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terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

RÉPLICA DO MOVIMENTO PELA REFUNDAÇÃO DO CRATO
ou
PELA VERDADE


                   Não nos utilizaremos dos dois tomos dos quais valeu-se o velho Rui Barbosa para rechaçar as detratações contra si lançadas quando fora senador da República. Mas algo é preciso ser dito sobre as reações a nosso artigo, que pela instigação da consciência cívica dos cratenses, finda propugnando a necessidade de refundação desta heroica terra, enquanto única saída ao presente descalabro.
                   De 1903 a 1904, na célebre questão em que o coronel Antônio Luiz deu por terra, a bala, no Crato, com o chefe político José Belém de Figueiredo, foi a Farmácia Central o laboratório em que, durante meses, se processou a conspiração contra o temeroso potentato, é assim que descreve o ilustre Irineu Pinheiro a tomada a força do poder pelo Cel. Antônio Luiz. O Crato e as articulações engendradas em farmácias... nos parece algo comum ao passado e ao presente dessa terra, não sendo mera coincidências, portanto, os acontecimentos contemporâneos. Segundo o festejado Raimundo de Oliveira Borges, o Cel. Belém foi um injustiçado, porém a máxima de que quem com ferro fere, com ferro será ferido, também fez sua justiça, quando anos depois, a prefeitura do Crato fora invadida e tomada pelas forças governistas, tomando-a das mãos do arrogante Antônio Luiz.
                   Este episódio se trata de um símbolo marcante de como pensam as elites locais, que egocentricamente pensam exclusivamente em seu próprio bem estar, esquecendo-se do progresso da sua terra e de sua gente. Foi graças a essa visão miúda de mundo que o centro de comércio da região central do Nordeste se transmudou na miúda economia dos tempos atuais. Darcy Ribeiro, em sua obra fundamental sobre antropologia brasileira, em diversas passagens cita o Crato e sua importância geopolítica e econômica, que tinha como símbolo o largo da Rede Viação Cearense (atualmente REFFESA), de onde partiam e chegavam as riquezas que alimentavam toda a região. Hoje, após longos e lastimáveis anos de abandono, temos ali um espaço cultural, infelizmente subutilizado face a ausência de apoio do poder público a atividades culturais. Como seríamos a capital da cultura sem o inevitável apoio das verbas públicas?
                   O Crato é dos municípios mais antigos do interior cearense, e possui a primeira Comarca do interior do Estado, fundada ainda nos idos do reinado de D. João VI. Uma Comarca que até o final dos anos noventa não possuía sede própria, funcionando precariamente em um minúsculo prédio, no centro da cidade, e que hoje funciona quase tão precariamente quanto antes em um prédio de dimensões insuficientes à sua importância (nem acesso a deficientes possui, pasmem os ativistas do século XXI!). Os prédios históricos da cidade foram quase que totalmente destruídos, fazendo esta terra renunciar ao título de possuir uma das mais robustas e belas arquiteturas histórica do país. Ainda hoje, os prédios que arrodeiam a Praça da Sé são demolidos diante do contemplativo descaso da grande maioria da nossa população. A Casa de Bárbara de Alencar foi destruída. A casa onde nasceu o Padre Cícero também. O simbólico prédio da Cinelândia (onde tínhamos o nosso orgulhoso senadinho) não teve destino diferente. Os poucos prédios antigos que ainda resistem são escondidos pelas placas do comércio local. Eis o triste retrato de uma terra sem memória, que abdicou a seu passado pela aplasia de toda a sociedade.
