antagônicas forças, todas, contudo, capazes de contribuir, como de fato o fazem, para o crescimento da Universidade? Será dos canalhas a ideia de que é condição sine qua para a existência da vida acadêmica que hajam, persistam e se respeitem as opiniões contraditórias, pois que é no seio dessa rica dialética em que se constroem todos os avanços da história? Seria pelo discurso desses canalhas que afirmariam e principalmente se praticariam os verdadeiros valores da democracia, pelos quais se repercute a voz, os interesses e o espaço também das minorias? É de canalhas o zelo pelos legítimos interesses dos estudantes, já tão massacrados e prejudicados por seguidas greves? É típico dos canalhas se indignar contra uma greve francamente ilegítima, aprovada por menos de dez por cento dos professores da instituição, e com cores inequivocamente políticas, de retaliação contra a derrota na eleição para reitor e de ignóbil rancor ao governo do Estado?
                   Ou canalha não seria a tentativa vil e pusilânime, típica dos apóstatas, de manipular toda uma categoria profissional na pretensão de torna-la massa de manobra contra seus ultrapassados objetivos revolucionários, de elevar ao poder uma pequena elite, eles mesmos os dirigentes partidários que comandam modernamente o SINDURCA, para instituir e comandar uma tirana ditadura, sem dúvidas inspirada no modelo da Coréia do Norte e da extinta União Soviética?
                   E para tanto, serão capazes de desossar qualquer canalha que se ponha em seu caminho.
                   A franca maioria dos professores da URCA, ofendidos que foram pelas covardes palavras do comando de greve, exigem respeito!

Jorge Emicles

quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

ILUMINADO




                   Sentado diretamente na areia, à beira mar e diante da acalantada visão do infinito oceano à sua frente pôs-se a pensar, em estado contemplativo de profunda meditação. Primeiro corregeu o dia presente. Longo e cansativo, preenchido pelos infortúnios da exaustiva jornada que travara. A aurora o encontrou no frenesi na grande metrópole. O pino do sol o alcançou a percorrer uma estrada que era quase inóspita. Já o ocaso o aguardava com a calma repetitiva do bater das ondas e da malacia deserta daquele lugar.
                   Depois, ampliando o foco de sua observação, deitou a atenção no conjunto de sua vida, o que o fez perceber que aquela sua existência na matéria era sim comparável ao dia presente, que acabava de apreciar. Logo depois da primeira infância, foi posto diante de uma série de dificuldades, que ao mesmo tempo em que aparentavam se ampliar o iam impregnando da força e da coragem necessárias ao enfrentamento das vicissitudes terrenas. Foram tantas as tenacidades que ao tempo em que seus pelos se iam prateando já se reconhecia como um homem experiente, vivido o suficiente para não temer os pequenos e inevitáveis obstáculos que a vida apresenta. E essa constatação era a fonte da paz interior e da paciência com que alimentava seus dias presentes. As dificuldades não eram tão diferentes das do passado, mas a forma com a qual as enfrentava, sim. E essa simples mudança de postura por si mesma tornava a tudo mais plácido e fácil.
                   Ver as coisas pelo prisma da paz interior redimensionava o tamanho das dificuldades. A possibilidade de observar a dura jornada dos outros irmãos que com ele enfrentam a mesma dor de viver, mais tantas vezes de forma bem mais solitária e dorida, o fez compreender o quanto mesmo o seu sofrimento é fruto do medo, da pequenez de caráter e da pena de si mesmo. As dificuldades do próximo em geral são bem maiores que as nossas, mas o nosso amor próprio, nome inapropriado pelo qual chamamos pelo egoísmo que nos alimenta, não nos permite compreender isso. E no final, era essa a maior conclusão, todo sofrimento tem uma razão de ser, de alguma maneira ensina, engrandece e dignifica o espírito. É, pois, um legítimo meio que conduz à iluminação.
                   Lembrou-se de tantas histórias de iluminados que já leu ou ouviu relatos. Hermes, Confúcio, Buda, Salomão e mais tantos outros. Espíritos de luz que habitaram a matéria com o superior propósito de ensinar, pelo exemplo, o caminho de volta, que deverá ser trilhado por cada qual dessa raça dos humanos, no trilho do retorno às suas próprias origens. É a isso o que, em geral, chamam de o caminho da iluminação. E, segundo o glorioso exemplo desses iluminados, a jornada impõe uma série de sacrifícios, ínfimos perto do objetivo final, mais ainda assim sofrimentos que se exige sejam enfrentados com dignidade e coragem. João Batista pagou o preço de suas pregações, firmadas na verdade da honradez e da fidelidade com sua própria cabeça. Sócrates foi condenado à morte por haver sido sábio. E o próprio Jesus, o Cristo, foi assassinado pela sua pregação de amor. Todos são exemplo de que para se alcançar a iluminação é necessário um preço. Mas não se trata do preço da dor, mas o da sabedoria, que em tantas vezes somente nos vem pelo sofrimento, entretanto.
                   A história de todos os iluminados de que se recordava àquela serena meditação, eram de centenários seres. De que iluminados teria notícias no último século ou na última década? Será que estaria involuindo a humanidade, incapaz agora de gerar espíritos de luz, prontos à integração definitiva com o infinito Cósmico? Será que estes seres haveriam mesmo abandonado a humanidade, por sua incapacidade absoluta de compreender a superioridade dessas verdades? Será que fracassamos enquanto espíritos em evolução? Será o preço a pagar pela incapacidade de compreender a verdade, o objetivo inevitável de cada qual dessa espécie? Será mesmo que paramos, enquanto indivíduos e enquanto coletividade de evoluir?
                   Esta dúvida o inquietou, fazendo desarmonizar-se a paz interior que sentiu no início de tudo, pois o povoou um sentimento intranquilo de fracasso. Se o resultado final não fosse alcançado jamais, então aí sim teria sido em vão; um sem sentido absoluto todas as dores e infortúnios que tanto ele quanto todos os demais da sua espécie haviam enfrentado durante já tantas e quase infinitas gerações. De nada, absolutamente nada, teria valido o exemplo e até o sacrifício dos iluminados de que se recordava. Mas, afinal, onde estariam os iluminados do presente?
                   Foi nesse ponto que a paz interior se reapresentou, fazendo-o olhar para si mesmo. Após tantas vicissitudes e pelejas, ele era sim não somente um vencedor, mas igualmente um exemplo, fazendo ver a todos em sua volta a real possibilidade de vencer as dificuldades a partir do desejo; a prova inconteste do poder da vontade, afinal de contas, quantas não foram já as ocasiões em que alimentado simplesmente pela fé, pelo desejo e apegado exclusivamente na vontade realizou o que pareceria o impossível ao sentir dos incrédulos. Quantas não foram as vezes que transformou o fracasso em uma nova oportunidade e esta na vitória, sempre desejada, mas ainda mais incerta. Ele realizou, sim, a mais real e profunda das alquimias, transmudando o chumbo da ignorância, da maldade e da incredulidade no ouro da sabedoria e no exemplo da prática, fazendo ver que o conhecimento somente é válido e útil quando praticado pelo seu detentor; e com esse exemplo alertando a todos dos perigos da apostasia e do ridículo do conhecimento de gabinete, absolutamente desapegado do exemplo.
                   E tudo isso, ele fez em silêncio e com extrema humildade.
                   E como ele, quantos outros não chegaram ao mesmo grau de consciência e com igual destemor, mesma humildade e sempre em silêncio, não praticam a sabedoria, servindo igualmente de exemplo, mas sem qualquer ato de promoção pessoal?
                   A verdade, foi essa sua conclusão, é que o mundo está repleto de iluminados, prenhe de pessoas evoluídas e sábias. Mas esses fatos não se os publicam na internet.


