ELES
NÃO ME REPRESENTAM
Os
vinte e oito anos da URCA são anos de lutas, conquistas e vitórias, todas
imprescindíveis à difícil afirmação de um centro de educação no interior do
Nordeste brasileiro, que pratica a política de levar à população abrangida pela
Universidade um ensino público, gratuito e de qualidade; razão pela qual
renunciou à vencida política de instituir cursos de graduação não gratuitos. Há
um preço impostergável a ser pago por ações desta grandeza, notadamente quanto
ao fato de ser mantida exclusivamente com os recursos do orçamento do Estado do
Ceará, que é o mesmo que dizer da imposição de uma série de limites e amarras
no que se refere à gestão e limite desses recursos. A decantada autonomia
universitária afirmada expressamente na própria Constituição Federal sofre
severas barreiras diante de um orçamento decidido pela Assembleia Legislativa
do Estado. A eleição das políticas a serem executadas pela instituição
igualmente são contingenciadas por essa mesma realidade. Entretanto, essa tal
realidade que aflige a toda a comunidade acadêmica da URCA é lugar comum a toda
e qualquer Universidade pública deste país. Que o digam as outras Universidades
do Estado do Ceará; que o confirme a realidade precária das Universidades
Federais país afora.
Falar das dificuldades, no entanto, não é igual a
negar os avanços e conquistas de vinte e oito anos de história. Aquela
insipiente instituição precariamente fundada no longínquo ano de 1986, que
oferecia cursos exclusivamente noturnos, que possuía um quadro de professores
doutores e mestres quase nulo, não tinha laboratórios e qualquer renome, seja
regional, seja nacional, hoje se apresenta em pleno desenvolvimento da política
de formação de seus docentes, que possuem regimentalmente o direito de se licenciar
por até quatro anos para cursar mestrados e doutorados país e mundo afora, sem
prejuízo de sua remuneração; agora é referência mundial em matéria de
paleontologia, sendo detentora material de importante museu dedicado a este
estudo e, mais ainda, possui em seus quadros alguns dos mais respeitados
pesquisadores na matéria (que batizaram, inclusive, espécimes inéditos no
mundo); modernamente tem em pleno funcionamento um restaurante universitário,
uma residência universitária, um ginásio poliesportivo, um biotério, renovou
sua frota de carros; sem dizer que iniciou já várias pós-graduações, entre
doutorados, mestrados e especializações; sem mencionar ainda que tem trabalhos
de seus professores publicados em periódicos dos mais consagrados, além de ela
mesma patrocinar outras publicações por sua conta. É todo esse conjunto de
ações que a fazem estar entre as cem melhores universidades do Brasil, tendo
seus cursos bem avaliados pelos padrões tanto do MEC quanto de instituições
privadas (como é o caso da Editora Abril).
É paradoxal, mas nem parece que estamos falando da
mesma Universidade que foi execrada em praça pública, pela condução em
procissão de seu féretro e inumação de seu cadáver (pasmem, juntamente com o
anúncio da morte prematura de pelo menos três dezenas de seus professores – que
vergonha o sindicato da categoria agourar mal tão nefasto a seus próprios
filiados). Para além do mau gosto da manifestação, é salutar destacar que
apregoam meias verdades, pois no mesmo passo que existe carência de professores
na instituição, fato grave e que merece pronto socorro do Governo do Estado,
não são todos os departamentos da instituição que sofrem dessa dificuldade. Há
uma inadiável e delicada discussão que necessita ser travada no âmbito da
Universidade, que diz respeito à adequada distribuição da carga horária dos
seus docentes. A classe dos professores não se permite ser massacrada no
cumprimento de sua carga horária; não pode abrir mão de horas dedicadas ao
planejamento, à pesquisa e à extensão, é verdade. Muito menos, porém, poderá se
comprazer com o fato de que alguns de seus docentes com carga horária máxima e
recebendo gratificação de Dedicação Exclusiva se dediquem exclusivamente oito
horas à sala de aula; não prestem contas adequadamente de suas atividades e
produções acadêmicas e mesmo mantenham vínculo com outras instituições da
região nas ocasiões em que são legalmente proibidos de tanto.
