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sábado, 13 de novembro de 2021

 



A REPÚBLICA E O BRASIL

  

            Àquela época, Roma era uma cidade em pleno crescimento, em destacado estágio de transição entre a cidade lendária fundada pelos gêmeos Rômulo e Remo e o império que já sonhava em ser. Era uma sociedade estamental, rigidamente dividida entre a elite dos Patrícios e os explorados Plebeus. Deu-se, contudo, uma perigosa revolta dos Plebeus, que se reuniram em um dos sete montes da cidade e se recusaram a trabalhar enquanto não lhes fossem concedidos uma série de direitos. Talvez tenha sido essa a primeira greve da história.

            Venceram os insurretos. Instituíram a primeira lei escrita de Roma (a famosa Lei das XII Tábuas) e fundaram pela primeira vez a república, que do latim significa coisa (res) de todos (publica). É o governo de todos, ideia que se antagoniza à monarquia, governo de um só. A partir de então, a decisão do povo era soberana. Era tomada através dos plebiscitos e tinha soberania até contra as deliberações do Senado romano.

            Mais de vinte séculos depois, eclode na França monárquica de 1789 uma outra e ainda mais violenta revolução, oriunda das duas grandes forças sociais, como sempre. A aristocracia francesa de então, resistiu o quanto pôde e com o máximo de indignação que teve contra a revolta dos sem calções, referência jocosa que faziam ao populacho, que devastado pela fome, não possuía condições de se vestir a caráter, razão porque faltava em seu traje os collottes (do francês, os calções, em tradução livre).

            Os sans collottes derrubaram a Bastilha, que era uma prisão e representou o símbolo da opressão do regime monárquico contra seu povo, guilhotinaram o rei Luis XVI, assim como os próprios líderes da revolução, mas também, inspirados na mitológica obra de Jean-Jacques Rousseau, instituíram ao final de um longo e processo histórico a república, um dos mais importantes legados da Revolução Francesa.

            Antes mesmo da independência, vários setores da sociedade brasileira já sonharam com a república. O melhor dos exemplos temos pela Revolução Pernambucana de 1817. Era um movimento republicano de independência, que trouxe suas luzes do litoral à região central do Nordeste, quando, através da corajosa atitude do frade José Martiniano de Alencar, fez declarar pela primeira vez na história do Brasil, do alto do púlpito da igreja matriz de Crato, a república como o novo regime de governo. O movimento foi logo derrotado pelas forças monarquistas locais, lideradas por Pinto Madeira, mas elevou à posteridade as lideranças de José Martiniano de Alencar (pai do escritor José de Alencar), Tristão Gonçalves de Alencar (presidente da Confederação do Equador – que é outro importante movimento republicano [e também federalista]) e a famosa heroína cearense e mãe dos dois personagens citados, Bárbara de Alencar.

            Na verdade, a história do Brasil pulula de movimentos republicanos, desde ainda a época do reinado de D. João VI. Foram bem tumultuados seus anos de reinado no Brasil, pois ao mesmo tempo em que enfrentou a pressão dos portugueses por sua volta à metrópole, teve que dar combate a vários movimentos de independência, a maioria deles alinhada aos valores republicanos. A experiência da Revolução Francesa era forte demais para não influenciar as províncias dos trópicos.

            Enquanto a colônia espanhola das américas se esfacelou em várias repúblicas independes, por mais que o herói venezuelano Simón Bolivar tenha lutado pela unificação da ex-colônia em uma única república, o Brasil se manteve territorialmente íntegro. Isso graças à atuação firme tanto do rei D. João, quanto dos imperadores D. Pedro I e D. Pedro II, após a independência. Pedro II, apresentado como um grande estadista e imponente intelectual (o que, de fato é verdadeiro) deve também ser lembrado pelo genocídio dos paraguaios e pela opressão a todos os movimentos republicanos que lhe tentaram derrubar do poder.

            E tanto foram bem-sucedidas as ações de resistência aos movimentos republicanos populares no Brasil, que através da mão sangrenta e desumana das forças estatais combateu sem nenhum espírito cristão todas as tentativas de fazer do povo as coisas do Estado, que a república nessas terras tupiniquins surge da maneira mais inglória possível. Parece até história de mau agouro contada por escritor de pouca inspiração, mas a verdade é que a proclamação da república, em 15 de novembro de 1889, foi realizada por um general despótico e monarquista.

            Marechal Deodoro da Fonseca, proclamador da república no Brasil, era um destacado monarquista, súdito fiel de D. Pedro II, que teve importante participação em vários dos governos monárquicos (segundo a Constituição brasileira de 1824, o Imperador nomeava gabinetes de governo, que se sucediam entre conservadores e liberais, ao gosto das articulações políticas do momento). Igualmente, teve participação decisiva na guerra do Paraguai.

            De um dia para o outro, Deodoro se transforma desse convicto monarquista no líder de um golpe militar que findou por derrubar o imperador e proclamar a república. Dizem que estava adoentado e de pijamas quando decidiu pelo golpe. Comentam os cronistas da época que o motivo mais importante para a tal decisão foi uma decepção amorosa. (Quem sabe, se não). Há relatos também de que no ato da Proclamação da República, quando o Marechal publicamente anuncia o fim da monarquia, a população local ficou atônica, sem compreender bem o que se passava ali e sem hipotecar algum apoio ao movimento. Só no Brasil a república foi proclamada sem o reconhecimento do povo!

            Fato é que desde esse ato tresloucado, irresponsável e sem qualquer amparo popular, inaugura-se no Brasil o perigoso costume dos militares em se intrometerem na política, tentando resolver pela força das armas os eventuais impasses dela. Isso em si mesmo prova que eles podem ser várias coisas, menos verdadeiros republicanos, porque a república tem por valor primordial e irrenunciável a participação de todos da vida política da nação. Em absoluta igualdade.

            Em algumas vezes os militares alcançaram o sucesso, como foi no golpe primeiro, o da própria república, mas também o que derrubou Getúlio Vargas em 1945 e o de 1964. De outras ocasiões, a sociedade organizada conseguiu vencê-los, como foi o episódio do trágico suicídio do próprio Vargas em 1954 (que pagou com a própria vida pelo fracasso do golpe que se anunciava inevitável) e a recente tentativa de 7 de setembro de 2021.

            A próxima tentativa virá. Só não sabemos quando nem pelas mãos de quem.

 

Jorge Emicles

 

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