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domingo, 22 de dezembro de 2013

OLHAR PARA TRÁS


                   Até que ponto devemos olhar para trás ao curso da penosa caminhada que é a existência humana? Sem estas pausas de reflexiva e profunda contemplação é certo que não seríamos capazes de avaliar se estamos ou não realmente no caminho certo. Quantas dúvidas nos trazem as experiências diárias, mas também quantas certezas. Se olharmos bem, a vida possui mais erros que acertos, mas dificuldades e misérias que beleza, mas desencontros que regozijos. Ainda assim, é importante olhar para trás, porque é esta mirada, se reflexiva a contento, que indicará valiosas lições. Ao menos assim saberemos o que não fazer. Mas também há de nos revelar boas ações, pois por mais corrupto que seja o nosso praticar, ainda assim haverá uma centelha divina a nos habitar, mesmo que seja no mais profundo e escondido recôndito do nosso coração. Algo de bom também necessariamente haverá de ter sido praticado ao curso da jornada. Olhar para trás, portanto, é mote de imprescindível meditação; de valiosos ensinamentos.
                   Mas olhar para trás não é trazer para o presente o que deve estar bem guardado no espectro do passado. São as lições do pretérito que devemos garimpar, não o que se deu propriamente, seja o bom, seja o ruim. O que causou dor deverá permanecer encoberto pelo sábio manto do tempo, para que as feridas não se reabram e inaugurem desnecessariamente dolorosa sangria, pois não há mais o que se aprender do que não é mais. O que proporcionou prazer também não poderá ser remoçado, pois é certa a provisoriedade de todos os momentos. A contemplação do que passou serve na verdade para alimentar o futuro, como um mestre veemente que nos ensina a mágica fórmula de como construir a sabedoria, harmonia e paz interior mesmo diante da caótica e eterna mutação da matéria; de como ser feliz ainda que diante do mundo de expiações e sofrimentos em que vivemos; de como transformar a dor em poesia, o sofrimento em vontade de vencer. O futuro sim é um livro aberto, por ser escrito, onde tudo poderemos ser e tudo seremos capazes de construir. O passado, logo o que está dentro de nós mesmos, é o mais sábio de todos os mestres. É nele, neste pecaminoso passado que nos habita, onde seremos capazes de encontrar o caminho mais luminoso que possa existir.
                   E se repararmos bem, cutucando estes velhos e tantas vezes esquecidos escombros do que já fomos, do que pensamos, do que quisemos ser e nunca o fomos, por mais distintas que tenham sido, como de fato são, as vidas uns dos outros, necessariamente haveremos de chegar a uma verdade comum, a de que todas as coisas que nos habitam são indeléveis ilusões, que nos aprisionam, enganam, nos desviam do caminho da sabedoria, nos impingem preconceitos, mas também indizíveis sofrimentos. Nada delas, enfim, nos revelam o que somos, o que queremos e no que deveremos nos transformar com a experiência da vida. De tudo isso, que se olharmos bem repararemos que não é nada, somente poderemos descobrir uma única e irrenunciável coisa que por sua pujante força é capaz das mais imprevisíveis mutações; de tudo perdoar e transformar. De todas as coisas que fomos ou poderemos vir a ser, só o amor é real. Este sim, o único capaz de descortinar a harmonia por detrás do nefasto caos que nos rodeia.