                   Nas Constituições de 1946 e de 1988 (as duas Constituições mais democráticas e libertárias da história desse país) o Crato orgulhosamente teve representantes nas respectivas Assembleias Constituintes. Hoje não possuímos sequer um Deputado Federal, Senador ou membro do primeiro escalão, seja do Governo Federal, seja do Governo Estadual. Nos últimos dez anos, o crescimento populacional da cidade foi abaixo do nacional. Já tivemos algumas importantes indústrias da região, sendo o polo da atividade industrial local. Hoje, vivemos sob a marca de escândalo de doações irregulares de terrenos pelo poder público a empresários. E quantos órgãos públicos já não cerraram suas portas em nosso município, seja pela falta de atrativos, seja pela ineficiência de seus gestores? Modernamente, o prédio do SESI se nos apresenta como uma importante marca deste movimento histórico que esvazia, dia a dia, a nossa cidade, transformando-a em uma simples e desimportante cidade dormitório.
                   Assim poderíamos discorrer por tomos inteiros, descrevendo o tanto que o Crato teve e o tanto que deixou de ter. O cratinha...
                   Vendo as coisas por esse ângulo; andando pelas ruas da cidade e averiguando in loco a tristeza e o descaso que povoam todas as suas ruas; a falta de esperança que inunda a alma de seus cidadãos mais honestos, não conseguimos, definitivamente não conseguimos enxergar a cidade próspera, pujante e feliz decantada em certos artigos que nos pousam a vista. E a quem deveríamos atribuir a culpa pelo fracasso histórico dessa orgulhosa terra senão a sua elite, a quem sempre coube administrá-la? Nunca é demais lembrar que o sistema eleitoral brasileiro não permite que se chegue ao governo sem se abusar do poder, seja o econômico, seja o político, seja o cultural ou outros mais. Todos os prefeitos dessa terra, em todos os tempos (presentemente inclusive) foram eleitos com o apoio de parcela da elite local. Sem esse apoio ninguém jamais conseguiria galgar ao poder. Não há cidadãos independentes e conscientes que chegaram ao poder. Há castas sociais que apoiam e elegem candidatos. Portanto, desde a sangrenta derrubada do Cel. Belém do poder, todos os mandatários locais tiveram sim a cumplicidade das nossas elites. E se é a estes maus administradores a quem devemos o nosso descalabro, também é à elite que os elegeu, solicitou-lhes favores não republicanos e os manteve no poder. É esta a realidade de toda e qualquer sociedade, seja ela democrática ou não, pois não se pode governar sem parcela importante das elites.
                   Não é o pessimismo, mas fruto de atenta e científica análise sociológica da nossa terra que nos convence haver uma única esperança para a que um dia foi a imponente Cidade do Crato, Cabeça de Comarca (que formam os quatro “C”, do seu brasão). É preciso refunda-la. Tudo o mais é discurso apartado do sentido histórico da realidade.
                   As pessoas que amam verdadeiramente o Crato precisam reconstruí-la.

