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terça-feira, 28 de outubro de 2014


PARA NÃO DIZER QUE NÃO FALEI DAS FLORES

                   Passados os calores da campanha eleitoral, talvez seja o momento oportuno para se fazer algumas reflexões, que até o domingo último certamente seriam vistas como propaganda direta ou indireta para ou contra algum dos candidatos. O que precisamos verdadeiramente em matéria de política não é elegermos salvadores da pátria, nem verdades absolutas e muito menos encetarmos no debate político qualquer visão maniqueísta e excessivamente simplista da vida. O momento presente exige uma análise séria e realista da realidade, porque por mais que se afirme que a democracia brasileira esteja consolidada, a manutenção de um regime de liberdade sempre será tênue e exigirá perpétua vigilância. Acima das cores partidárias, deverá estar a defesa de valores essenciais a todos coletiva e individualmente considerados, no que ressaltamos as liberdades em geral e a dignidade da pessoa humana em particular. Não se trata de admoestar o leitor com qualquer discurso constitucionalista, mas na verdade de sobrelevar esses valores como acima de qualquer ciência, de qualquer ideologia ou mesmo de qualquer oportunismo eleitoral.
                   Em junho de 2013, alguns maravilhados outros temerosos, todos testemunhamos a tomada das ruas das principais cidades do país por uma massa disforme e pujante de manifestantes que essencialmente propugnavam mudanças, não se sentiam representados nem pelos políticos nem pelos partidos do presente. Não era somente os trinta centavos do aumento pretendido das tarifas públicas de transporte, mas a indignação contra a corrupção que invade todos os rincões de poder país adentro; a falta de compromisso dos parlamentares com as verdadeiras causas populares; o engodo ao qual a cada dois anos todos os nacionais se submetem em cada eleição, sejam as locais, sejam as nacionais ou regionais. Havia uma patente insatisfação não somente com os políticos e partidos que os aglomeravam, mas antes disso com o próprio sistema político estruturado a partir da Constituição Federal brasileira. Pouco mais de um ano depois, as urnas nos informam que aquele sentimento de renovação deu lugar a um incompreensivo continuísmo de todas as forças políticas estabelecidas antes daquele histórico marco. Se a presidência da República continua sob o jugo do PT, o governo do estado mais rico e populoso do país segue entregue ao PSDB. No Rio de Janeiro, se reelege o Governador que não por acaso era o vice daquele a quem exigiam a imediata renúncia. No Ceará, assim como findou sendo a regra em quase todo o Nordeste, é eleito o ungido do Governador de plantão. Será que mudamos tanto e tão profundamente que acabamos igual ao que éramos antes? Que lições tirar das manifestações de junho em comparação ao resultado das eleições de outubro?
                   Muitos tratados haverão ainda de serem escritos sobre esse tema. Os cursos relacionados às ciências sociais terão muito material sobre o qual se debruçar e esmiuçar suas detidas vistas, por meio dos quais certamente sacarão dezenas de mirabolantes teorias. Para nós, preliminarmente nos parece certo que os manifestantes de junho não mudaram de ideia nesse pouco mais de um ano, para se sentirem magicamente representados pelos mesmos governantes de antes. Seguem não estando representados pelo Congresso Nacional, Assembleias Legislativas e Executivo tanto quanto antes. A conclusão primeira que nos parece advir das urnas é a da falência do sistema que por detrás do discurso de que somente por intermédio da democracia se conquistarão todas as liberdades, exclui espuriamente desse mesmo sistema representativo uma significativa massa de estudantes, intelectuais, artistas e vanguardistas de diversas espécies, que foram aqueles que saíram às ruas em protesto mas que nada de positivo obtiveram como resposta das urnas. Estranhamente, a democracia brasileira exclui do efetivo poder decisório as melhores cabeças e os mais ávidos a dar cabo das desigualdades e injustiças sociais reinantes. Se observarmos bem, a constatação é ainda mais tenebrosa, pois não é somente a democracia brasileira que exclui seus melhores quadros da participatividade, mas a democracia mundial, pois é inevitável aferir que a democracia europeia, por exemplo, também padece do mesmo e talvez irremediável mal de não representar os verdadeiros interesses da sociedade. Em seu Ensaio Sobre a Lucidez, o prêmio Nobel de Literatura, o português José Saramago nos impinge tenebroso alerta: o inimigo dos tempos modernos é o próprio governo democraticamente eleito.
                   A democracia por si mesma não nos representa, pois os eleitos são paridos das práticas das dezenas de espécies de abuso. A democracia, ensina por exemplo o sábio eleitoralista Fávila Ribeiro, pressupõe uma completa igualdade entre os competidores, pois que do contrário, ela não espelhará uma decisão soberana. No Brasil é cediço o conhecimento no sentido de que aqueles que não abusarem do poder, jamais serão eleitos. E o abuso por si só desequilibra a igualdade da competição. Logo, outra conclusão se impõe quanto a todos os eleitos do presente processo eleitoral (talvez quase sem exceção), que é a de que só lograram vitória no pleito graças à prática de alguma espécie de abuso de poder. Nesse sentido, lembramos que abusar do poder não significa exclusivamente a compra direta de votos, mas também o uso da máquina pública em favor de candidaturas, a maquiagem falaciosa do marketing político, e às vezes até a superioridade cultural de uns sobre os outros, além de tantas outras espécies. Assim, a mazela da nossa democracia está antes de tudo na miséria do nosso povo. Se é importante dar comida aos famintos, como fazem os programas sociais da atualidade, mais ainda é instruir e dignificar os miseráveis, pois somente a educação libertará verdadeiramente o homem, tornando-o em definitivo igual aos demais membros da mesma sociedade. E a educação, convenhamos, é o tema sobre o qual pouco se debate e muito menos ainda se estabelecem práticas efetivas para a sua concretização. O Plano Nacional de Educação fala em dez por cento do PIB para a educação nacional, porém é de se indagar a porcentagem desse valor que será destinada ao aparelhamento estatal dos partidos políticos, tomada a efeito por intermédio da corrupção, a exemplo do que se vem acontecendo com a Petrobras. É triste, mas nos parece óbvio que os prometidos recursos do pré-sal não ficarão imunes a esta nefasta realidade.

