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sábado, 5 de maio de 2018


O ANO QUE NÃO TERMINOU




                   Fazem cinquenta anos que Paris estava em polvorosa. Um quase insipiente movimento de estudantes protestando pela reforma do ensino na França acabou se transformando na maior greve que o país de Rousseau já havia visto. A liberdade bradava mais uma vez seu grito, provisoriamente aprisionada pelos escuros muros da Bastilha. Em Praga já, a liberdade era encarcerada pelos tanques soviéticos que abafavam o movimento reformador do comunismo centralizador do pós-Stalin.
                   O mundo inteiro, naquele peculiar ano de 1968 respirava os brados do feminismo, da liberdade sexual recém conquistada por uma visionária geração de jovens nascida no pós-Segunda Grande Guerra e inspirada nos valores do pacifismo e supremacia da ética sobre o pragmatismo; expirava não apenas os preparativos para o festival de Woodstock que aconteceria no ano seguinte, mas na verdade toda uma novel visão de mundo. A promessa que faziam era a de que a civilização humana jamais seria a mesma após aquela geração chegar ao poder.
                   No Brasil, apesar do endurecimento da ditadura militar, os ventos da liberdade ainda assim conseguiram fazer farfalhar seu sopro por sobre as aspirações desse nosso míope povo. O MR-8 (Movimento Revolucionário Oito de Outubro – em alusão à data do assassinato do Comandante Che) viveu seu ano mais aguerrido, de franco apoio à resistência armada contra a ditadura. Líderes estudantis foram presos arbitrariamente no famoso congresso clandestino da UNE, em Ibiúna. A renomada peça de Chico Buarque, Roda Viva era violentamente proibida pela censura oficial. Mesmo assim, ainda foi possível ouvirmos no festival Caetano Veloso, fora do tom e sem melodia cantar que “é proibido proibir”. Igualmente Geraldo Vandré não se calou antes de dizer das flores.
                   A colheita dessa corajosa semeadura foi o AI-5 (Ato Institucional nº 5), considerado o golpe dentro do golpe militar de 1964, pelo qual de uma vez por todas se enterraram quaisquer aspirações libertárias que se pudessem haver plantado. Em nome do combate à corrupção e da defesa da segurança nacional, se cassaram direitos políticos e aprisionaram tantos quantos ousaram se insurgir contra a verdade absoluta da ordem imposta. Tão intensos foram os acontecimentos desse ano, que o jornalista Zuenir Ventura imortalizou para ela a alcunha do ano que não terminou, título do seu mais famoso livro, onde narra em minúcias, com seu peculiar estilo literário, os insólitos acontecimentos daquele ano.
                   Aquela sobeja juventude apanhou no pau de arara, foi aprisionada e exilada, praticou sequestros de embaixadores em troca do resgate de seus companheiros presos, mas jamais se deixou calar. A roda do tempo trouxe seus principais personagens de volta à vida pública e ao poder mundano. Eles cumpriram em parte suas aspirações, pois se empoderaram do Estado, construíram discursos diferentes dos seus antecessores, mas não conseguiram concretizar a revolução do espírito que prometeram. A civilização continua humana, cheia de defeitos e utopias como já era antes deles.
                   Alguns dos presos de Ibiúna voltaram ao cárcere já septuagenários, acusados agora de corrupção. Outros seguiram suas carreiras artísticas, intelectuais e políticas sem maiores transtornos, sempre vivendo à sombra do personagem que foram nos anos de chumbo. Nenhum deles mudou o mundo pois o mundo, apesar de completamente diferente de dantes, se modifica por si mesmo. Poucos, transformaram a si mesmos.
                   Ah, quantos dos hippies adeptos do movimento de Woodstock não estão hoje em casa, assistindo às telenovelas da moda, passivos diante da vida, complacentemente e sem pressa “esperando a morte chegar”. Não há nada de novo sob o céu!

Jorge Emicles

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