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quinta-feira, 2 de outubro de 2014


SOLITUDE


                   Enquanto espécie, somos (nós, a humanidade) um disforme conglomerado de seres, tão parecidos e ao mesmo tempo tão díspares uns dos outros. Sobretudo, o que somos mesmo é unidades solitárias de consciência em busca de dar algum sentido para a vida nossa e do grupo coletivo. Mutuamente, nós e a coletividade em que nos instalamos, estabelecemos perigosas relações de comutação, onde ao tempo em que somos explorados igualmente exploramos a outra parte da relação.
                   É talvez o medo da solidão que nos impulsiona instintivamente à vida grupal, que ao mesmo tempo nos incomoda pelas amarras sociais que nos são impostas enquanto condição do convívio. Mas também é o desejo insano à imortalidade que nos impele a tal convívio, pois a única maneira de vencermos a mortalidade da existência terrena é pela lembrança dos que deixamos. Nesse ângulo, tudo o que a humanidade produziu ou vier a produzir é fruto dessa ignóbil luta, fruto do pueril desejo de sobrevivermos aos processos orgânicos do nosso corpo. A sociedade como um conjunto descende desse desejo; as grandes obras da arte concretizam, às vezes por séculos a imortalidade de ditos personagens; assim como o culto aos mortos, a estrutura da família e, em uma palavra, tudo do que se ocupou o homem por tantos e incontáveis milênios.
                   Porém, a verdade central da existência segue sendo a mesma, por mais cegos que todos nós estejamos a ela: enquanto unidades de consciência somos solitários. A maior e mais insuperável de todas as marcas da existência humana segue sendo a solitude dos homens. Por mais congestionadas de pessoas que estejam as grandes cidades; por mais numerosas que sejam as famílias; por mais relacionamentos que se estabeleçam nas redes sociais é essa danada da solidão quem nos devora pouco a pouco, arrefecendo a esperança, cada vez mais tênue, de darmos cabo àquele surdo sentimento que nos povoa a todos e que combatemos incansavelmente por todos os vãos instantes da nossa existência e do qual tão poucos sabem propriamente de que se trata.
                   Pior que isso, é não enxergarmos a bonança e a necessidade mesmo da solidão. É por meio dela que chegamos e deixamos a existência material. É por seu intermédio que recebemos as maiores bênçãos e as mais importantes inspirações em nossa existência. Nossa intuição nos fala à consciência pelo silêncio e através da solidão. Sobretudo, é por seu meio que seremos capazes de enxergar, compreender e nos integrar ao próprio Deus.
                   Que benção, então é a solidão. Que ela nos seja útil, pois.


Jorge Emicles Pinheiro Paes Barreto

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