RESISTÊNCIA CIVIL
Não seria possível falar da gloriosa
revolução francesa (aquela que teve vez no longínquo 1789 e é de longe a
responsável pela visão de mundo moderna, a partir das ideias iluministas, da
valorização dos direitos fundamentais, da ciência enquanto método e, enfim, da
vida e da sociedade como são uma e outra hoje) sem fazer-se referência a um de
seus mais significativos símbolos. Também não se poderia falar do atual grau de
conhecimento científico sobre a política, a ciência do Estado e o direito sem
prescindir do mesmo Jean Jacques Rousseau. Sua obra mais famosa é um tratado de
Política mundialmente conhecido como o Contrato Social. A idéia desse tal
contrato não é propriamente dele, mas de toda uma escola que o precede, mas de
que nele tem um dos seus mais destacados teóricos. Resumidamente, poder-se-ia
dizer que o contrato social nasce desde quando a comunidade primitiva, livre pelo
direito natural, percebeu que somente poderia gozar de um mínimo de segurança e
respeito recíproco a partir de quando abrissem todos mão de parcela dessa
liberdade, para colocá-la em mãos de quem lhes pudesse assegurar a justiça e a
segurança imprescindíveis à vida em sociedade. O recebedor desse prêmio seria
(aqui na linguagem de outro contratualista, agora o Thomas Hobbes) um monstro
inicialmente chamado por Leviatã e mais tarde batizado simplesmente de Estado.
Eis o contrato social e a teoria que fundamenta o poder supremo do Estado sobre
seus súditos (agora falamos cidadãos), que tanto pode impingir-lhes punições,
como é o caso das penas civis e criminais, quanto impor o financiamento de sua
própria máquina, agora sob a matiz do poder de tributar.
Porém, na mesma medida em que Rousseau admite
a imperatividade do Estado sobre seus cidadãos, alerta para a missão do
Leviatã, a quem paralelamente à tal supremacia compete defender as pessoas
interna e externamente. Hoje, é legítimo ainda se falar em uma série de
direitos que os cidadãos têm contra o Estado, como é o caso dos direitos
sociais, notadamente os da saúde, previdência, segurança pública, e uma série
de outros serviços essenciais, tanto realizados pelo próprio poder público,
como por particulares. É exatamente sob o fundamento dessa reciprocidade de
direitos e deveres mútuos (por sinal um elemento necessário a todo e qualquer
contrato, conforme e remansosa lição dos juristas, desde os romanos) que o
velho Rousseau consagra a legitimidade do movimento de resistência do povo
contra o soberano, sempre que este tal soberano não mais for efetivador dos
deveres do Estado. Para tanto consagra a máxima de que o soberano não é o
governo (na linguagem de hoje, dir-se-ia que o mandatário não é o Estado), mas
mero delegado do povo, a quem legitimamente se permite resistir desde quando se
torne abusivo em suas ações.
Vendo o atual desmando dos governos das
três esferas de poder no Brasil, e tantos outros mundo afora, compreendo
relevante a lembrança da antiga, mas não ultrapassada lição de Rousseau, para
afirmar que a resistência civil da sociedade contra tais desmandos é além de
legítima, com amplo fundamento teórico, necessária para a construção da nova
sociedade que o novel século vinte e um reclama, fundada na consciência
individual, coletiva e ambiental. Teoria já temos e de ótimo quilate. Falta
agora somente a ação, que a todos e a cada um de nós compete, inclusive às
instâncias organizadas da sociedade.
Jorge Emicles Pinheiro
Paes Barreto
Mário Quintana já advertia: "O que mata um jardim, não é o abandono, mas este olhar vazio de quem por ele passa, indiferente".Quantas transformações hoje "utópicas" seriam realidade se nos conscientizássemos do poder que têm tanto as nossas ações,quanto as nossas omissões!? Parabéns professor Jorge Emicles pela eloquência e pelo chamamento. A sociedade atual reclama vozes e ações para a construção de uma era mais consciente e ativa!
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