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quarta-feira, 23 de janeiro de 2013


NÃO SAIU NA IMPRENSA


Saiu na imprensa local, a inacreditável história de que a mesa diretora da Câmara Municipal de Crato propôs a redução dos vencimentos de seus servidores (alguns que trabalhavam há mais de vinte anos), sob o pretexto de que estaria com encargos acima do limite máximo de gasto com pessoal. Também saiu na imprensa que irresponsavelmente, a legislatura pretérita aumentou os subsídios de seus próprios vereadores, bem como o próprio número de vagas na casa, passando de onze para dezenove. Informou-se também na imprensa que além destas extravagâncias, os vereadores cratenses criaram novos cargos de assessores parlamentares, em número de dois para cada edil.
                   Não saiu na imprensa, contudo, que a prática articulada por uma mesa diretora cujo presidente é um jurista, é expressamente proibida pela Constituição Federal, que em seu artigo 37, XV, afirma literalmente que “os vencimentos dos ocupantes de cargos e empregos públicos são irredutíveis”, logo que é afrontosa à Lei Maior deste país a prática preconizada pelos pseudo representantes do povo. Também não saiu na imprensa que o ato de irresponsabilidade extrema da Câmara Municipal do Crato que aumentou os subsídios dos vereadores, bem como seu número total, por não ter lastro financeiro suficiente, desobedece expressa disposição da Lei de Responsabilidade Fiscal, que em seu artigo 15 determina que serão consideradas nulas as despesas geradas sem o devido lastro orçamentário ou de caixa, exatamente o que fizeram os edis cratenses. Igualmente não saiu na imprensa que os atos que criam despesa sem lastro financeiro, especialmente quando beneficiam os próprios legisladores, bem como a irritante omissão dos que não o praticaram, mas dele se aproveitaram, se constitui, na dicção do artigo 37, § 4º da Constituição Federal, em flagrante improbidade administrativa, passiva de penas pecuniárias severas, sem falar da perda do cargo e inabilitação para exercer cargos e funções públicos e suspensão dos direitos políticos.
                   Muito menos saiu na imprensa que também é vexatória, senão criminosa, a omissão de instituições criadas para defender a efetividade da Constituição, como é o caso da OAB e do Ministério Público, que como emas, põem a cabeça sob o chão para fazer de conta que não enxergam nada. Mas nós daqui enxergamos os pomposos jantares e festas que a OAB faz à custa de extorsivas anuidades cobradas dos advogados, assim como as ineficazes peripécias midiáticas a que se habituaram os Promotores para justificar sua cara e ineficiente máquina administrativa, bancada, assim como os vereadores e seus assessores, pelos impostos pagos por nós, os indefesos e revoltados cidadãos brasileiros. Também não saiu na imprensa, claro, que tais omissões igualmente constituem-se, em tese, em novas práticas de improbidade. Muito menos sairá na imprensa que o caminho natural de todos estes desmandos será o esquecimento e a impunidade, pois na próxima eleição, todos os vereadores que compõe a Câmara Municipal certamente concorrerão à reeleição, momento em que todos acintosamente olharão em nossos olhos e dirão tratarem-se de fichas limpas, pois que não respondem a nenhum processo.
                   E durma-se com um barulho desses...
Jorge Emicles Pinheiro Paes Barreto