                   Não se tratará jamais de defender o fim da democracia, mas de chamar a sociedade nacional à responsabilidade e consciência no sentido de que para nos afirmarmos como uma nação verdadeiramente livre e democrática, precisamos muito mais que simplesmente comparecermos às urnas a cada dois anos. O sufrágio praticado da forma pela qual fazemos no Brasil longe está de espelhar uma verdadeira democracia, pois uma democracia sem liberdade, sem a possibilidade de verdadeira participação, sem se permitir representar os milhares de brasileiros que acorreram, indignados, às ruas em junho do ano pretérito, definitivamente não espelha nenhuma liberdade. Democracia sem liberdade não é democracia, mas um engodo dela. Cuidado para não transformarmos nossa sociedade em uma democracia de falácias, onde no discurso da televisão somos livres e nas práticas da mídia e do governo escravos. Se somente a educação conscientiza e liberta verdadeiramente, somente poderemos nos declarar uma democracia efetiva desde quando toda a nossa população venha a ter acesso a uma educação plena, integral e libertadora. Chega de testemunharmos eleições onde a miséria do povo seja o fator decisório do sufrágio.

segunda-feira, 20 de outubro de 2014


QUEM PODERÁ NOS DEFENDER?

                   Etimologicamente, candidato vem do latim candidatus, que significa cândido, alvo. Para simbolizar sua pureza, na antiguidade, aqueles que pretendiam concorrer a algum cargo público se vestiam de branco, enquanto símbolo da pureza que deveriam ostentar enquanto condição para a ascensão ao honorífico cargo que pretendiam. Atualmente, a moderna campanha presidencial literalmente jogou na podre lama do esquecimento a nobre origem dessa palavra. Basta observarmos em torno de que assuntos giram os debates entre os incândidos candidatos presidenciais. No final das contas, parece que deveremos escolher entre o menos corrupto, o menos omisso ou o menos cúmplice, porque as denúncias de corrupção grassam por sobre todos igualando-os nefastamente pelos valores que não deveriam possuir.
                   Para além das cores ideológicas das preferências partidárias, nos parece revelado pela propaganda eleitoral a inglória verdade de que a corrupção é uma realidade comum a todos os partidos, de todas as tendências. Não se trata de um mal da direita nem da esquerda, mas da própria política. A indesejável lição talvez seja a de que onde houver o Estado e a digladiadora luta pela política, ali os homens se corromperão. Talvez não seja o caso de concordar com Aristóteles para quem a democracia tende a se transformar em uma demagogia, pois de todos os modelos de governo a liberdade segue sendo melhor assegurada pela participação popular direta. Ainda assim, é certo que a nossa democracia se encontra em séria crise de representatividade. Os candidatos, atolados todos em denúncias de corrupção, que quando não sejam diretamente indicados como partícipes ou cúmplices, pecam indelevelmente ao menos pela omissão de não controlar, mandar apurar e advogar a pronta punição dos corruptos, certamente não representam o cidadão mediano, honesto por instinto e por criação, que tem nos valores da verdade, honestidade, boa fé e respeito ao que seja correto os alicerces maiores de sua existência. Nem eu, nem esse cidadão nacional mediano (o bom pai de família dos tempos da antiga Roma) nos sentimos representados pelas candidaturas postas, todas por uma maneira ou outra associados à má administração da coisa pública, com obras paradas, mau executadas ou caras em excesso; com os desmandos da máquina administrativa, onde pessoas sem cargos mandam mais que os que tenham sido regularmente nomeados; onde o futuro ocupante do cargo mais importante da nação é chamado de mentiroso em cadeia nacional de televisão e permanece silente, como se não fosse com ele o ocorrido; onde os candidatos não falam o que pensam verdadeiramente, mas aquilo que seus marqueteiros lhes mandam dizer, transmudando-se, todos, em mercadorias a serem consumidas pelo incauto eleitor, não pelo conteúdo que possuam, mas pela bela embalagem com a qual se apresentam.