Jorge Emicles

segunda-feira, 4 de janeiro de 2016

ENTÃO, É NATAL




                   O Natal inspira à alegria e à comemoração. Reunião das famílias, presentes e banquetes alimentam o desejo de fartura das pessoas e das empresas. As lojas ficam lotadas e a imagem de papai noel, aquele galante velhinho que presenteia as boas crianças e as crianças ricas todas, é recorrente. O mundo visto desde a perspectiva do Natal até parece belo; as pessoas até parecem caridosas e justas. Ver o mundo desde o ponto de vista do Natal alimenta mesmo a esperança de que tudo pode, enfim, vir a ser melhor.
                   É tão mágico o Natal que até a figura crística ressurge para lembrar da existência de um mundo espiritual, superior, justo e perfeito. Perdido tantas vezes em meio as imensas árvores e aos enormes bonecos do velho noel, aquele pobre menino, desde a nudez e simplicidade de sua manjedoura nos transmite profícua mensagem de fé, renovação e esperança. Inspirados na figura crística são notáveis e profundos os discursos construídos desde ela. Natal é a renovação da fé; a ressureição da esperança de um mundo melhor; o renascimento em nós mesmos da consciência de que precisamos ser pessoas melhores, para nós mesmos e para o mundo. São contundentes estes discursos. De sua veemência, não se pode duvidar a sua flagrante verdade, pois de fato os homens precisam ser tocados, para transformarem a si mesmos e por eles ao mundo inteiro.
                   O problema é o que vem depois destes discursos. Sempre. As cabeças abaixadas em resignadas orações de pronto se levantam, passando a mirar as deliciosas guloseimas, que por regra inundam as fartas mesas de Natal. A consciência serena que a pouco placidamente comia o pão da palavra e sorvia o vinho da sabedoria, inicia a tagarelar bobagens e a espraiar pensamentos de pequeno calão, fazendo desanuviar-se a vibrante energia que recheou as palavras de antes. O que era belo e divino humanizou-se em demasia. O Cristo no presépio, por tais motivos, agora é apenas um írrito bonequinho posto em uma cena quase ininteligível e totalmente incompreensível quando inserido no meio da algazarra lacônica formada pela bebedeira, comilança e pequenas ideias do ambiente. Quantos pecados não se cometem durante uma ceia de Natal, por já tantas gerações; por já tantos séculos? A começas pelo pecado da gula.
                   Ainda mais que dos belos discursos de Natal – que bem ou mal a humanidade já absorve como verdades necessárias e valiosas – precisamos mesmo é praticar estes valores. E por todos os dias do ano, não apenas em ocasiões específicas.

                   O Cristianismo não pode se cingir a orações e a rituais religiosos. O verdadeiro cristianismo está na afirmação de certos valores, cujo mais importante de todos é o amor ao próximo. Mas o cristianismo mesmo não é a afirmação, mas a prática desse sentimento. O cristianismo está na prática incondicional do amor, esse sentimento essencial, desde o qual defluem todos os outros. O fundamento soberano de toda a doutrina de Cristo.