A NOVA IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
Recentemente
foi sancionada pelo Presidente da República uma importante lei, cujo objeto é a
reforma da Lei de Improbidade Administrativa. A improbidade, se trata de um dos
maiores avanços trazidos pela vigente Constituição Federal, e seu regulamento
(a lei agora modificada) inaugurou a mais completa e severa sistematização do
instituto da improbidade. Essencialmente, impõe a tipificação da conduta aos
agentes públicos que em função de suas atribuições tenham enriquecido ilicitamente,
causado danos ao erário ou tenham descumprido algum dos princípios gerais da
Administração Pública.
Sempre
foi reconhecida como lei moralizadora, mas que continha flagrantes excessos.
Improbidade,
conforme reconhecem os melhores estudos de especialistas, significa ato de
imoralidade, consistente na atuação do agente público que fira o dever geral de
honestidade, um dos principais deveres inerentes à atuação dos administradores
de diversos níveis. Esse conceito amplo e correto, sempre permitiu que fossem
punidos por ato de improbidade os agentes públicos que tenham praticado atos de
corrupção e quaisquer outras ações desonestas, o que está em pleno acordo com o
espírito da nossa Constituição.
Infelizmente,
a pesada mão acusatória do Ministério Público, no seu afã de generalizar e
muitas vezes atuar politicamente, como aconteceu no desonroso caso da Lava
Jato, acabou por desvirtuar os conceitos elementares trazidos pela lei e referendados
nos mais reconhecidos estudos especializados. Isso fez com que uma importante
lei começasse a ser utilizada como instrumento de punição inadequado,
multiplicando as ações e desmoralizando a sua própria importância, pois passamos
a testemunhar a utilização dela visando punir agentes por atos irrelevantes,
sem repercussão na vida da Administração Pública e que claramente não poderiam
ser classificados como atos desonestos ou imorais.
Um
exemplo bem repercutido nos meios acadêmicos, e que vimos pasmados ser citado
como exemplo de configuração de improbidade administrativa em palestra
ministrada por promotor de justiça, é o do estagiário que imprime o seu
trabalho da faculdade de poucas laudas na impressora da repartição em que
estagia. Por esse ilícito, pasmem, ele estaria sujeito à perda da função
pública (o contrato de estágio), a ter seus direitos políticos suspensos por
até doze anos (não poderia durante o período de suspensão nem votar nem ser
votado), ao pagamento de uma severa multa, além de ter de pagar o prejuízo
causado à Administração (digamos que a restituir a vultosa quantia de um real
por página impressa, se tanto). Este infeliz estagiário estaria incurso nas severas
tenazes do artigo 9º, da Lei de Improbidade Administrativa.
Nem
precisaríamos dizer que essa punição é no mínimo absurda, mas não na tosca
visão da maior parte dos membros do Ministério Público. Essa é a chave através
da qual compreendemos a multiplicação das ações de improbidade país afora,
quando gestores de todos os níveis (mais principalmente os mais humildes)
começaram a responder por ações de improbidade em razão de pequenos erros
burocráticos, atos praticados sem nenhuma má-fé e sem qualquer intenção nem de
se locupletar nem de causar danos à coisa pública. Em muitas dessas situações,
o dano propriamente nem existia.
E
os verdadeiros e mais graves casos de corrupção permaneciam majoritariamente
impunes, porque em regra demandavam investigações mais acurados e provas mais
robustas. Coisas que muitas vezes estão acima da capacidade investigatória dos
inquéritos civis.
A
nova lei vem com o escopo de corrigir esse estado de coisas. Entre suas
principais alterações, consta exatamente a inclusão de uma nova regra na Lei de
Improbidade, estabelecendo expressamente o que já deveria ser uma obviedade,
inclusive porque já constava da denúncia dos maiores estudiosos do tema: agora
somente será considerado ato de improbidade a atuação intencional do agente,
visando concretamente praticar atos que importem em enriquecimento ilícito,
danos ao erário e quebra de princípios da Administração. É a isso que se chama
de dolo específico, que exclui a possibilidade de configuração de improbidade
por ato culposo.
Convenhamos
que é impossível a prática de um ato de corrupção por ato culposo.
Diferente
do que vários órgãos de imprensa e mesmo promotores de justiça experientes
apregoam, as mudanças da lei não tornam impunes os atos praticados culposamente
pelos agentes públicos, porque a despeito de não se enquadrarem mais como
improbidade, poderão ser punidos administrativa ou até penalmente, a depender
do caso. Assim, será possível repreender e até suspender o estagiário do
exemplo, mas não se permitirá mais que ele tenha seus direitos políticos
suspensos por até doze anos e mesmo que seja condenado a pagar uma multa irrazoável
e desproporcional em comparação ao dano que eventualmente tenha causado. Também
os administradores que tenham cometido erros continuam sendo passíveis de
punição, embora não mais da forma excessiva possibilitada pela lei revogada.
São
essas as verdades sobre a nova lei de improbidade que precisão ser afirmadas
com maior eco na imprensa nacional, porque é princípio elementar do direito
sancionador o de que a punição obrigatoriamente tem de guardar
proporcionalidade com o ilícito praticado. Principalmente, o Ministério Público
precisa ter claro que não se faz justiça empobrecido pelo espírito de vindita.
Justiça
sem amor, não é justiça, mas vingança.
Jorge Emicles
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