                   Precisamos de pessoas sérias de verdade, não das que simplesmente se travistam dessa capa pelos recursos da mídia. Precisamos de governantes éticos e honestos de fato, não dos que finjam não saber por intermédio de que meios ilícitos conseguem aportar recursos financeiros à sua campanha. Necessitamos de candidatos limpos e puros efetivamente, não dos que afirmam uma coisa e praticam outra totalmente diferente. Em uma palavra, é de coerência e respeito do que mais a nossa fragilizada democracia precisa. Mas e de quem poderemos esperar esses sublimes e imprescindíveis valores?

Jorge Emicles Pinheiro Paes Barreto

quinta-feira, 2 de outubro de 2014


SOLITUDE


                   Enquanto espécie, somos (nós, a humanidade) um disforme conglomerado de seres, tão parecidos e ao mesmo tempo tão díspares uns dos outros. Sobretudo, o que somos mesmo é unidades solitárias de consciência em busca de dar algum sentido para a vida nossa e do grupo coletivo. Mutuamente, nós e a coletividade em que nos instalamos, estabelecemos perigosas relações de comutação, onde ao tempo em que somos explorados igualmente exploramos a outra parte da relação.
                   É talvez o medo da solidão que nos impulsiona instintivamente à vida grupal, que ao mesmo tempo nos incomoda pelas amarras sociais que nos são impostas enquanto condição do convívio. Mas também é o desejo insano à imortalidade que nos impele a tal convívio, pois a única maneira de vencermos a mortalidade da existência terrena é pela lembrança dos que deixamos. Nesse ângulo, tudo o que a humanidade produziu ou vier a produzir é fruto dessa ignóbil luta, fruto do pueril desejo de sobrevivermos aos processos orgânicos do nosso corpo. A sociedade como um conjunto descende desse desejo; as grandes obras da arte concretizam, às vezes por séculos a imortalidade de ditos personagens; assim como o culto aos mortos, a estrutura da família e, em uma palavra, tudo do que se ocupou o homem por tantos e incontáveis milênios.
                   Porém, a verdade central da existência segue sendo a mesma, por mais cegos que todos nós estejamos a ela: enquanto unidades de consciência somos solitários. A maior e mais insuperável de todas as marcas da existência humana segue sendo a solitude dos homens. Por mais congestionadas de pessoas que estejam as grandes cidades; por mais numerosas que sejam as famílias; por mais relacionamentos que se estabeleçam nas redes sociais é essa danada da solidão quem nos devora pouco a pouco, arrefecendo a esperança, cada vez mais tênue, de darmos cabo àquele surdo sentimento que nos povoa a todos e que combatemos incansavelmente por todos os vãos instantes da nossa existência e do qual tão poucos sabem propriamente de que se trata.
                   Pior que isso, é não enxergarmos a bonança e a necessidade mesmo da solidão. É por meio dela que chegamos e deixamos a existência material. É por seu intermédio que recebemos as maiores bênçãos e as mais importantes inspirações em nossa existência. Nossa intuição nos fala à consciência pelo silêncio e através da solidão. Sobretudo, é por seu meio que seremos capazes de enxergar, compreender e nos integrar ao próprio Deus.
                   Que benção, então é a solidão. Que ela nos seja útil, pois.


Jorge Emicles Pinheiro Paes Barreto