Jorge Emicles Pinheiro Paes Barreto

sexta-feira, 13 de dezembro de 2013


CAMINHO DA ILUMINAÇÃO

Sentado confortavelmente em uma cadeira de anatomia apropriada, daquelas que permitem relaxar e quiçá, até dormir, firme no propósito inicial, o primeiro pensamento que veio à mente foi o da noite anterior, quando no escuro breu em que se encontrava, permitiu-se contemplar longamente o firmamento; onde após longo e imperceptível tempo teve um lampejo rápido, mas profundo do significado da infinitude que é o universo. E pensar que ali, naquela vista que tinha, estava apenas uma ínfima, desprezível até, fração do sem fim cósmico. Diante daquela imagem, observando bem, era inevitável não acreditar em uma energia criadora, que a tudo dominava e de tudo sabia. Mas e qual seria a natureza, a forma e os propósitos desta energia criadora? Era inevitável a pergunta. Foi no âmago desta contemplação, que ao termo percebeu haver durado pelo menos um par de horas, que lembrou-se de certa técnica de meditação a qual havia estudado, mediante a promessa de revelações profundas.
                   A verdade mais sublime e perfeita está dentro de nós mesmos; somos o mais sábio de todos os mestres; o conhecimento de tudo resta encerrado dentro de nós. Eis os princípios desta antiga técnica de meditação, fundada no conhecimento de esquecidos mestres. De Hermes Trimegistro, veio a Tábua de Esmeralda, que avocava a verdade superior de que “tudo o que está em cima, é como o que está embaixo”. De Tales de Mileto a máxima concitando a todos a conhecerem a si mesmos, pois assim conhecerão também ao universo e seus mistérios. O homem é pequeno demais para devassar as longínquas entranhas das estrelas, mas é de tamanho suficiente para explorar seu próprio eu interior, por mais infinito que seja. Portanto, para conhecer as estrelas, percebeu, deve-se fazer a profícua viagem de si para si mesmo. Neste percurso estarão encerradas todas as verdades da criação, o próprio criador, inclusive.
                   O som da música, inspiradora e suave já se fazia ouvir em volume que induzia ao silêncio e meditação. O cheiro do incenso era também presente, fazendo por si mesmo a impressão de se estar em outro ambiente. Em frente à cadeira em que se postava estava uma pequena mesa, com um espelho acoplado à parede, que permitia refletir a imagem do seu busto e rosto. O escuro seria total, não fossem duas velas acesas, uma em cada extremidade do espelho. Este ambiente permitia a serenidade, mas também a possibilidade de suave contemplação de sua própria face. Na imagem refletida estava sossegado, dando a impressão de paz e harmonia. O ambiente em si mesmo induzia a tal estado, de maneira que as dores e lutas do mundo exterior não conseguiam atingi-lo naquele lugar. É como se fosse sagrado o espaço em que estava. Este específico pensamento o fez sentir uma suave energia, a qual mentalmente visualizou como uma luz branca que arrodeava a tudo, alijando-o dos pensamentos negativos, dos problemas, arrependimentos e dificuldades que o perseguiam no mundo exterior ao que estava, sendo que o mundo interior no qual adentrava não era o do ambiente propriamente, mas do âmago de seu próprio ser. Era a egrégora que o envolvia, o protegendo e conduzindo na jornada que ali tinha início.
                   Fechou os olhos, mas ao reverso do que acontece quando se está simplesmente relaxando, isso fez saltar-lhe dezenas de imagens, de início conturbadas, apresentando mais cores que formas propriamente, mas aos poucos serenadas, iniciando a fazer algum tipo de sentido, notadamente porque acompanhadas de sentimentos. Uma calma indescritível o dominou pouco a pouco. Foi quando iniciou a fazer respirações profundas e lentas, inspirando lentamente, até encher totalmente os pulmões de ar fresco, mantendo-os cheios o máximo de tempo que conseguia, sem lhe causar desconforto. Então, lentamente expirava até secar totalmente o órgão, permanecendo também um tempo seco, até iniciar novamente todo o processo.
                   Enquanto respirava, foi tomando consciência de si mesmo, inicialmente pelas partes, mas depois de todo o seu ser. Concentrou-se primeiro nos pés, sentindo e ao mesmo tempo visualizando-os em seus pedaços e depois em seu conjunto, tanto por fora, verificando a pele, as unhas, as cicatrizes existentes na sola, mas depois percebendo também o que estava por dentro, como os vasos sanguíneos, a carne encharcada de linfa, os músculos e os ossos. Pressentiu também que algo mais havia além daquilo que já é conhecido da anatomia, como uma essência imaterial presente em todos nós. O processo repetiu-se por todas as demais partes e órgãos do corpo. Dos pés, subiu para as pernas e joelhos, vendo e sentindo-os por fora, por dentro e pela essência imaterial que possuíam. Após o sexo, onde percebeu esta tal energia imaterial bem mais pujante que antes, seguindo pelo tórax, abdome, vendo e sentido todos os órgãos interiores um a um. Quando concentrou-se no coração teve consciência da energia percorrendo todas as veias e artérias, pela graça do amor divino. Nos pulmões sentiu a própria vida entrando pelas narinas e sendo distribuída também para todo o corpo. Chegou à cabeça, e após concentrar-se na boca, narina, ouvidos e olhos, sentiu uma estupenda força irradiar-se a partir de seu cérebro, fazendo-o pulsar fortemente a partir de seu centro, bem onde visualizou uma glândula em intensa atividade. Era a consciência divina lhe iluminando.
