CAMINHO DA
ILUMINAÇÃO
Sentado confortavelmente em uma cadeira de
anatomia apropriada, daquelas que permitem relaxar e quiçá, até dormir, firme
no propósito inicial, o primeiro pensamento que veio à mente foi o da noite
anterior, quando no escuro breu em que se encontrava, permitiu-se contemplar
longamente o firmamento; onde após longo e imperceptível tempo teve um lampejo
rápido, mas profundo do significado da infinitude que é o universo. E pensar
que ali, naquela vista que tinha, estava apenas uma ínfima, desprezível até,
fração do sem fim cósmico. Diante daquela imagem, observando bem, era
inevitável não acreditar em uma energia criadora, que a tudo dominava e de tudo
sabia. Mas e qual seria a natureza, a forma e os propósitos desta energia
criadora? Era inevitável a pergunta. Foi no âmago desta contemplação, que ao
termo percebeu haver durado pelo menos um par de horas, que lembrou-se de certa
técnica de meditação a qual havia estudado, mediante a promessa de revelações
profundas.
A verdade mais sublime e perfeita está dentro de
nós mesmos; somos o mais sábio de todos os mestres; o conhecimento de tudo
resta encerrado dentro de nós. Eis os princípios desta antiga técnica de
meditação, fundada no conhecimento de esquecidos mestres. De Hermes
Trimegistro, veio a Tábua de Esmeralda, que avocava a verdade superior de que “tudo
o que está em cima, é como o que está embaixo”. De Tales de Mileto a máxima
concitando a todos a conhecerem a si mesmos, pois assim conhecerão também ao
universo e seus mistérios. O homem é pequeno demais para devassar as longínquas
entranhas das estrelas, mas é de tamanho suficiente para explorar seu próprio
eu interior, por mais infinito que seja. Portanto, para conhecer as estrelas,
percebeu, deve-se fazer a profícua viagem de si para si mesmo. Neste percurso
estarão encerradas todas as verdades da criação, o próprio criador, inclusive.
O som da música, inspiradora e suave já se fazia
ouvir em volume que induzia ao silêncio e meditação. O cheiro do incenso era
também presente, fazendo por si mesmo a impressão de se estar em outro
ambiente. Em frente à cadeira em que se postava estava uma pequena mesa, com um
espelho acoplado à parede, que permitia refletir a imagem do seu busto e rosto.
O escuro seria total, não fossem duas velas acesas, uma em cada extremidade do
espelho. Este ambiente permitia a serenidade, mas também a possibilidade de
suave contemplação de sua própria face. Na imagem refletida estava sossegado,
dando a impressão de paz e harmonia. O ambiente em si mesmo induzia a tal
estado, de maneira que as dores e lutas do mundo exterior não conseguiam atingi-lo
naquele lugar. É como se fosse sagrado o espaço em que estava. Este específico
pensamento o fez sentir uma suave energia, a qual mentalmente visualizou como
uma luz branca que arrodeava a tudo, alijando-o dos pensamentos negativos, dos
problemas, arrependimentos e dificuldades que o perseguiam no mundo exterior ao
que estava, sendo que o mundo interior no qual adentrava não era o do ambiente
propriamente, mas do âmago de seu próprio ser. Era a egrégora que o envolvia, o
protegendo e conduzindo na jornada que ali tinha início.
Fechou os olhos, mas ao reverso do que acontece
quando se está simplesmente relaxando, isso fez saltar-lhe dezenas de imagens,
de início conturbadas, apresentando mais cores que formas propriamente, mas aos
poucos serenadas, iniciando a fazer algum tipo de sentido, notadamente porque
acompanhadas de sentimentos. Uma calma indescritível o dominou pouco a pouco.
Foi quando iniciou a fazer respirações profundas e lentas, inspirando
lentamente, até encher totalmente os pulmões de ar fresco, mantendo-os cheios o
máximo de tempo que conseguia, sem lhe causar desconforto. Então, lentamente
expirava até secar totalmente o órgão, permanecendo também um tempo seco, até
iniciar novamente todo o processo.
Enquanto respirava, foi tomando consciência de si
mesmo, inicialmente pelas partes, mas depois de todo o seu ser. Concentrou-se primeiro
nos pés, sentindo e ao mesmo tempo visualizando-os em seus pedaços e depois em
seu conjunto, tanto por fora, verificando a pele, as unhas, as cicatrizes
existentes na sola, mas depois percebendo também o que estava por dentro, como
os vasos sanguíneos, a carne encharcada de linfa, os músculos e os ossos. Pressentiu
também que algo mais havia além daquilo que já é conhecido da anatomia, como
uma essência imaterial presente em todos nós. O processo repetiu-se por todas as
demais partes e órgãos do corpo. Dos pés, subiu para as pernas e joelhos, vendo
e sentindo-os por fora, por dentro e pela essência imaterial que possuíam. Após
o sexo, onde percebeu esta tal energia imaterial bem mais pujante que antes,
seguindo pelo tórax, abdome, vendo e sentido todos os órgãos interiores um a
um. Quando concentrou-se no coração teve consciência da energia percorrendo
todas as veias e artérias, pela graça do amor divino. Nos pulmões sentiu a
própria vida entrando pelas narinas e sendo distribuída também para todo o
corpo. Chegou à cabeça, e após concentrar-se na boca, narina, ouvidos e olhos,
sentiu uma estupenda força irradiar-se a partir de seu cérebro, fazendo-o
pulsar fortemente a partir de seu centro, bem onde visualizou uma glândula em
intensa atividade. Era a consciência divina lhe iluminando.
