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quarta-feira, 17 de dezembro de 2014




REMINISCÊNCIAS

                            Há uma noite a menos na cúpula de minha insólita existência. As horas são lentas, às vezes tão letárgicas e incalculáveis que nos enfadam e iludem pretendendo-se infinitas. Mas cada hora a mais representa o mesmo tempo a menos da existência e cada missão adiada significa a renúncia a algum afazer, tantas vezes tolo e banal, outras porém imprescindível à pretendida eternidade.
                            A verdade mesma; a cruenta, insensível e pernóstica verdade, é que apenas descobriremos o quanto é insignificante a pueril história de nossa existência pessoal quando ela já tiver se esgotado totalmente. Há um completo abandono de si mesmo e em si mesmo, pois o que queremos da vida não é nada. Ela nada significaria não fosse finita, inútil, frívolo e impossível desejo de imortalidade.
                            Nossas mães estrelas, entretanto, são tão inalcançáveis pela vastidão do Universo, que nem nossa galopante imaginação jamais será capaz de presumir o confim mais distante e desassossegado do cosmo. Nada existirá para além da nossa consciência? E em reverso, tudo o que pensamos há? Há então, aquele mundo paralelo, de luz pujante, sabedoria incomparável e beleza indescritível que alicerço em minha podre mente? Não há mais o pernóstico sentimento de sofrimento que decreto seja extirpado de minhas entranhas tão despoticamente quanto o mais vulgar dos tiranos decreta a morte de seus conselheiros mais temíveis?
                            Decreto vão; ignóbil este, pois não se invalida o que se emprenha na própria essência. Que horror, pois segue existindo dentro de mim o que dentro de mim suicidei. Não se nega o sentimento mais legítimo, tanto quanto não se omite a maré da irresistível força gravitacional da charmosa lua.
                            Ah, aquela lua! Redonda, bela, prateada que boia na vastidão da noite pululada por um ror incontável de estrelas. As estrelas, todas elas, são presumidamente maiores que a lua. Da nossa perspectiva, no entanto, é a lua que não passa indiferente diante da nossa acabrunhada vista. É a lua, a pequena filha das estrelas (tal como nós), não a mãe de toda a matéria cósmica, quem é imprescindível aos enamorados; irresistível às águas e ao próprio ciclo de vida do nosso pequeno planeta.
                            Vês, assim, como é míope a nossa visão do mundo e da vida?


Jorge Emicles Pinheiro Paes Barreto

Um comentário:

  1. Refletir tão aprofundadamente a existência é ato de incrível peso. Admiro a coragem nestes mergulhos.

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