                   Neste momento, sentiu todo o corpo vibrar intensamente, numa vibração que, sabia, não era a da matéria. Havia algo mais em si que não poderia ser detectado pela ciência, mas que de tão pujante, tinha convicção de que existia e o dominava a partir de então totalmente. Foi aí que sentiu um empuxo forte, que o fez levantar-se repentinamente e, não sabe como, começar a voar. Deslumbrado, viu o teto se aproximando de si e olhando para baixo, percebeu pasmado que seu corpo permanecia quieto, ainda sentado na mesma cadeira, como que adormecido, no que pese sua consciência o observasse de longe. Estranhamente não sentiu medo nem qualquer desconforto. Simplesmente deixou-se guiar por uma mão invisível que o conduzia não sabia para onde. Elevou-se acima da construção em que estava, onde pôde ver a cidade a sua volta, cheia de luzes e movimentos frenéticos. Mas não se deteve aí. Seguiu elevando-se até perceber o próprio planeta azul e pequenino do qual se distanciava pouco a pouco. Viu outras estreles, com outros sistemas solares, mas também galáxias inteiras. De longe avistou pequenos focos de luz que não lhe pareceram ser de estrelas, mas de outros espíritos, que como ele se elevavam na infinitude do cosmo. Não se deteve com nada disso. Sem qualquer temor continuou se deixando levar por aquela força misteriosa, que presumia sábia e boa, mas apenas presumia, posto que nada lhe dizia, apenas guiava-o não sabia para onde.
                   Continuou elevando-se a planos onde não existia mais a matéria, apenas uma energia sutil que imaginou ser a própria essência do criador, senão ele propriamente. Foi então que avistou uma enorme catedral, em dimensões tais que sabia não existira jamais no planeta de onde provinha. Suas torres altas e majestosas, as luzes que dela emanavam e notadamente a paz profunda que irradiavam de si eram tamanhas, que palavras jamais seriam suficientes para descrevê-la. Apenas apreendeu que era a mais bela, pujante e vibrante construção que já pudera observar, se bem estivesse ciente de não ser propriamente nenhuma construção, nos moldes que os espíritos humanos compreendem por este termo. Foi conduzido até o imenso portão de entrada. Nas suas laterais observou estranhos desenhos que lhe lembraram vagamente temas egípcios, com escritas que não pôde compreender o significado. Defronte a si, estava um homem de vestes compridas, capô sobre a cabeça, toda amarela. Sem dizer palavra, o estranho se disse o guardião daquele lugar, que seria a catedral da alma, lugar onde todo o conhecimento do universo estava guardado, mas que somente os puros de espírito teriam acesso a ele.
                   Examinando sua própria consciência, se declarou puro, pois o que buscava era a saberia, e cônscio estava que a verdadeira sabedoria somente poderia ter um único e indeclinável propósito: servir à evolução da humanidade. De pronto, o guardião lhe franqueou a passagem, dizendo-lhe mentalmente que aquele era profundo merecimento, pois segundo a sabedoria antiga, “muitos eram os chamados, poucos os escolhidos”. O lugar que se descortinou depois do portal era ainda mais majestoso que a fachada que avistara antes. Era um salão quase infinito cheio de misteriosas inscrições em todos os cantos. Não é possível na linguagem humana descrever lugar tão único. Começou a andar lentamente olhando vagarosamente para todas as maravilhas que caíam sobre seus olhos. Tudo era absolutamente encantador e singular.
                   Foi então que esbarrou em uma certa palavra. Uma palavra que não existia em nenhuma língua, de nenhuma cultura que já houvesse povoado a terra. Soube ao observá-la que ali naquele lugar estava grafada a palavra da qual se utilizou Deus para criar o mundo material e imaterial. Foi por ela que se deu o início de toda a criação. É ela o verdadeiro big bang; a fagulha que a tudo deu origem. A palavra perdida de que tantas culturas falam; a que tantas religiões se reportam. Como é bela esta palavra, pensou. Impronunciável aos impuros. Tão poderosa que tem a força de criar e revelar a essência de tudo o que exista ou possa vir a existir. Eis o arquétipo da criação. Aquele que conhecer esta palavra, de logo soube ele, terá poderes infinitos, força indevassável, sabedoria insuperável. A sua simples lembrança tem um poder criador invencível.
                   Postou-se então diante da palavra perdida, contemplando-a por um tempo que lhe pareceu infinito. E desde esta simples observação pôde ter reveladas todas as chaves para as verdades mais profundas e inimagináveis que povoam o universo. Como somos tolos, nós homens... foi o pensamento que teve ao final desta infindável meditação...
Jorge Emicles Pinheiro Paes Barreto

