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terça-feira, 15 de janeiro de 2013


RESISTÊNCIA CIVIL


Não seria possível falar da gloriosa revolução francesa (aquela que teve vez no longínquo 1789 e é de longe a responsável pela visão de mundo moderna, a partir das ideias iluministas, da valorização dos direitos fundamentais, da ciência enquanto método e, enfim, da vida e da sociedade como são uma e outra hoje) sem fazer-se referência a um de seus mais significativos símbolos. Também não se poderia falar do atual grau de conhecimento científico sobre a política, a ciência do Estado e o direito sem prescindir do mesmo Jean Jacques Rousseau. Sua obra mais famosa é um tratado de Política mundialmente conhecido como o Contrato Social. A idéia desse tal contrato não é propriamente dele, mas de toda uma escola que o precede, mas de que nele tem um dos seus mais destacados teóricos. Resumidamente, poder-se-ia dizer que o contrato social nasce desde quando a comunidade primitiva, livre pelo direito natural, percebeu que somente poderia gozar de um mínimo de segurança e respeito recíproco a partir de quando abrissem todos mão de parcela dessa liberdade, para colocá-la em mãos de quem lhes pudesse assegurar a justiça e a segurança imprescindíveis à vida em sociedade. O recebedor desse prêmio seria (aqui na linguagem de outro contratualista, agora o Thomas Hobbes) um monstro inicialmente chamado por Leviatã e mais tarde batizado simplesmente de Estado. Eis o contrato social e a teoria que fundamenta o poder supremo do Estado sobre seus súditos (agora falamos cidadãos), que tanto pode impingir-lhes punições, como é o caso das penas civis e criminais, quanto impor o financiamento de sua própria máquina, agora sob a matiz do poder de tributar.
                          Porém, na mesma medida em que Rousseau admite a imperatividade do Estado sobre seus cidadãos, alerta para a missão do Leviatã, a quem paralelamente à tal supremacia compete defender as pessoas interna e externamente. Hoje, é legítimo ainda se falar em uma série de direitos que os cidadãos têm contra o Estado, como é o caso dos direitos sociais, notadamente os da saúde, previdência, segurança pública, e uma série de outros serviços essenciais, tanto realizados pelo próprio poder público, como por particulares. É exatamente sob o fundamento dessa reciprocidade de direitos e deveres mútuos (por sinal um elemento necessário a todo e qualquer contrato, conforme e remansosa lição dos juristas, desde os romanos) que o velho Rousseau consagra a legitimidade do movimento de resistência do povo contra o soberano, sempre que este tal soberano não mais for efetivador dos deveres do Estado. Para tanto consagra a máxima de que o soberano não é o governo (na linguagem de hoje, dir-se-ia que o mandatário não é o Estado), mas mero delegado do povo, a quem legitimamente se permite resistir desde quando se torne abusivo em suas ações.
                          Vendo o atual desmando dos governos das três esferas de poder no Brasil, e tantos outros mundo afora, compreendo relevante a lembrança da antiga, mas não ultrapassada lição de Rousseau, para afirmar que a resistência civil da sociedade contra tais desmandos é além de legítima, com amplo fundamento teórico, necessária para a construção da nova sociedade que o novel século vinte e um reclama, fundada na consciência individual, coletiva e ambiental. Teoria já temos e de ótimo quilate. Falta agora somente a ação, que a todos e a cada um de nós compete, inclusive às instâncias organizadas da sociedade.
Jorge Emicles Pinheiro Paes Barreto

Um comentário:

  1. Mário Quintana já advertia: "O que mata um jardim, não é o abandono, mas este olhar vazio de quem por ele passa, indiferente".Quantas transformações hoje "utópicas" seriam realidade se nos conscientizássemos do poder que têm tanto as nossas ações,quanto as nossas omissões!? Parabéns professor Jorge Emicles pela eloquência e pelo chamamento. A sociedade atual reclama vozes e ações para a construção de uma era mais consciente e ativa!

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