O
ANO QUE NÃO TERMINOU
Fazem
cinquenta anos que Paris estava em polvorosa. Um quase insipiente movimento de
estudantes protestando pela reforma do ensino na França acabou se transformando
na maior greve que o país de Rousseau já havia visto. A liberdade bradava mais
uma vez seu grito, provisoriamente aprisionada pelos escuros muros da Bastilha.
Em Praga já, a liberdade era encarcerada pelos tanques soviéticos que abafavam
o movimento reformador do comunismo centralizador do pós-Stalin.
O mundo inteiro, naquele peculiar ano de 1968 respirava
os brados do feminismo, da liberdade sexual recém conquistada por uma visionária
geração de jovens nascida no pós-Segunda Grande Guerra e inspirada nos valores
do pacifismo e supremacia da ética sobre o pragmatismo; expirava não apenas os
preparativos para o festival de Woodstock que aconteceria no ano seguinte, mas
na verdade toda uma novel visão de mundo. A promessa que faziam era a de que a civilização
humana jamais seria a mesma após aquela geração chegar ao poder.
No Brasil, apesar do endurecimento da ditadura
militar, os ventos da liberdade ainda assim conseguiram fazer farfalhar seu
sopro por sobre as aspirações desse nosso míope povo. O MR-8 (Movimento
Revolucionário Oito de Outubro – em alusão à data do assassinato do Comandante
Che) viveu seu ano mais aguerrido, de franco apoio à resistência armada contra
a ditadura. Líderes estudantis foram presos arbitrariamente no famoso congresso
clandestino da UNE, em Ibiúna. A renomada peça de Chico Buarque, Roda Viva era
violentamente proibida pela censura oficial. Mesmo assim, ainda foi possível
ouvirmos no festival Caetano Veloso, fora do tom e sem melodia cantar que “é proibido
proibir”. Igualmente Geraldo Vandré não se calou antes de dizer das flores.
A colheita dessa corajosa semeadura foi o AI-5
(Ato Institucional nº 5), considerado o golpe dentro do golpe militar de 1964, pelo
qual de uma vez por todas se enterraram quaisquer aspirações libertárias que se
pudessem haver plantado. Em nome do combate à corrupção e da defesa da
segurança nacional, se cassaram direitos políticos e aprisionaram tantos quantos
ousaram se insurgir contra a verdade absoluta da ordem imposta. Tão intensos
foram os acontecimentos desse ano, que o jornalista Zuenir Ventura imortalizou para
ela a alcunha do ano que não terminou,
título do seu mais famoso livro, onde narra em minúcias, com seu peculiar
estilo literário, os insólitos acontecimentos daquele ano.
Aquela sobeja juventude apanhou no pau de arara,
foi aprisionada e exilada, praticou sequestros de embaixadores em troca do
resgate de seus companheiros presos, mas jamais se deixou calar. A roda do
tempo trouxe seus principais personagens de volta à vida pública e ao poder
mundano. Eles cumpriram em parte suas aspirações, pois se empoderaram do
Estado, construíram discursos diferentes dos seus antecessores, mas não
conseguiram concretizar a revolução do espírito que prometeram. A civilização
continua humana, cheia de defeitos e utopias como já era antes deles.
Alguns dos presos de Ibiúna voltaram ao cárcere já
septuagenários, acusados agora de corrupção. Outros seguiram suas carreiras
artísticas, intelectuais e políticas sem maiores transtornos, sempre vivendo à
sombra do personagem que foram nos anos de chumbo. Nenhum deles mudou o mundo
pois o mundo, apesar de completamente diferente de dantes, se modifica por si
mesmo. Poucos, transformaram a si mesmos.
Ah, quantos dos hippies adeptos do movimento de Woodstock não estão hoje em casa,
assistindo às telenovelas da moda, passivos diante da vida, complacentemente e
sem pressa “esperando a morte chegar”. Não há nada de novo sob o céu!
Jorge
Emicles
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