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sábado, 6 de novembro de 2021

 


 

A NOVA IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

 

 

                        Recentemente foi sancionada pelo Presidente da República uma importante lei, cujo objeto é a reforma da Lei de Improbidade Administrativa. A improbidade, se trata de um dos maiores avanços trazidos pela vigente Constituição Federal, e seu regulamento (a lei agora modificada) inaugurou a mais completa e severa sistematização do instituto da improbidade. Essencialmente, impõe a tipificação da conduta aos agentes públicos que em função de suas atribuições tenham enriquecido ilicitamente, causado danos ao erário ou tenham descumprido algum dos princípios gerais da Administração Pública.

                        Sempre foi reconhecida como lei moralizadora, mas que continha flagrantes excessos.

                        Improbidade, conforme reconhecem os melhores estudos de especialistas, significa ato de imoralidade, consistente na atuação do agente público que fira o dever geral de honestidade, um dos principais deveres inerentes à atuação dos administradores de diversos níveis. Esse conceito amplo e correto, sempre permitiu que fossem punidos por ato de improbidade os agentes públicos que tenham praticado atos de corrupção e quaisquer outras ações desonestas, o que está em pleno acordo com o espírito da nossa Constituição.

                        Infelizmente, a pesada mão acusatória do Ministério Público, no seu afã de generalizar e muitas vezes atuar politicamente, como aconteceu no desonroso caso da Lava Jato, acabou por desvirtuar os conceitos elementares trazidos pela lei e referendados nos mais reconhecidos estudos especializados. Isso fez com que uma importante lei começasse a ser utilizada como instrumento de punição inadequado, multiplicando as ações e desmoralizando a sua própria importância, pois passamos a testemunhar a utilização dela visando punir agentes por atos irrelevantes, sem repercussão na vida da Administração Pública e que claramente não poderiam ser classificados como atos desonestos ou imorais.

                        Um exemplo bem repercutido nos meios acadêmicos, e que vimos pasmados ser citado como exemplo de configuração de improbidade administrativa em palestra ministrada por promotor de justiça, é o do estagiário que imprime o seu trabalho da faculdade de poucas laudas na impressora da repartição em que estagia. Por esse ilícito, pasmem, ele estaria sujeito à perda da função pública (o contrato de estágio), a ter seus direitos políticos suspensos por até doze anos (não poderia durante o período de suspensão nem votar nem ser votado), ao pagamento de uma severa multa, além de ter de pagar o prejuízo causado à Administração (digamos que a restituir a vultosa quantia de um real por página impressa, se tanto). Este infeliz estagiário estaria incurso nas severas tenazes do artigo 9º, da Lei de Improbidade Administrativa.

                        Nem precisaríamos dizer que essa punição é no mínimo absurda, mas não na tosca visão da maior parte dos membros do Ministério Público. Essa é a chave através da qual compreendemos a multiplicação das ações de improbidade país afora, quando gestores de todos os níveis (mais principalmente os mais humildes) começaram a responder por ações de improbidade em razão de pequenos erros burocráticos, atos praticados sem nenhuma má-fé e sem qualquer intenção nem de se locupletar nem de causar danos à coisa pública. Em muitas dessas situações, o dano propriamente nem existia.

                        E os verdadeiros e mais graves casos de corrupção permaneciam majoritariamente impunes, porque em regra demandavam investigações mais acurados e provas mais robustas. Coisas que muitas vezes estão acima da capacidade investigatória dos inquéritos civis.

                        A nova lei vem com o escopo de corrigir esse estado de coisas. Entre suas principais alterações, consta exatamente a inclusão de uma nova regra na Lei de Improbidade, estabelecendo expressamente o que já deveria ser uma obviedade, inclusive porque já constava da denúncia dos maiores estudiosos do tema: agora somente será considerado ato de improbidade a atuação intencional do agente, visando concretamente praticar atos que importem em enriquecimento ilícito, danos ao erário e quebra de princípios da Administração. É a isso que se chama de dolo específico, que exclui a possibilidade de configuração de improbidade por ato culposo.

                        Convenhamos que é impossível a prática de um ato de corrupção por ato culposo.

                        Diferente do que vários órgãos de imprensa e mesmo promotores de justiça experientes apregoam, as mudanças da lei não tornam impunes os atos praticados culposamente pelos agentes públicos, porque a despeito de não se enquadrarem mais como improbidade, poderão ser punidos administrativa ou até penalmente, a depender do caso. Assim, será possível repreender e até suspender o estagiário do exemplo, mas não se permitirá mais que ele tenha seus direitos políticos suspensos por até doze anos e mesmo que seja condenado a pagar uma multa irrazoável e desproporcional em comparação ao dano que eventualmente tenha causado. Também os administradores que tenham cometido erros continuam sendo passíveis de punição, embora não mais da forma excessiva possibilitada pela lei revogada.

                        São essas as verdades sobre a nova lei de improbidade que precisão ser afirmadas com maior eco na imprensa nacional, porque é princípio elementar do direito sancionador o de que a punição obrigatoriamente tem de guardar proporcionalidade com o ilícito praticado. Principalmente, o Ministério Público precisa ter claro que não se faz justiça empobrecido pelo espírito de vindita.

                        Justiça sem amor, não é justiça, mas vingança.

 

 

Jorge Emicles

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