ELES,
OS JUÍZES
Quando a revolução francesa flagrou-se
vitoriosa, fundando as bases do mundo contemporâneo que conhecemos hoje, uma
das mais ávidas providências do novo governo foi retirar poder dos juízes. Não
os destituíram da chamada jurisdição (poder do Estado em dizer o direito, ou
seja, quem tem ou não razão nas querelas privadas e públicas), mas
relativizaram-na. Entre os franceses, a tal medida sagrou-se especialmente
quando a nova ordem proibiu aos juízes julgarem causas contra o Estado da
França (e assim é até hoje). O fundamento de tal extirpação foi o de que os
juízes eram excessivamente aristocráticos, defensores dos interesses da classe alijada
do poder pela revolução, de maneira que emprestar-lhes poder era dar azo aos
movimentos contra-revolucionários. É dizer, se os juízes permanecessem tão
poderosos quanto antes, as vitórias da revolução seriam todas preteridas ou
relativizadas.
Visitar um fórum nos dias de hoje seja no
interior, seja em uma capital qualquer, revela que eles, os juízes, somente
pioraram nos últimos dois séculos. Continuam inacessíveis, fechados dentro de
uma pseudo e podre sabedoria, ensimesmados na certeza de que são superiores às
dores humanas. Despacham seus processos como deuses impondo desfechos tantas
vezes inglórios aos casos que lhes são atribuídos. São assustadoramente
preconceituosos. Encaram um processo como um ser técnico, etéreo e distante dos
homens e seus sentimentos.
Não são capazes de perceber a obviedade
de que no cerne de cada uma das ações que julgam estão pessoas, humanas,
sensíveis e sofredoras, que admitiram a querela como última instância de
solucionar um específico conflito. São vezeiros em repetir o absurdo argumento
de que o judiciário não se presta a resolver conflitos psicológicos, sendo um
simples e insensível órgão técnico, capaz de dar soluções meramente técnicas
para problemas exclusivamente técnicos. Dizem assim certamente porque não olham
nos olhos nem possuem um mínimo que seja de sensibilidade para perceber as agruras
daquela mãe que precisa dar de comer a seus filhos e aguarda inexplicáveis anos
para a solução da sua demanda; nem o pai vítima da alienação parental; nem o
cidadão humilhado pelos maus comerciantes; nem o trabalhador explorado por seu
patrão, nem o segurado da previdência que teve seu benefício injustamente
negado, nem a vítima de danos, jamais reparada, nem o criminoso aguardando a
quase certa prescrição de seu crime e muito menos o inocente no aguardo da
justa absolvição que nunca virá. A simples morosidade é em si mesma a mais flagrante
das injustiças cometidas todos os dias pelos nossos juízes, que solucionam a
maioria das vezes causas vazias de conteúdo, pois ninguém busca uma sentença,
mas a solução efetiva de um conflito. Rui Barbosa já advertiu que justiça
tardia é injustiça patente.
Definitivamente, julgar é ato humano,
feito pelos homens, com os homens e para os homens. Há muito pouco de
verdadeira técnica nisso, senão naquilo que serve de limite contra os abusos
dos próprios juízes. Não haveria como separar as almas torturadas e sofridas,
tratadas como impessoais partes nas ações judiciais, das demandas que integram,
senão na torpe e deturpada consciência dos juízes. Julgar é perceber este cabedal
imenso e profundo, tantas vezes confuso, de fatos impregnados de sentimentos
(pois são os sentimentos que dão o verdadeiro conteúdo aos fatos),
desumanamente tratados como meras estatísticas pelos que são legalmente
imbuídos da atribuição de julgá-los. É nisso especificamente onde repousa a
mais ignóbil das deturpações do nosso sistema judiciário: no enorme ego dos
magistrados. É por isso que nosso judiciário está a cada dia mais corroído,
corrompido e desmoralizado: pois que restou maculado pela empáfia e arrogância
de seus juízes.
Um dos grandes processualistas
brasileiros, o Mineiro (e pasmem, desembargador aposentado), Humberto Theodoro
Júnior, comentando uma das recentes reformas do Código de Processo Civil
Brasileiro, saiu-se com a máxima de que a reforma era boa, porém inócua, pois
faltava reformar a consciência dos nossos juízes. É exatamente disso o que
precisamos quanto ao judiciário brasileiro: reformá-lo profundamente, a começar
pelos seus juízes, fazendo-os humanos, sensíveis às demandas da sociedade e,
porque não dizer, fazendo-se um de nós, explorados e indefesos cidadãos
brasileiros. Será possível?
Jorge Emicles Pinheiro
Paes Barreto
Gostaria que pelo menos um Juiz Federal lesse esse texto!
ResponderExcluirMuito bom o artigo professor, sincero e direto, como o senhor mesmo diz: A morosidade do judiciário por sí só já é uma grande injustiça !
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