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sábado, 10 de junho de 2017

A FESTA DA DEMOCRACIA


                   O assunto é inevitável. Talvez até mesmo os índios não contatados da densa floresta amazônica estejam comentando, entre uma pescaria e outra caçada, o incongruente e, dizem, histórico julgamento do Tribunal Superior Eleitoral (TSE)  brasileiro, que fez de contas que não está provado, comprovado, sendo irrecusável o fato de que a campanha presidencial de 2014 foi fartamente financiada por dinheiro sujo, proveniente da corrupção e abastecido pelas maiores empresas do país. (A propósito, a questão vai bem além da corrupção na Petrobrás e no financiamento oriundo de meia dúzia de empresas delatoras. É generalizado pelo país inteiro). Esta evidência não atinge somente a campanha da chapa vencedora, mas a de praticamente todos os concorrentes. Ou pelo menos daqueles que em algum tempo tiveram chance real de vitória.
                   No mínimo, seria uma profunda hipocrisia presumir que a roubalheira tenha tido início na derradeira campanha, pois não é possível renunciar a evidente verdade de que assim sempre foi. Antes e depois do PT no poder. Antes e depois da ditadura militar. A julgar pelo resultado da decisão, contudo, parece que nossos juízes eleitorais não são tão amigos assim das verdades lógicas, científicas e cartesianas necessariamente sacadas do amplo conjunto probatório colhido no decorrer dos longos mais de dois anos que transcorreram entre o ajuizamento e o nefasto julgamento das ações eleitorais em questão.
                   Fez-se de contas que os fatos provados pelas novas provas não se referiam à denúncia inicial de dinheiro de corrupção financiando campanhas eleitorais, do uso da máquina pública em benefício de uns e prejuízo de outros candidatos, tudo ao sabor das amizades palacianas. Em uma palavra, os juízes continuam cegos, como historicamente sempre estiveram, aos flagrantes e diferentes abusos praticados em todas as campanhas eleitorais, seja nas pequenas, seja nas grandes cidades; seja nas eleições locais, regionais ou nacional. Não importa, a regra é a prática do abuso de poder político, econômico, de marketing, cultural e diversos outros. A prática é a omissão generalizada de todas as autoridades eleitorais, afinal os pecantes não são apenas os juízes eleitorais, é importante se dizer.
                   A experiência acumulada vida afora, fez com que não me arrepiasse diante do absurdo da lógica abraçada pelos juízes do TSE, afinal disparates muito piores já vi de outros juízes de todas as instâncias e tribunais. A prática do foro ensina que as contas que costumam ser rigorosamente fiscalizadas e impiedosamente reprovadas ante a mínima falha técnica são as dos pequenos candidatos. Em regra, dos que não se abastecem dos recursos da corrupção, ou pelo menos tem acesso a estes recursos em menor volume. Porém, a reprovação de suas contas nunca é porque receberam verbas de origem ilícita, mas em regra por questões técnicas absolutamente desimportantes diante dos incessantes abusos praticados em todas as campanhas eleitorais, diante dos quais a justiça eleitoral é seguidamente impotente ou cega.
                   O que de verdade existe nas campanhas é um hipócrita faz de conta. Os candidatos e partidos fingem que foram escolhidos em convenções democráticas, quando as instâncias partidárias são feudos dominados com mãos de ferro pelos caciques de plantão, controlando e tolhendo a possibilidade de escolhas livres e inovadoras. Em seguida os candidatos escolhidos em convenção fingem que se entregam a firmes campanhas pautadas por programas, projetos de governo e ideias diferentes, capazes de mudar completamente a realidade dos eleitores desassistidos, quando tudo não passa de um arquitetado e caro jogo de marketing. Não são ideias que se apresentam, mas produtos que se vendem ao tolo eleitor, refém de escolher, ao final, a embalagem que lhe pareceu mais bonita. Tudo isso, custeado por dinheiros ilícitos e em volume imensamente maiores que os declarados nas prestações de contas eleitorais. Aquela contabilidade pública apresentada mensalmente no site da justiça eleitoral, dando cabo de todos os recursos gastos campanha por campanha, candidato por candidato, são um ignóbil faz de conta, que não reflete nem de longe os verdadeiros gastos de uma campanha, nem as verdadeiras fontes dos recursos. Os romances de Garcia Marques certamente são mais realistas que as prestações de contas eleitorais. Afinal, haverá mesmo algum brasileiro que acredite que a campanha municipal de 2016 realmente não recebeu qualquer financiamento empresarial, conforme manda a lei? Ah, claro, sempre teremos juízes, promotores e técnicos eleitorais para acreditarem naquelas basbaquices!
                   E, ao termo de tudo, somos todos convidados alegremente pela propaganda da justiça eleitoral a tomar parte na festa da democracia. Afinal de contas, nos ensinam, a responsabilidade pela honestidade e competência dos nossos políticos é exclusivamente nossa, uma vez que são nossos honrados votos que os elevam aos mais altos cargos da república. Essa propaganda na verdade me põe a refletir que, ao cabo, haverá sim de existir maiores cegos que os juízes do TSE, que somos nós mesmos, eleitores, que periodicamente repetimos pelo ritual do sufrágio o processo de legitimação dos néscios no poder.
                   E vivas à democracia, porque ano que vem teremos tudo novamente!