Neste momento, sentiu todo o corpo vibrar
intensamente, numa vibração que, sabia, não era a da matéria. Havia algo mais
em si que não poderia ser detectado pela ciência, mas que de tão pujante, tinha
convicção de que existia e o dominava a partir de então totalmente. Foi aí que
sentiu um empuxo forte, que o fez levantar-se repentinamente e, não sabe como,
começar a voar. Deslumbrado, viu o teto se aproximando de si e olhando para
baixo, percebeu pasmado que seu corpo permanecia quieto, ainda sentado na mesma
cadeira, como que adormecido, no que pese sua consciência o observasse de
longe. Estranhamente não sentiu medo nem qualquer desconforto. Simplesmente
deixou-se guiar por uma mão invisível que o conduzia não sabia para onde.
Elevou-se acima da construção em que estava, onde pôde ver a cidade a sua
volta, cheia de luzes e movimentos frenéticos. Mas não se deteve aí. Seguiu
elevando-se até perceber o próprio planeta azul e pequenino do qual se
distanciava pouco a pouco. Viu outras estreles, com outros sistemas solares,
mas também galáxias inteiras. De longe avistou pequenos focos de luz que não
lhe pareceram ser de estrelas, mas de outros espíritos, que como ele se elevavam
na infinitude do cosmo. Não se deteve com nada disso. Sem qualquer temor continuou
se deixando levar por aquela força misteriosa, que presumia sábia e boa, mas
apenas presumia, posto que nada lhe dizia, apenas guiava-o não sabia para onde.
Continuou elevando-se a planos onde não existia
mais a matéria, apenas uma energia sutil que imaginou ser a própria essência do
criador, senão ele propriamente. Foi então que avistou uma enorme catedral, em
dimensões tais que sabia não existira jamais no planeta de onde provinha. Suas
torres altas e majestosas, as luzes que dela emanavam e notadamente a paz
profunda que irradiavam de si eram tamanhas, que palavras jamais seriam
suficientes para descrevê-la. Apenas apreendeu que era a mais bela, pujante e vibrante
construção que já pudera observar, se bem estivesse ciente de não ser
propriamente nenhuma construção, nos moldes que os espíritos humanos
compreendem por este termo. Foi conduzido até o imenso portão de entrada. Nas suas
laterais observou estranhos desenhos que lhe lembraram vagamente temas
egípcios, com escritas que não pôde compreender o significado. Defronte a si,
estava um homem de vestes compridas, capô sobre a cabeça, toda amarela. Sem
dizer palavra, o estranho se disse o guardião daquele lugar, que seria a
catedral da alma, lugar onde todo o conhecimento do universo estava guardado,
mas que somente os puros de espírito teriam acesso a ele.
Examinando sua própria consciência, se declarou
puro, pois o que buscava era a saberia, e cônscio estava que a verdadeira
sabedoria somente poderia ter um único e indeclinável propósito: servir à evolução
da humanidade. De pronto, o guardião lhe franqueou a passagem, dizendo-lhe
mentalmente que aquele era profundo merecimento, pois segundo a sabedoria
antiga, “muitos eram os chamados, poucos os escolhidos”. O lugar que se
descortinou depois do portal era ainda mais majestoso que a fachada que
avistara antes. Era um salão quase infinito cheio de misteriosas inscrições em
todos os cantos. Não é possível na linguagem humana descrever lugar tão único.
Começou a andar lentamente olhando vagarosamente para todas as maravilhas que
caíam sobre seus olhos. Tudo era absolutamente encantador e singular.
Foi então que esbarrou em uma certa palavra. Uma
palavra que não existia em nenhuma língua, de nenhuma cultura que já houvesse
povoado a terra. Soube ao observá-la que ali naquele lugar estava grafada a
palavra da qual se utilizou Deus para criar o mundo material e imaterial. Foi
por ela que se deu o início de toda a criação. É ela o verdadeiro big bang; a fagulha que a tudo deu
origem. A palavra perdida de que tantas culturas falam; a que tantas religiões
se reportam. Como é bela esta palavra, pensou. Impronunciável aos impuros. Tão
poderosa que tem a força de criar e revelar a essência de tudo o que exista ou
possa vir a existir. Eis o arquétipo da criação. Aquele que conhecer esta
palavra, de logo soube ele, terá poderes infinitos, força indevassável,
sabedoria insuperável. A sua simples lembrança tem um poder criador invencível.
Postou-se então diante da palavra perdida,
contemplando-a por um tempo que lhe pareceu infinito. E desde esta simples
observação pôde ter reveladas todas as chaves para as verdades mais profundas e
inimagináveis que povoam o universo. Como somos tolos, nós homens... foi o
pensamento que teve ao final desta infindável meditação...
Jorge Emicles Pinheiro
Paes Barreto
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