Não é responsável uma greve que dura já quase seis
meses (três meses entre 2013 e 2014 e mais de dois a partir de setembro do
presente ano). É de se ponderar o terrível prejuízo que vem sofrendo os
discentes da instituição, privados sumariamente de seus sonhos e planos para o
futuro, pois o fato lhes compromete não somente a qualidade do aprendizado,
como notadamente o prazo de sua formação. Já se fala no cancelamento pura e
simplesmente do semestre letivo, fazendo atrasar em pelo menos seis meses a
graduação de todos os seus alunos. Menos ainda se pondera o prejuízo financeiro
desses alunos, alguns, os que moram fora, obrigados a sustentar a habitação
local sem dela fazerem uso; outros submetidos ao constrangimento de não poderem
colar grau, pois o semestre letivo tende a ser cancelado ou pelo menos
postergado, mesmo que tenham tantos alunos já galgado a meritosa posição de
haverem sido aprovados em concursos públicos, mestrados, exame da OAB, entre
outros. Tudo, sem falar do impacto à já cambaleante economia caririense causado
pela ausência de mais de dez mil alunos diariamente, a de alguma forma
impulsionar a economia local.
Não é responsável muito menos uma greve deflagrada
em pleno processo eleitoral, quando sabidamente o governador retirante não pode
se comprometer para o ano civil seguinte, conforme expressamente veta a vigente
Lei de Responsabilidade Fiscal. Muito menos, o eleito tem poder legal para
fazer avançar qualquer compromisso com o qual tenha se empenhado. Para quem
serviria uma greve deflagrada em momento jurídico-político tão inapropriado, da
qual antecedentemente já se sabia que nada de concreto poderia ser conquistado,
senão os enviesados, espúrios e vergonhosos dividendos políticos? Mas é
legítimo e ético a deflagração de uma greve em circunstâncias tais
exclusivamente com o objetivo de construir uma candidatura de oposição à Reitoria
da URCA, por meio da instrumentalização do sindicato dos docentes por um
partido político? Não estar-se-ia a praticar a autofagia dentro da própria
instituição? Se a greve é um direito consagrado no texto da nossa Constituição,
como qualquer dos outros ali também afirmados, é de ser exercida dentro dos
parâmetros da responsabilidade, consciência coletiva e defesa das instituições
democráticas (em uma palavra, com razoabilidade), não da maneira distorcida com
a qual vem se transmudando atualmente. Nessa conjuntura, não estaria havendo
abuso do direito de greve? Afinal, é o exercício responsável dos direitos, não
o seu abuso, que contribui verdadeiramente para o amadurecimento das
instituições democráticas.
As pessoas de bem já se fartaram, advirta-se, da
deflagração de uma greve que faz povoar os corredores da Universidade (antes
cheios de alunos, professores, aulas e sobretudo sonhos de um futuro mais
promissor a todos) da desértica solidão não somente de pessoal, mas sobretudo,
de propósitos e seriedade na boa condução da luta proposta. É preciso se
repovoar os corredores e salas de aula da URCA, sob pena de parecer à sociedade
local e ao próprio Governo que deveras de pouco ou quase nada serve o vultoso
investimento que anualmente os cofres do Estado do Ceará lega à fatigada
Universidade Regional do Cariri. É pela produção dos nossos docentes; é pela
dedicação dos nossos alunos que provaremos a necessidade e importância para a
Região do Cariri e mesmo para todo o Estado do Ceará e alhures, da sua honrosa
Universidade.
É neste campo em que se deveria travar a
verdadeira batalha, não nos corredores tristes e desertos em que a
transformaram!