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sexta-feira, 14 de maio de 2021

 


A MISSA NEGRA

 

 

                        Eram treze de dezembro de 1968. O ano já havia fluído como nenhum outro. As manifestações em Paris que trouxeram ao centro do palco mundial a nova geração de estudantes intrépidos e dispostos como nunca a mudar o mundo. No Brasil, os festivais eram a evidência maior do maremoto cultural dessa nova geração. A passeata dos sem mil, acontecida pouco antes no Rio de Janeiro, não deixava dúvidas que essa juventude tinha posições políticas claras e que elas não seriam em nada favoráveis à manutenção dos militares no poder. O Congresso Nacional, fazia poucos dias, havia se insurgido contra os mandatários do momento, negando autorização para processar o Deputado Marcio Moreira Alves por um discurso crítico que fizera contra a ditadura. Aquele era um ano que estava fadado a não acabar, como tão genialmente apelidou o jornalista Zuenir Ventura em seu livro homônimo.

                        E para garantir definitivamente que o ano não terminaria mesmo, o general Costa e Silva fez reunir no Palácio das Laranjeiras todo o séquito do Conselho de Segurança Nacional, a cujos membros acomodados em imensa mesa anunciou que a resposta do regime aos acontecimentos contemporâneos seria o recrudescimento maior do sistema. Era o golpe dentro do golpe, momento em que os militares linha dura assumiram a totalidade do poder, abrindo as portas às torturas destemidas, à cassação de mandados parlamentares, demissões sumárias e outras tantas perseguições.

                        Aquela reunião do Conselho de Segurança Nacional foi chamada por Elio Gaspari de A Missa Negra, sob o argumento de que ali teve lugar um dos atos mais torpes de toda a ditadura militar brasileira. O vice-Presidente, o mineiro Pedro Aleixo, mesmo dizendo ser contra as ditaduras, compreendia ser ela necessária para aquele momento. Rasgou sua biografia de eminente jurista e professor permanecendo no cargo de vice. O seu destino, teria dito a Costa e Silva, estava ligado ao do próprio Presidente. Delfin Netto se consolida como o super-ministro da economia que viria a ser, emprestando apoio total à ditadura. Jarbas Passarinho liberta da garganta a frase que o tornaria célebre para o restante de sua vida terrena, ao dizer “às favas os escrúpulos de consciência”.

                        Ao fundo dos sucessivos discursos ouvia-se o frenético som de sirenes.

                        Horas mais tarde, o próprio Presidente anunciaria às redes de televisão o conteúdo do Ato Institucional nº 5, que aniquilava definitivamente os resquícios da já combalida Constituição Democrática de 1946. Permitia demissões sumárias, cassação de mandatos parlamentares, suspensão dos direitos políticos, suspendia a garantia do habeas corpus e as liberdades de expressão e reunião, entre outras barbaridades.

                        Foram preciso pelo menos quinze anos para que o Brasil saísse daquele flagelo, se é que efetivamente saiu dele, pois restam vivas ainda as marcas da devastação física e moral dos torturados e mortos pelo sistema, além da incômoda percepção de que parcela da sociedade tem saudades dos tempos em que o arbítrio e a força bruta reinavam sem qualquer censura ou controle.

 

Jorge Emicles

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