Jorge Emicles Pinheiro Paes Barreto

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

MOVIMENTO PELA REFUNDAÇÃO DO CRATO


                   Era uma sexta feira, vinte e três de janeiro de 1914. Reunidos em frente à casa do patriarca de Juazeiro toda uma tropa de romeiros estava pronta para a mais ousada de todas as investidas que tiveram vez na revolução daquele ano que culminaria com a deposição do Presidente do Estado do Ceará, o Coronel Franco Rabelo. Naquela ocasião, jagunços transmudados em beatos, armas depostas e face de êxtase aguardavam as sacras palavras do velho padrinho Cícero. Por sua vez o sacerdote ao tempo em que dava a ordem para a invasão da vizinha cidade de Crato, pontificava:
O Crato é minha terra, meu torrão natal. Só permito um combate como esse para tanger de lá os meus inimigos, de uma vez por todas. Eles querem cortar minha cabeça, acabar com os romeiros e destruir o Juazeiro, esta terra santa de Nossa Senhora das Dores. Vão. Não bebam cachaça, para não fazerem besteira. Não atirem à toa, pois todos sabem que não dispomos de muita munição. Chegando na entrada da rua do Crato, não queiram penetrar logo na cidade, demorem um pouco, dando tempo para as famílias se retirarem. Deixem fugir também os soldados que não quiserem guerrear. Não persigam, de maneira nenhuma, os fugitivos. Deixem livres os caminhos do seminário e da casa de caridade. Não importunem quem quiser se refugiar lá dentro. Respeitem a casa do vigário Quintino e qualquer pessoa que vá se esconder nela. Não destruam as residências e muito menos matem pessoas que não estejam em combate.
                   Partida a tropa para o cumprimento da missão, quedou-se o velho sacerdote trancafiado em seu quarto, em desassossego, empunhando um crucifixo em direção a sua terra natal, traçando com ele largos gestos, como se desenhasse várias cruzes no ar. Segundo o relato de um cratense, o médico Irineu Pinheiro, o Crato possuía superioridade em armas e homens. Mesmo assim, graças à coragem destemida dos romeiros, mas, sobretudo à covardia incompetente dos governistas, os mais fracos venceram. É o mesmo Irineu Pinheiro que atesta, sobre as forças defensivas de Crato, que
pode dizer-se sem risco de erro que da falta absoluta de capacidade de direção da gente do governo resultou a queda fácil do Crato, principal centro de resistência governista no sul do Estado. Poderia defende-lo vantajosamente a guarnição da cidade e se, por ventura, fosse excepcionalmente vigorosa a pressão dos atacantes, inda assim, seria eficientíssimo o auxílio de Barbalha, onde se achavam centenas de homens da polícia.
                   Por isso, continua o culto cratense, vencera a tenacidade, a coragem dos romeiros que, com escassos tiros em suas cartucheiras, obrigados, portanto, a poupá-los não desanimaram e fizeram recuar e correr diante de si o inimigo bem municiado, abrigado em sacos de algodão, ou protegido pelos muros das casas.
                   Antropologicamente, pode-se dizer que é desta invasão, hoje centenária, que nasce o rancor que as elites cratenses ainda hoje alimentam contra a metropolitana Juazeiro do Norte. Mas historicamente, resta fincada a data da extinção do Crato, seja como cidade, como centro de cultura ou polo de comércio. Portanto, comemoramos modernamente os cem anos da extinção do Crato, que na última centúria permaneceu viva somente no soberbo orgulho e na míope visão de sua incompetente elite. Eis as razões remotas da decadência e irrecorrível declínio da ciosa terra de Bárbara de Alencar. Eis a razão porque a memória viva das datas histórias desta terra, Huberto Cabral, não bradou aos quatro cantos a histórica data do centenário da queda do Crato.
                   De lá para cá, o Crato assiste enciumado o engrandecimento de Juazeiro do Norte, ao mesmo tempo em que lamenta os investimentos e as instituições que paulatinamente vem perdendo, mas também os muitos que deixou de ganhar. Os escândalos que povoam modernamente a vida do Legislativo e Executivo local, são meros reflexos deste já longo movimento histórico, que apenas culminam a marca da insensatez e incompetência de nossas elites. É a ela, a inglória, arrogante e medíocre elite cratense, a quem se deve o malogro histórico desta terra. E deste malogro, não há mais saída, pois o bonde da história já passou, deixando para trás, choramingando pelo desprezo, todo um povo, que em certo e remoto dia, já foi a capital da cultura e do folclore, centro de conhecimento e relevante polo de comércio do nordeste brasileiro. Agora é vergonhoso foco de denúncias de corrupção e desmandos da coisa pública.
                   A única solução possível para esta malsinada terra é a sua refundação. Esqueçamos o brado de José Martiniano, que primeiro proclamou a república, pois junto com aquele grito, pusemos no poder local o egocentrismo do bacamarte e a mesquinhez do pensamento politiqueiro mais energúmeno, o mesmo que ainda hoje povoa as rodas palacianas. Deixemos de lado o título de capital da cultura, pois ele nada mais é senão o símbolo de que já há cem anos, toda esta terra encontra-se paralisada no tempo, renunciando ao desenvolvimento sustentável e a uma economia saldável. Abandonemos o inútil culto aos gloriosos nomes da nossa elite, pois são eles, exatamente eles, os grandes responsáveis pela nossa derrocada. As ilustres famílias desta terra são na verdade seus mais terríveis algozes, os culpados históricos pela nossa opróbia queda.
                   Comecemos do nada, da estaca zero. Cultivemos os valores da ética, da honestidade e da verdade, ao invés da mesquinhez, arrogância, prepotência e covardia que preenchem vergonhosamente as páginas dos últimos cem anos de história do Crato. Refundemos esta cidade, pois esta é a única esperança de transmudar o caos do presente em esperança e prosperidade, abandonando de vez a vergonhosa história que nos precede!

Jorge Emicles Pinheiro Paes Barreto