terça-feira, 15 de janeiro de 2013


RESISTÊNCIA CIVIL


Não seria possível falar da gloriosa revolução francesa (aquela que teve vez no longínquo 1789 e é de longe a responsável pela visão de mundo moderna, a partir das ideias iluministas, da valorização dos direitos fundamentais, da ciência enquanto método e, enfim, da vida e da sociedade como são uma e outra hoje) sem fazer-se referência a um de seus mais significativos símbolos. Também não se poderia falar do atual grau de conhecimento científico sobre a política, a ciência do Estado e o direito sem prescindir do mesmo Jean Jacques Rousseau. Sua obra mais famosa é um tratado de Política mundialmente conhecido como o Contrato Social. A idéia desse tal contrato não é propriamente dele, mas de toda uma escola que o precede, mas de que nele tem um dos seus mais destacados teóricos. Resumidamente, poder-se-ia dizer que o contrato social nasce desde quando a comunidade primitiva, livre pelo direito natural, percebeu que somente poderia gozar de um mínimo de segurança e respeito recíproco a partir de quando abrissem todos mão de parcela dessa liberdade, para colocá-la em mãos de quem lhes pudesse assegurar a justiça e a segurança imprescindíveis à vida em sociedade. O recebedor desse prêmio seria (aqui na linguagem de outro contratualista, agora o Thomas Hobbes) um monstro inicialmente chamado por Leviatã e mais tarde batizado simplesmente de Estado. Eis o contrato social e a teoria que fundamenta o poder supremo do Estado sobre seus súditos (agora falamos cidadãos), que tanto pode impingir-lhes punições, como é o caso das penas civis e criminais, quanto impor o financiamento de sua própria máquina, agora sob a matiz do poder de tributar.
                          Porém, na mesma medida em que Rousseau admite a imperatividade do Estado sobre seus cidadãos, alerta para a missão do Leviatã, a quem paralelamente à tal supremacia compete defender as pessoas interna e externamente. Hoje, é legítimo ainda se falar em uma série de direitos que os cidadãos têm contra o Estado, como é o caso dos direitos sociais, notadamente os da saúde, previdência, segurança pública, e uma série de outros serviços essenciais, tanto realizados pelo próprio poder público, como por particulares. É exatamente sob o fundamento dessa reciprocidade de direitos e deveres mútuos (por sinal um elemento necessário a todo e qualquer contrato, conforme e remansosa lição dos juristas, desde os romanos) que o velho Rousseau consagra a legitimidade do movimento de resistência do povo contra o soberano, sempre que este tal soberano não mais for efetivador dos deveres do Estado. Para tanto consagra a máxima de que o soberano não é o governo (na linguagem de hoje, dir-se-ia que o mandatário não é o Estado), mas mero delegado do povo, a quem legitimamente se permite resistir desde quando se torne abusivo em suas ações.
                          Vendo o atual desmando dos governos das três esferas de poder no Brasil, e tantos outros mundo afora, compreendo relevante a lembrança da antiga, mas não ultrapassada lição de Rousseau, para afirmar que a resistência civil da sociedade contra tais desmandos é além de legítima, com amplo fundamento teórico, necessária para a construção da nova sociedade que o novel século vinte e um reclama, fundada na consciência individual, coletiva e ambiental. Teoria já temos e de ótimo quilate. Falta agora somente a ação, que a todos e a cada um de nós compete, inclusive às instâncias organizadas da sociedade.
Jorge Emicles Pinheiro Paes Barreto

terça-feira, 8 de janeiro de 2013


REVOLUÇÃO PELA PAZ

Juntamente com o iluminismo e a brilhante inspiração que foi ao movimento que redundou na Revolução Francesa de 1789, Voltaire legou-nos um pessimismo inato, no sentido de que todas as coisas vão mau: as pessoas são infelizes e a injustiça e ingratidão é o que reina no mundo. Nem a revolução salvou a humanidade desta triste sina, se é o que não atesta-nos a empírica experiência de mundo a todos acessíveis mais de duzentos anos depois dos primeiros guilhotinados. A terceira via da social democracia européia desbocou na crise econômica mundial da atualidade; o socialismo, seja o utópico de Saint-Simon, seja o científico da Marx caiu com as ditaduras do leste europeu e da própria União Soviética, tudo simbolizado no despencar do muro que separava Berlim e a própria Alemanha em duas. A Germânia mesmo, com a megalômana ideia da ariana raça pura encerrou sua sina com o fatal tiro de Hitler em si mesmo (talvez no único ato de justiça em toda sua ditadura). Do liberalismo encetado pelos norte americanos, tiramos o exemplo de que todos os impérios são nocivos à humanidade, muito notadamente os decadentes. No Brasil, as coisas vão cada vez mais parecidas com dez anos atrás: há uma evidente crise energética, categoricamente negada pelo governo; a corrupção cresce em desmedida escala, também sob enérgica negativa oficial; o judiciário quando não é cúmplice do desmantelo comprova não possuir meios de combate ao mau feito. Em essência, nada está tão diferente de antes da Revolução Francesa, enfim.
                   Mais do que um teórico revolucionário, Voltaire foi um obstinado crítico da sociedade em que viveu. Talvez por isto seja ainda tão atual. Não pretendeu nos legar uma verdade superior, senão evidenciar-nos quanto nosso mundo é injusto. Mas o é por nossas próprias forças. Não nos trouxe a fórmula da salvação; o caminho por onde a sociedade constituir-se-á perfeita e justa; por intermédio do qual as pessoas alcançarão sua verdadeira felicidade. Aliás, não se poderá verdadeiramente acusá-lo de ter sido em qualquer nível teórico da revolução, porque sua análise foi pragmática, sem qualquer elemento de teoria. Não há ciência em seus escritos, senão escárnio e revolta contra as pavorosas coisas criadas por seus iguais, os nobres aristocratas europeus (talvez sua principal contradição tenha sido a de usufruir galantemente de todas as benesses que o status aristocrático, o qual tanto criticava, era capaz de conceder). É preciso no século vinte e um revisitá-lo. Mas não para concluir pelo desterro; que as coisas da humanidade não têm solução; que é melhor acostumarmo-nos com as injustiças, pois nada poderá mudar esta realidade deprimente, nem mesmo uma revolução.
                   A revolução pelas armas, onde a força do homem destrói seus iguais e sua consciência aniquila as opiniões adversas, como meio necessário de por, enfim, as coisas em uma ordem, a qual verdadeiramente jamais será alcançada, esta já se provou ineficaz, seja pela experiência dos franceses, seja por dezenas outras, como poderiam ser lembradas as revoluções da Rússia, de Cuba e mesmo as insípidas experiências brasileiras (aqui sempre fracassadas, como o fez o velho general Prestes por mais de uma ocasião). Mas a revolução pelo elevo da consciência, pelo conhecimento verdadeiro; a revolução da sociedade pautada na evolução da humanidade, esta jamais se experimentou, senão num plano extremamente reservado e teórico. O novo ciclo da história humana anunciado por este conturbado início de século, penso, seja o momento necessário e oportuno para tal experiência coletiva. Talvez seja chegado o tempo da revolução pela paz!
Jorge Emicles Pinheiro Paes Barreto.