Jorge Emicles

domingo, 4 de junho de 2017

A TORNEIRA DA CORRUPÇÃO


                   São recorrentes as manchetes denunciando seguidos escândalos de corrupção país afora, por meio dos quais se revela não somente a desfaçatez generalizada de nossos agentes públicos, como também a desmedida ganância e criatividade que possuem em surrupiar a velha viúva do cofre de ouro em que se tornou o erário, cujas riquezas são provenientes do duro trabalho dos brasileiros, arrancados através dos impostos desproporcionalmente cobrados de todos nós, em que, percentualmente, os pobres pagam mais que os ricos. Os casos são tantos, mas ao mesmo tempo tão parecidos na revelação da avareza e ganância de nossos homens públicos, que seria tedioso e inútil lista-los.
                   O que ainda está um tanto obscuro na consciência da opinião pública, que é pouco debatido pela imprensa e até mesmo olvidado em tantas vezes pela academia, é o estratagema recorrente que é utilizado pelos larápios para atingir seus sucessos. De maneira geral, podemos relacionar todos os esquemas de corrupção revelados nos últimos anos, mas também de tempos ainda mais remotos, a fraudes no processo de licitação. Eis uma chave que precisa ser concertada para prevenir ainda mais prejuízos futuros para a nação.
                   A falta de caráter e ausência de compromisso dos políticos com os interesses da coletividade são algo quase certo no universo do poder. Muitas vezes é necessário possuir tais características como condição à ascensão na hierarquia dos cargos públicos. Portanto, não é pela limpidez do caráter dos nossos administradores que vamos resolver o problema da grande sangria de recursos que ainda hoje escorrem dos cofres públicos. Somente renovando profundamente o processo de licitação é por onde talvez tenhamos algum êxito, uma vez que são os recursos provenientes dos milionários contratos administrativos que abastecem as incontáveis malas de dinheiro vivo que são despudoradamente distribuídas entre os políticos das mais variadas matizes, sempre em troca do compromisso de firmar ainda mais contratos administrativos, cada vez mais vantajosos.
                   É preciso denunciar que o caminho para esses contratos é a fraude nos processos de licitação!
                   Em geral, quando a imprensa denuncia algum novo escândalo envolvendo processos de licitação, em resposta, o congresso nacional edita novas leis tornando ainda mais rígido o processo, dando a falsa impressão com esta medida moralizar a questão. O problema é que é exatamente o inverso o que acontece: quanto mais rigoroso o processo de licitação; quando maiores forem as exigências impostas para a participação como seus concorrentes; quanto mais certidões negativas forem exigidas dos interessados, menor será o número de possíveis participante e maior a chance de acordos subterfúgios e ilegais tanto com os agentes públicos envolvidos, quanto dos licitantes entre si.
                   A realidade, é que importante número de licitações país afora são vencidas por empresas de gabinete, que não possuem empregados, estoques, capital social significativo e não vendem a ninguém mais que ao próprio poder público. Na prática, são atravessadores que compram das verdadeiras empresas existentes no mercado, para repassar por preços tantas vezes superfaturados os produtos dos quais não são verdadeiros fornecedores. Enquanto isso, o pequeno e médio empresário, que poderia ter preços bem mais competitivos (aquele mesmo, de quem o atravessador irá comprar o produto contratado) está sumariamente excluído de participar da competição porque lhe falta alguma tal certidão dentre o emaranhado de outras tantas impostas pela lei.
                   O combate à corrupção exige um imediato e rigoroso processo de desburocratização!

Jorge Emicles