                   

quarta-feira, 11 de dezembro de 2013


VERDADE
                   Há uma verdade intricada dentro de mim, que em estando dentro do meu ser revela na verdade ele mesmo. Como não sou uma ilha no meio de uma vastidão oceânica, (muito embora em tantas ocasiões tenha desejado ser assim e em outras lutado bravamente para transpor a infinitude de água que me separa dos meus pares) esta minha verdade tem algo que ver com o que é de fato o mundo e a existência.
                   Sou uma alma, é dizer, uma centelha de consciência na vastidão do universo. Sou eu, enquanto consciência, quem dá razão ao mundo. Sem mim e sem as outras milhões de consciências que povoam este mundo e ele simplesmente não existiria, não seria nada. Que seria de Deus sem suas criaturas? O Incriado, ao final, necessita de suas criaturas para existir, pois é o nosso existir que, em lhe dando consciência de si mesmo, dão sentido, cores e razões para toda a sua Obra, a começar pelo próprio Criador.
                   Mas esta verdade que me povoa não é nem jamais será igual à verdade que povoa o mundo fora de mim, muito embora fora de mim o mundo não exista. Eu sou uma criação e uma criatura em mim mesmo. Tudo me povoa e tudo é por mim povoado. Eu sou...
                   E esta verdade, o que revela de superior ciência, senão a relativização de meu próprio ser? Sou criador de mundo infinito, que mesmo dentro de mim tem inefáveis limites, a começar pela pequenez sórdida de meu próprio ser. Minha criação tem meus limites, meus defeitos, minhas angústias... Oh, não, há dores demais dentro de mim para povoar o mundo! Este mundo há de ser terrível, posto a terrível angústia que me habita: a angústia de ser humano, finito na matéria, nos poderes, mas infinito no pensamento e nas quimeras.
                   Esta minha verdade é, com a mesma convicção que eu próprio sou. Eu sou... algo terrível e genial ao mesmo tempo, capaz de infinitos sacrifícios, tormentosas renúncias e desgastantes apegos. Às vezes é desesperador ser humano, finito e infinito ao mesmo tempo; tendo de se reconhecer humilde e tão pujante, ao mesmo tempo que o próprio Criador. Sendo, afinal, criador do próprio mundo, infinito-finito; pobre-rico; sábio-tolo como cada uma das células que habitam as minhas vastas entranhas, que cagam, bebem e se regozijam dos prazeres mundanos, tanto quanto todos os meus infinitos e iguais irmãos.

                   É a dor de viver, que quando em vez se transmuda na alegria de existir...
Jorge Emicles Pinheiro Paes Barreto