quarta-feira, 2 de janeiro de 2013


A ESTÁVEL LEI DA MUDANÇA

A crise mundial que eclodiu já alguns anos, mas que vem se aprofundando a cada dia que passa, somado à nova conscientização sobre a necessidade de mudança de padrões quanto às relações entre o homem e a natureza, possuem muito mais significado do que aparentam. Estes dois fatos simbolizam antes de tudo uma profunda mudança de paradigma quanto à forma com que o homem compreende o mundo.
Vem de Adam Smith, pai da economia de mercado, o sentido moderno do liberalismo, cujo pressuposto básico é o da liberdade do mercado, onde o Estado se envolve ao mínimo na regulamentação da economia. Modernamente, quando aportaram ao poder Ronald Reagan, nos Estados Unidos e Margaret Tacher, na Inglaterra (isto nos idos dos anos oitenta do século passado), tornaram-se os símbolos maiores da renovação dessas ideias. As origens da crise econômica e do aquecimento global podem ser correlacionados a estes dois marcos fundamentais. Em última análise, representam o fracasso dessas ideologias, que remontam ainda, olhando um pouco mais adiante na história, aos ideais da Revolução Francesa, dos iluministas e dos contratualistas, ideias que fundamentam toda a ciência e os paradigmas da sociedade humana modernos.
                     Por isso o estrago é muito maior do que aparenta. Se não forem modificadas a forma de o homem compreender o universo que povoa, com as necessárias interações entre as demais pessoas, todo esforço será absolutamente vão. A questão então vai muito mais além do que as discussões que se travam nas reuniões de cúpula das grandes nações, porque não se resumem simplesmente a intervenções técnicas capazes de reduzir a temperatura do planeta, nem a fórmulas de melhor regulamentar a economia, mas na verdade dizem respeito a reconstrução do próprio homem e das formas que interpreta o mundo.
                     Parece estranho, no mundo do domínio da ciência, falar-se em mudanças de visão as coisas, mas acontece que cada era da nossa história está relacionada a uma forma diferente de visão e de interação do homem com o mundo. Na antiguidade romana, por exemplo, nem todos os homens eram pessoas, sendo muitos deles simples coisas, como os objetos que usamos em nosso cotidiano. Na idade média, este mesmo homem era um mero acessória da terra que cultivava. Somente com o iluminismo é que se passou a elevar a noção do homem como centro do universo e da religião apartada das coisas do Estado. Agora é chegada a hora de nova mudança, porque o homem não pode mais ser considerado a razão e o centro da existência, mas um mero componente num sistema muito mais complexo, onde a natureza e a economia necessariamente deverão se subordinar a estes novos paradigmas. Assim, nem a liberdade de mercado, nem a condição superior do homem frente à existência podem ser considerados absolutos. A própria superioridade científica como detentora da verdade deve ser relativizada também.
                     A única coisa imutável em todas as eras da existência humana é a necessidade permanente de mudança, tal qual nos revelou ainda na antiguidade clássica o velho Heráclito. Eis o novo mundo que nos aguarda...
Jorge Emicles Pinheiro Paes Barreto