A MISSA NEGRA
Eram
treze de dezembro de 1968. O ano já havia fluído como nenhum outro. As
manifestações em Paris que trouxeram ao centro do palco mundial a nova geração
de estudantes intrépidos e dispostos como nunca a mudar o mundo. No Brasil, os festivais
eram a evidência maior do maremoto cultural dessa nova geração. A passeata dos
sem mil, acontecida pouco antes no Rio de Janeiro, não deixava dúvidas que essa
juventude tinha posições políticas claras e que elas não seriam em nada
favoráveis à manutenção dos militares no poder. O Congresso Nacional, fazia
poucos dias, havia se insurgido contra os mandatários do momento, negando
autorização para processar o Deputado Marcio Moreira Alves por um discurso
crítico que fizera contra a ditadura. Aquele era um ano que estava fadado a não
acabar, como tão genialmente apelidou o jornalista Zuenir Ventura em seu livro
homônimo.
E
para garantir definitivamente que o ano não terminaria mesmo, o general Costa e
Silva fez reunir no Palácio das Laranjeiras todo o séquito do Conselho de
Segurança Nacional, a cujos membros acomodados em imensa mesa anunciou que a
resposta do regime aos acontecimentos contemporâneos seria o recrudescimento
maior do sistema. Era o golpe dentro do golpe, momento em que os militares linha
dura assumiram a totalidade do poder, abrindo as portas às torturas destemidas,
à cassação de mandados parlamentares, demissões sumárias e outras tantas
perseguições.
Aquela
reunião do Conselho de Segurança Nacional foi chamada por Elio Gaspari de A
Missa Negra, sob o argumento de que ali teve lugar um dos atos mais torpes
de toda a ditadura militar brasileira. O vice-Presidente, o mineiro Pedro
Aleixo, mesmo dizendo ser contra as ditaduras, compreendia ser ela necessária
para aquele momento. Rasgou sua biografia de eminente jurista e professor
permanecendo no cargo de vice. O seu destino, teria dito a Costa e Silva, estava
ligado ao do próprio Presidente. Delfin Netto se consolida como o super-ministro
da economia que viria a ser, emprestando apoio total à ditadura. Jarbas
Passarinho liberta da garganta a frase que o tornaria célebre para o restante
de sua vida terrena, ao dizer “às favas os escrúpulos de consciência”.
Ao
fundo dos sucessivos discursos ouvia-se o frenético som de sirenes.
Horas
mais tarde, o próprio Presidente anunciaria às redes de televisão o conteúdo do
Ato Institucional nº 5, que aniquilava definitivamente os resquícios da já
combalida Constituição Democrática de 1946. Permitia demissões sumárias,
cassação de mandatos parlamentares, suspensão dos direitos políticos, suspendia
a garantia do habeas corpus e as liberdades de expressão e reunião, entre
outras barbaridades.
Foram
preciso pelo menos quinze anos para que o Brasil saísse daquele flagelo, se é
que efetivamente saiu dele, pois restam vivas ainda as marcas da devastação
física e moral dos torturados e mortos pelo sistema, além da incômoda percepção
de que parcela da sociedade tem saudades dos tempos em que o arbítrio e a força
bruta reinavam sem qualquer censura ou controle.
Jorge Emicles
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